Competências socioemocionais como fator de proteção à saúde mental e ao bullying

Compreender o conceito de competências socioemocionais envolve o estudo das emoções. Ao longo da história, as emoções foram abordadas de diferentes perspectivas: da neuropsicologia, da biologia, dos padrões das espécies, da psicopedagogia, da cultura etc. Dentre todas essas abordagens, aquelas voltadas para as competências socioemocionais no contexto escolar são as de interesse nesse texto por abordarem diretamente as novas diretrizes propostas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a proposta de Educação para o século 21 (proposta pela UNESCO) e o ensino integral.

Na BNCC, as competências socioemocionais estão presentes em todas as 10 competências gerais. Portanto, no Brasil, até 2020, todas as escolas deverão contemplar as competências socioemocionais em seus currículos. Diante dessa demanda, precisamos conhecer mais sobre a educação socioemocional (Social Emotional Learning – SEL).

Segundo CASEL, a educação socioemocional refere-se ao processo de entendimento e manejo das emoções, com empatia e pela tomada de decisão responsável. Para que isso ocorra, é fundamental a promoção da educação socioemocional nas mais diferentes situações, dentro e fora da escola, pelo desenvolvimento das cinco competências apresentadas a seguir:

Envolve o conhecimento de cada pessoa, bem como de suas forças e limitações, sempre mantendo uma atitude otimista e voltada para o crescimento.
Relaciona-se ao gerenciamento eficiente do estresse, ao controle de impulsos e à definição de metas.
Necessita do exercício da empatia, do colocar-se “no lugar dos outros”, respeitando a diversidade.
Relacionam-se com as habilidades de ouvir com empatia, falar clara e objetivamente, cooperar com os demais, resistir à pressão social inadequada (ao bullying, por exemplo), solucionar conflitos de modo construtivo e respeitoso, bem como auxiliar o outro quando for o caso.
Preconiza as escolhas pessoais e as interações sociais de acordo com as normas, os cuidados com a segurança e os padrões éticos de uma sociedade.

Existem diferentes estudos e práticas internacionais e nacionais voltadas ao trabalho com competências socioemocionais (por exemplo: OCDE, Casel, Wida, Center for Curriculum Redesign, MEC) Além do estudo e disseminação do conhecimento, diferentes avaliações de grande escala contemplam as competências socioemocionais, como o PISA (Programme for International Student Assessment) e o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio).

[...]para que as competências socioemocionais sejam trabalhadas no contexto escolar do aluno do século XXI, elas devem ser o foco de qualquer proposta curricular que venha a ser delineada a partir da BNCC.

O grande desafio que se configura atualmente é investir nas competências cognitivas/acadêmicas e também nas competências socioemocionais. Quanto a essa questão, CASEL (2015) aponta que investir em competências socioemocionais beneficia o aluno não apenas no desenvolvimento dessas competências, mas também no desempenho escolar de modo geral e na manutenção de uma sociedade pró-social. Portanto, para que as competências socioemocionais sejam trabalhadas no contexto escolar do aluno do século XXI, elas devem ser o foco de qualquer proposta curricular que venha a ser delineada a partir da BNCC.

No campo do desenvolvimento das competências socioemocionais, um tema muito importante nos dias atuais é o bullying. O termo bully pode ser traduzido como valentão, brigão ou tirano. Assim, o termo bullying compreende o conjunto de ações violentas e intencionais (geralmente repetidas) contra outra pessoa e que tem como produto danos que variam desde a ordem física à psicológica, deixando “marcas” não apenas momentâneas, mas também capazes de reverberar ao longo da vida da pessoa que foi alvo do bullying.

O bullying é uma preocupação para toda a sociedade, sendo inclusive destacadas, pelo MEC, as ações anti-bullying nas escolas. No combate ao bullying, as 5 competências socioemocionais, descritas anteriormente, devem ser trabalhadas: autoconsciência, autogestão, consciência social, habilidades de relacionamento e tomada de decisão responsável. 

Para serem trabalhadas, é fundamental que o educador tenha clareza dessas competências, apoie e monitore os alunos quanto ao exercício delas.

