Práticas empreendedoras na escola

Nas três práticas relacionadas ao tema empreendedorismo, há relatos muito interessantes de experiências implementadas com sucesso. De fato, atividades empreendedoras são extremamente engajadoras e estimulantes por serem naturais em uma grande parte das pessoas. Poucas são as crianças que nunca brincaram de vender limonada na esquina de casa, os adolescentes que nunca venderam coisas na escola para fazer uma caixinha necessária, as mulheres que nunca utilizaram seus dons naturais ou aprendidos em casa para empreender e ajudar no sustento da família.

Nesses relatos de sucesso, identificamos traços de atividades de empreendedorismo clássico, de empreendedorismo social e de serviço social, mas não fica claro se professores e alunos compreenderam plenamente a natureza de cada atividade e de seus objetivos. Para que as atividades de empreendedorismo possam ser desenvolvidas na escola com resultados positivos para uma aprendizagem com postura empreendedora, é útil esclarecer os diferentes tipos de empreendedorismo com seus limites, possibilidades e regras.

Trata-se, de fato, de transformar as populares atividades de compra e venda simuladas na escola, tão úteis como cenário de desenvolvimento de competências variadas, em práticas de aprendizagem para o empreendedorismo propriamente dito.

[...] para aprender a empreender, é necessário desenvolver inúmeras competências gerais e específicas, bem como habilidades previstas na BNCC para todos os ciclos escolares.

Hoje, o empreendedorismo entre os jovens ou mesmo no âmbito da família, precisa ir além da atividade informal desenvolvida com pouco ou nenhum planejamento e gestão.

Com as transformações recentes nas relações de emprego, o empreendedorismo vem ganhando cada vez mais seriedade e importância.

Ele precisa ser aprendido em idade precoce, pois certamente será útil muito antes do que se pensa. Além disso, para aprender a empreender, é necessário desenvolver inúmeras competências gerais e específicas, bem como habilidades previstas na BNCC para todos os ciclos escolares.

E, finalmente, toda ação de empreendedorismo tem um objeto relacionado a um componente ou a um conjunto de componentes curriculares. Isso traz para as atividades de aprendizagem uma seleção perfeita de assuntos propícios para a aprendizagem inter e transdisciplinar.

Tipos de empreendedorismo

É útil aqui distinguir entre três tipos de empreendedorismo: o clássico, o social e o serviço social. Adicionalmente, falaremos também de ativismo social.

O empreendedorismo clássico é projetado para gerar lucro financeiro. Desde o início, a expectativa é que o empreendedor e seus investidores obtenham algum ganho financeiro pessoal. O lucro é a condição essencial para um empreendimento sustentável.

Traços importantes e característicos do empreendedorismo clássico estão presentes nas práticas relatadas pela professora Letícia Sant’ana, da EMEF Eugênio Pinto Sant'Anna, em Domingos Martins (ES).  Em torno da construção, houve o desenvolvimento e a exploração comercial de uma horta escolar e de pequenas hortas domésticas nas casas dos alunos participantes – essas práticas geraram múltiplas atividades iniciais de planejamento, produção e gestão e foram finalizadas com uma experiência de lucro:

“Os estudantes ficaram empolgados por terem participado da feira livre e, é claro, por terem arrecadado um bom dinheiro, que serviu para uma ida ao cinema e uma feliz tarde em Vitória, capital do Espírito Santo.”

Um segundo tipo de empreendedorismo é o social, que não tem como prioridade criar lucros financeiros substanciais para seus investidores. O empreendedor social encontra seu maior valor nos benefícios transformadores em maior ou menor escala, que possam ser gerados em um segmento significativo da sociedade ou na sociedade em geral. Geralmente, a proposta de valor do empreendedorismo social é planejada para uma população carente ou altamente desfavorecida, sem recursos ou influência para conseguir transformar sua vida por conta própria. Porém, um empreendimento social pode gerar renda e pode ser organizado com fins lucrativos. Para se desenvolver, depende de três passos:

  • Identificação de um equilíbrio estável, porém injusto, gerador de exclusão, marginalização ou sofrimento para um grupo social.
  • Identificação de uma oportunidade de desenvolvimento de uma proposta com valor social e potencialmente transformadora para o grupo identificado.
  • Criação de um novo equilíbrio estável que assegure um futuro melhor para o grupo alvo.

Nos relatos oferecidos, várias práticas foram apresentadas sob a rubrica empreendedorismo social. Uma análise mais cuidadosa dos objetivos e dos resultados de cada uma, no entanto, permite classificá-las mais como serviço social ou ativismo social do que como práticas de empreendedorismo. Elas são diferentes do empreendedorismo clássico e do empreendedorismo social, como veremos a seguir.

A assistência social é uma resposta a um problema social identificado e acolhido com coragem por alguém. Pode se transformar em uma solução para o problema, mas na maioria das vezes isso não acontece, uma vez que o problema é geralmente complexo e é gerado fora do escopo da assistência. A assistência social normalmente precisa atrair recursos e sofre com sua vulnerabilidade. Sem uma base forte de apoio contínuo que mantenha a assistência social, ela é naturalmente mais frágil.

Como sinalizado anteriormente, ótimos exemplos de práticas de assistência social podem ser encontrados no relato da professora Sarita Maria Pieroli, do Colégio Estadual Marcelino Champagnat, em Londrina (PR). Com um grupo de alunos, ela desenvolveu o projeto Os amigos do amanhã. Essa prática foi desenvolvida em um lar para idosos e tinha como objetivos acolher pessoas idosas com vínculos familiares rompidos ou fragilizados; possibilitar a convivência comunitária; restabelecer vínculos familiares; diminuir o preconceito e estereótipos com relação ao envelhecimento; proporcionar um envelhecimento mais saudável e mais feliz; e promover a convivência de jovens e idosos.

