"Ao longo do Ensino Fundamental – Anos Finais, os estudantes se deparam com desafios de maior complexidade, sobretudo devido à necessidade de se apropriarem das diferentes lógicas de organização dos conhecimentos relacionados às áreas. Tendo em vista essa maior especialização, é importante, nos vários componentes curriculares, retomar e ressignificar as aprendizagens do Ensino Fundamental – Anos Iniciais no contexto das diferentes áreas, visando ao aprofundamento e à ampliação de repertórios dos estudantes. Nesse sentido, também é importante fortalecer a autonomia desses adolescentes, oferecendo-lhes condições e ferramentas para acessar e interagir criticamente com diferentes conhecimentos e fontes de informação." (BNCC, 2018, p. 60)

Podcast

Ouça o podcast sobre os Anos Finais do Ensino Fundamental.


Linguagem e Ciência: vamos conversar?

Área(s): Linguagens.

Proporcionar aos alunos ações próprias para o desenvolvimento e a prática de gêneros textuais, valendo-se dos estudos e das aprendizagens sobre a doença depressão.

Componente(s): Língua Portuguesa
Quando:

Ao longo do ano letivo (entre dois e três meses).

Materiais:
  • materiais de uso comum (cadernos, canetas, lápis…);
  • materiais de apoio para exposições (cartolinas, papel sulfite, projetor multimídia);
  • softwares para a geração de gráficos, infográficos e apresentações (desejável);
  • câmera para gravação de vídeo (pode ser a de um smartphone);
  • gravador de voz (pode ser o do smartphone);
  • acesso à internet.
Habilidades trabalhadas: EF69LP06; EF69LP07; EF69LP08; EF69LP13; EF69LP14; EF69LP16; EF69LP29; EF69LP30; EF69LP32; EF69LP33; EF69LP35; EF69LP36; EF69LP37; EF69LP38; EF69LP39; EF69LP41; EF89LP08; EF89LP12; EF89LP13; EF89LP21; EF89LP24; EF89LP25; EF89LP27; EF89LP30; EF09LP04.
Escola: Escola Municipal Maria Dias Trindade, Paripiranga (BA).
Professor(a) responsável: José Souza dos Santos.

O que é:

O projeto “Linguagem e Ciência: vamos conversar?”, sugerido à turma do 9º ano, foi uma proposta de letramento e saúde.

Por meio dele, demos aos alunos a oportunidade de trabalharem com gêneros textuais, principalmente o infográfico.

A situação motivadora foram os diversos problemas de natureza emocional observados na escola e na comunidade, e relatados por alunos e professores que vivenciam essa realidade cotidianamente.

Nesse cenário, pensei em formas de ensinar Língua Portuguesa que utilizassem o texto e a realidade desses alunos. Concluí que seria necessário estimular os jovens a compreenderem o que o texto diz e significa.

Para isso, utilizei a oralidade (vozes dos alunos/sujeitos), a escrita (produção do gênero, mediada por uma rede de suporte) e, novamente, a oralidade (materializada no texto). E, assim, ao falarmos de depressão na escola e na comunidade, quebramos um tabu.

O projeto foi desenvolvido numa sequência de atividades: pesquisa em laboratório, pesquisa na comunidade, atividade diagnóstica, roda de conversa com psicólogo, estudo de caso, panfletagem em feira livre e na comunidade, gravação de curta-metragem e oficinas de organização de material para a exposição.

O projeto culminou com palestras intersetoriais, exposição de cartazes com produções dos alunos, com ênfase nos gêneros trabalhados, e o lançamento do curta-metragem “Diversos Tons de Vida”.

A metodologia observou os conhecimentos iniciais e finais dos alunos do 9º ano, a partir da adaptação de uma sequência didática proposta por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) para o trabalho com gêneros na escola.

O trabalho foi apoiado no processo de mediação de Vygotsky, com a apresentação de um modelo para a leitura e a escrita. A partir desse modelo, os alunos se apropriaram das práticas linguageiras associadas ao gênero em estudo, de modo a dominar a arquitetura textual, o contexto e as práticas sociais.