Por exemplo: criando estratégias em que um aluno que apresente maior conhecimento do tema abordado possa auxiliar aqueles que apresentem maior dificuldade e seja valorizado por isso, bem como incentivando e apoiando o aluno que apresenta maior dificuldade no tema em questão a falar sobre suas limitações com os demais. O grupo como um todo pode apoiar as decisões tomadas para a resolução dessa atividade de modo positivo, respeitando as limitações e valorizando ações pró-sociais.

Marcos Meier e Sandra Garcia (2007), pautados em Feuerstein, apontam alguns critérios de mediação, em consonância com ações apoiadas nas competências socioemocionais, que podem ser transpostos para a sala de aula, a saber:

  1. Intencionalidade e reciprocidade: o educador deve apresentar objetivos/metas claras e concretas (assim produzirá maior reciprocidade entre os alunos).
  2. Significado: o educador deve explicar o conceito (relacionado ao tema trabalhado na aula) e suas implicações com outros conceitos de modo claro e objetivo verificando se o aluno os compreendeu.
  3. Transcendência: o educador deve articular as aprendizagens de modo que transcendam o “aqui e agora”, favorecendo o aluno a pensar sobre as implicações do que está sendo “dito e feito”.
  4. Competência: o educador deve proporcionar que o aluno se sinta “capaz” de aprender, favorecendo sua motivação e autoestima. Ou seja, deve oportunizar situações em que o aluno obtenha sucesso. Para isso, as aulas, avaliações, linguagens etc. devem estar de acordo com o nível do aluno para o tema abordado. O feedback ao aluno é fundamental!
  5. Regulação e controle do comportamento: o educador deve apoiar o aluno a controlar/regular suas ações nas diferentes situações, incluindo as estressoras. Portanto, apoiar a discussão reflexiva, com o aluno e no grupo, é importante!
  6. Compartilhar: o educador deve manter e reforçar o clima escolar de respeito, ajuda mútua e valorizar a importância do controle das emoções, da comunicação clara e respeitosa, do balanceamento entre os objetivos/metas pessoais e do grupo. Situações de debate, troca de ideias e afins são de fundamental importância!
  7. Individuação e diferenciação psicológica: o educador deve valorizar as diferenças, desenvolvendo a consciência e a singularidade de cada aluno – e como ela pode coabitar com o grupo e fortalecê-lo.
  8. Planejamento e busca por objetivos: o educador pode apoiar o aluno na identificação de suas metas (objetivas, claras e que respeitem os demais) e ajudá-lo no planejamento (concreto e com passos possíveis de serem realizados) para que essas metas sejam alcançadas. A conversa e as estratégias para análise (como antecipação por imagens mentais) são de suma importância.
  9. Procura pelo novo e pela complexidade: o educador deve propor situações desafiadoras e incentivar a sua resolução de modo respeitoso.
  10. Consciência da modificabilidade: o educador deve sempre buscar novos caminhos, recursos, estratégias etc., de forma a apoiar a todos os alunos (nunca desistir de um aluno quando a maioria já dominou um assunto, situação etc.).
  11. Sentimento de pertença: o educador deve apoiar o aluno a identificar as pessoas que se aproximam ou que se identificam com ele, em outras palavras, o educador deve auxiliar os alunos a se sentirem pertencentes a um grupo.
  12. Construção do vínculo: o educador deve buscar vincular-se aos alunos e vice-versa. O vínculo é fundamental para a ação em grupo!

Um bom exemplo de onde essa mediação poderia desenvolver as competências socioemocionais dos alunos está nas páginas 8 e 9 do Caderno de boas práticas (CP_EF-AF_006 e CP_EF-AF_007) em que é proposto pensar a linguagem (e a prática escolar) como prática social.

Nessa atividade, é sugerido o desenvolvimento de um jornal escolar que contasse com a participação ativa dos alunos e trabalhasse temas do cotidiano e universo estudantil, relevantes para a comunidade escolar.

Em um desdobramento simples e que não pretende esgotar toda a discussão e o trabalho em competências socioemocionais, durante a produção desse jornal, os educadores poderiam, por meio de uma roda de conversa, verificar as forças e limitações de cada aluno (trabalhando a competência de autoconsciência), mediar a participação de cada aluno com base nessa análise de limite e potencialidade e auxiliar os alunos nas tomadas de decisão sobre os temas, textos etc. (trabalhando as competências de autogestão, consciência social, habilidades de relacionamento e tomada de decisão responsável).