Com outros grupos de alunos, ela desenvolveu as atividades de serviço social Champanimal e Patrulha Canina, ambos dirigidos ao bem-estar de cachorros no entorno escolar.

Todas essas atividades de serviço social foram marcadas por um forte conjunto de ações de planejamento e gestão.

O ativismo social, por sua vez, trabalha no plano da influência, mais do que no plano da ação. O ativista social pode provocar transformações por meio de ação indireta sobre governos, ONGs, consumidores e trabalhadores para que estes, sim, sejam os agentes das mudanças.

A professora Sarita Maria Pieroli e os alunos também desenvolveram um projeto de ativismo social denominado Meio ambiente e sustentabilidade. Por meio de um conjunto de atividades cuidadosamente orquestradas, conseguiram conscientizar a comunidade escolar sobre.

“[...] temas relacionados ao meio ambiente e à cidadania. Utilizamos materiais recicláveis para a confecção de floreiras e a criação de uma horta hidropônica no colégio. Coletamos água dos aparelhos de ar-condicionado e da chuva para regar as plantas. Fizemos coleta de lixo após as aulas e realizamos palestras de conscientização e preservação, desenvolvendo assim uma cultura de atitudes para o desenvolvimento sustentável do nosso planeta.”

Essa discussão sobre diferentes tipos de empreendedorismo e sobre as diferenças fundamentais entre empreendedorismo, serviço social e ativismo social é importante porque pode ajudar professores e alunos a ter mais clareza sobre o que estão fazendo, sobre seus objetivos e sobre os benefícios que essa aprendizagem pode trazer no âmbito do desenvolvimento de competências úteis e necessárias para seu projeto de vida presente ou futuro.

Resumo histórico do pensamento empreendedor

O conceito de empreendedor aparece no final da Idade Média, primeiro ligado a construtores como administradores que não corriam riscos (HISRICH E PETERS, 2009).

A partir do século XVII, o risco é associado ao conceito do empreendedorismo, conceito esse de base econômica que agrega o risco aos componentes de lucro e inovação.

A partir daí, já na era da industrialização, seu significado se desenvolve a partir das grandes mudanças no mundo do trabalho: uso intensivo de tecnologias, produção industrial em escala, abandono gradual da produção artesanal e surgimento da figura do capitalista, o dono do capital, que passa a financiar as invenções motivadas pela industrialização e desenvolvidas pelos empreendedores. A imagem do empreendedor passa então a ser vinculada à inovação.





No início do século XX, as Ciências Sociais passam a contribuir para estudos sobre empreendedorismo e comportamento empreendedor, lançando luzes sobre a importância de fatores como:

  • carisma;
  • motivação;
  • realização;
  • independência;
  • autoconfiança;
  • cognição;
  • capacidade de gerar soluções e desenvolvimento a partir de decisões internas ou reforços externos (Locus de controle).

Estabelece-se, então, uma visão de empreendedor inovador, orientado para a transformação dos padrões de produção e criação de novos produtos.

[...] o empreendedorismo é mais que tudo uma postura e um espírito que permitem ao empreendedor encarar problemas como oportunidades e cultivar, acima de tudo, a capacidade de estar atento e de tomar decisões.

Hoje, o empreendedorismo é mais que tudo uma postura e um espírito que permitem ao empreendedor encarar problemas como oportunidades e cultivar, acima de tudo, a capacidade de estar atento e de tomar decisões. Atento aos riscos, às oportunidades, aos processos e aos comportamentos para gerar decisões transformadoras e benéficas para o empreendimento e o grupo social que dele se beneficia.

Apesar de haver diferenças entre o empreendedorismo comum e o empreendedorismo social, como vimos anteriormente, a verdade é que os empreendedores raramente são motivados pela perspectiva de ganho financeiro, porque as chances de ganhar muito dinheiro são raras. Mais do que pelo lucro, os empreendedores são fortemente motivados pela oportunidade que identificam (MARTIN & OSBERG, 2007, 2015). Eles perseguem essa visão de oportunidade e obtêm recompensa psíquica no processo de realização de suas ideias. Independentemente de operarem em um mercado ou em um contexto sem fins lucrativos, raramente os empreendedores são totalmente recompensados pelo tempo, risco e esforço despendidos na atividade de empreender.

Comentários finais

Atividades empreendedoras são um excelente cenário para o desenvolvimento de competências e habilidades em vários âmbitos, além de oferecerem situações altamente propícias a práticas escolares interdisciplinares. Para benefícios mais significativos na esfera da aprendizagem para a vida, é necessário trabalhar as práticas relativas ao empreendedorismo de maneira mais consistente, dando a essa atividade na escola a seriedade que ela merece e que ela exigirá dos alunos em sua vida profissional, qualquer que seja sua escolha. Uma postura empreendedora está sempre relacionada ao desenvolvimento de qualidades socioafetivas e cognitivas desejáveis.

Saiba mais!

Referências bibliográficas:

FRANCO, Jheine Oliveira Bessa; GOUVÊA, Josiane Barbosa. A cronologia dos estudos sobre o empreendedorismo. Revista de empreendedorismo e gestão de pequenas empresas. V. 5, n. 3, 2016.

MARTIN, Roger; OSBERG, Sally.Social Entrepreneurship: The Case for Definition. Stanford Social Innovation Review, 2007.

_______.Two Keys to Sustainable Social Enterprise. Harvard Business Review, maio 2015.


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