Como fazer:

Pensar no ensino, de modo a desenvolver habilidades e competências para autonomia e solidariedade, pressupõe trabalhar uma metodologia que priorize a necessidade dos alunos frente às suas ações.

É preciso colocá-los como sujeito das aprendizagens, para que evoluam e atuem conscientemente na sociedade, usufruindo seus direitos como cidadãos e ocupando espaços onde possam não só ouvir, mas também serem ouvidos.

Nesse sentido, o projeto propôs uma abordagem de letramento vinculada à saúde mental e emocional dos alunos.

Tornou-se comum alunos procurarem os professores para desabafar sobre casos de família e assuntos que os incomodavam.

Percebemos que esses jovens estavam sofrendo. A situação era realmente muito séria. Chegamos a caracterizar certas atitudes e expressões como quadros patológicos e indícios de depressão. Ouvimos, inclusive, histórias sobre alunos que haviam se mutilado.

Considerando que, na comunidade em que trabalhamos, o número de depressivos é alarmante, já era hora de atuarmos. Os alunos pediam socorro. As famílias, a escola e a comunidade, como um todo, precisavam de ajuda. E nós, como educadores, poderíamos e deveríamos fazer algo.

A turma que desenvolveu o projeto foi composta por 28 jovens, muitos deles com uma distorção entre a idade e o ano escolar.

Em vários desses alunos, detectamos dificuldades (de leitura, escrita e aprendizagem) oriundas de fatores familiares e de saúde (depressão). Alguns deles só estudavam por causa dos programas do governo federal.

A comunidade apresenta características próprias da região: uma economia estruturada na agricultura familiar, com o cultivo de milho, feijão e hortaliças; e, na pecuária, com a criação de animais de pequeno porte. Nela, temos também algumas mercearias, que buscam atender às necessidades básicas da população.

No campo social, grande parte dos moradores trabalha em suas terras. Outros ganham o sustento nas propriedades dos grandes produtores. Muitas famílias sobrevivem graças aos benefícios da Previdência Social e do Programa Bolsa Família.

Tínhamos uma questão de saúde social que deveria ser considerada e conteúdos curriculares que precisavam ser desenvolvidos.

Como trabalhar um tema como esse em Língua Portuguesa sem fugir do teor da linguagem?

Mas, logo, veio a resposta: a escola deve ensinar o que os alunos precisam aprender e, para isso, precisamos ouvi-los. Analisei a situação pelo olhar de educador e, logo, entendi que a interdisciplinaridade e a multimodalide ajudariam no cumprimento dos objetivos.

Nesse percurso, uni o útil ao agradável. Uma vez que a escrita e o conhecimento sobre a depressão precisavam avançar, valendo-se das circunstâncias, trabalhamos a patologia. Utilizamos, para isso, diferentes gêneros textuais, o que propiciou à turma desenvolver a escrita proficiente.

Inicialmente, foi feita uma atividade diagnóstica para apurar o que os alunos sabiam sobre a depressão, se conheciam algum caso e o que poderiam falar sobre o assunto.

Para isso, foi aplicada a dissertação, por ser um tipo de texto de expressão impessoal. Se eu solicitasse um relato, estaria induzindo os alunos a exporem suas histórias íntimas e possivelmente, expondo-os a constrangimentos.

Provavelmente, o resultado não seria o mesmo. Sendo assim, muitos alunos contaram, sim, suas histórias, mas de maneira impessoal.

A partir das manifestações escritas, percebi que eles sabiam muito sobre o assunto, pois convivem com familiares que enfrentam esse problema. Isso justificava o interesse da turma pelo projeto.

Com o diagnóstico, de certa forma, assustador, meu instinto solidário apareceu. Tanto as famílias quanto os jovens precisavam de ajuda. Percebi que havia mais casos de depressão diagnosticada do que realmente havíamos pensado.

Foi, então, que comecei a planejar as etapas do trabalho. A certeza de que estava no caminho certo fortificou minha convicção.

As fases de trabalho foram as seguintes:

Elencamos sugestões de atitudes ativas que poderiam ajudar na prevenção do problema. Foram direcionadas às possíveis vítimas e aos moradores da comunidade, ou seja, aos alunos e suas famílias.