Nesse processo, o educador pode apresentar claramente e objetivamente os propósitos do jornal, as tarefas de cada aluno e as metas individuais e do grupo.

Durante a produção do jornal, o educador pode:

  • a) incentivar e valorizar a reciprocidade;
  • b) incentivar  a transcendência ou implicações da produção escrita;
  • c) valorizar a capacidade de cada aluno e do grupo (auxiliando a escolha de tarefas a partir das potencialidades de cada aluno);
  • d) valorizar a regulação (ao mediar conflitos que possam surgir, por exemplo);
  • e) incentivar e valorizar o compartilhar (em que todos os alunos tenham voz ativa, mas saibam respeitar os demais) e;
  • f) respeitar a singularidade de cada aluno.

Ao sugerir novos temas desafiadores para o conteúdo do jornal, o educador cria novas oportunidades para desenvolver as competências socioemocionais dos alunos e a participação ativa de todos, com a devida mediação do educador, favorece o estabelecimento de vínculo e o respeito. Em outras palavras, nessa atividade é possível combater o bullying na escola por meio das competências socioemocionais.

Para os educadores fica o desafio de alinhar as práticas de sala de aula (e fora de sala de aula) com os pressupostos aqui apresentados, relacionados às competências socioemocionais, com a certeza de que a mudança alcançada não apenas auxiliará no desempenho acadêmico e cognitivo dos alunos, mas também promoverá um clima escolar mais respeitoso e empático (combatendo o bullying) com impactos em toda a vida dos alunos e da sociedade.

Saiba mais

Links interessantes para consulta:

CASEL. Resources: Infographics. Disponível em: https://casel.org/resources-infographics/>. Acesso em: 25 fev. 2019.

CASEL. Resources: Guides. Disponível em: https://casel.org/resources-guides/>. Acesso em: 25 fev. 2019.

CASEL. Middle School SEL Resources. Disponível em: https://casel.org/middle-resources-2/>. Acesso em: 25 fev. 2019.

CASEL. Creating a Safe, Supportive Environment for Learning. Disponível em: https://casel.org/creating-a-safe-environment-for-learning/>. Acesso em: 25 fev. 2019.

CASEL. Casel Guide – Effective Social and Emotional Learning Programs. Disponível em: http://secondaryguide.casel.org/#Outcomes>. Acesso em: 25 fev. 2019.

A HISTÓRIA, os pilares e os objetivos da educação socioemocional. Revista Educação. Disponível em:

http://www.revistaeducacao.com.br/historia-os-pilares-e-os-objetivos-da-educacao-socioemocional/>. Acesso em: 25 fev. 2019.

ABED, Anita Lilian Zuppo. O desenvolvimento das habilidades socioemocionais como caminho para a aprendizagem e o sucesso escolar de alunos da Educação Básica. Disponível em:

http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cp/v24n25/02.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2019.

COELHO, Vítor; SOUSA, Vanda; FIGUEIRA, Ana-Paula. The Impact of a School-Based Social and Emotional Learning Program on the Self-Concept of Middle School Students. Disponível em:

https://www.redalyc.org/html/175/17531400006/>. Acesso em: 25 fev. 2019.

MACHADO, Paula et al. Relações entre o conhecimento das emoções, as competências acadêmicas, as competências sociais e a aceitação entre pares. Disponível em:

http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-82312008000300008>. Acesso em: 25 fev. 2019.

HIBOO. Social Emocional Learning. Disponível em:

https://www.hiboo.com.br/social-emocional-learning>. Acesso em: 25 fev. 2019.

Programa Nuvem9Brasil. Disponível em:

http://www.nuvem9brasil.com.br/#projeto>. Acesso em: 25 fev. 2019.

Referências bibliográficas

MEIER, Marcos; GARCIA, Sandra. Mediação da aprendizagem: contribuições de Feuerstein e Vygotsky. Curitiba: Edição do Autor, 2007.


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