Apropriando-me da metodologia do ensino híbrido, a “sala de aula invertida” (na qual o professor e os alunos ensinam e aprendem), lancei a proposta de trabalho e a sugestão para a realização de pesquisas em casa.

Na aula seguinte, promovi um debate sobre os produtos das pesquisas. Foi uma discussão muito boa. Além de esclarecer sobre o tema, o debate nos direcionou para formas de integrar a questão com os conteúdos da Língua Portuguesa.

Concordamos que trabalharíamos a saúde mental em diferentes gêneros textuais.

Procurei o apoio de uma psicóloga, que foi até a escola para, numa roda de conversa, falar e ouvir, esclarecer dúvidas e trazer informações. Por fim, tornou-se nossa parceira.

A roda de conversa foi fundamental, pois a turma enriqueceu o entendimento sobre a doença. Apesar do grande interesse pelo assunto, notei um certo retraimento dos alunos durante a abordagem à profissional.

Sendo assim, ela propôs questionamentos anônimos, escritos e postados numa caixinha, que foi passada entre os alunos.

Dessa forma, todos se sentiram à vontade para perguntas que não teriam coragem de fazer caso precisassem se identificar.

Depois da análise dessa atividade anônima, a psicóloga constatou ser possível que houvesse alunos – e até parentes – com depressão.

Na aula seguinte, levei relatos de casos para a análise dos alunos. Um deles era a história fictícia de um aluno e de um senhor de idade com depressão. A turma deveria identificar se a situação era de depressão ou de tristeza e, depois, ajudar os personagens.

Percebi que os alunos já demonstravam habilidades para identificar uma pessoa depressiva. Foi uma atividade produtiva, pois a turma aplicou os conceitos ouvidos da psicóloga para analisar os casos – uma experiência de argumentação e resolução de conflitos, na qual também pude avaliar a desenvoltura da escrita.

Na outra aula, uma aluna chamou atenção para uma fala da psicóloga. Ela havia dito que Paripiranga é um município com alto índice de suicídios decorrentes da depressão.

Para contextualizar, outra aluna conseguiu um relato de alguém da comunidade dizendo que, no século XIX, tinham acontecido muitas mortes na cidade.

Segundo esse relato, foram tantas mortes que os corpos tiveram de ser enterrados em valas comuns, até nos quintais das casas, pois não dava tempo de velar.

Durante essa atividade, acompanhei a oralidade argumentativa da turma e notei que ela precisava ser melhorada.

Com base nesse relato da aluna, propus à classe uma pesquisa aprofundada no laboratório de história da universidade local. Lá, consultamos jornais do século XIX e apuramos a verdade: Paripiranga passou por uma fase difícil, e aquelas mortes realmente aconteceram.

Descobrimos também a causa. Segundo os jornais, houve naquela época uma epidemia de “peste”, cólera. Junto com a historiadora do laboratório, imaginamos uma relação entre o grande número de pessoas depressivas e suicidas, atualmente, e o triste episódio do século XIX.

Com as pesquisas e os estudos de relatos, associamos os casos de depressão que assolavam a comunidade a fatores biológicos e, principalmente, a relações familiares. Isso se comprovou nos depoimentos dos próprios alunos.

As informações mexeram com o interesse e aguçaram a curiosidade da turma.

Chegou, então, a vez de conhecer a realidade da escola no que dizia respeito à depressão. O 9º ano se tornou agente proativo para ajudar a escola e a comunidade.

A turma montou um trabalho baseado no Teste de Ansiedade de Hamilton, com questões fechadas e anônimas, para aferir o grau de ansiedade das pessoas. O material foi adaptado e aplicado na escola toda – 158 alunos e professores.

As questões levaram os alunos a responderem “sim”, “não” ou “talvez” para questões relacionadas à ansiedade, que é um dos sintomas da depressão.

Apurados os resultados, tivemos 44,4 % de “sim”, e isso nos preocupou muito.

A última pergunta do teste foi: “Você tem boa relação com seus pais?”. Um aluno de 12 anos levantou e respondeu: “Não, eu vivo com minha irmã que só briga comigo, minha mãe morreu e meu pai me odeia”.

Percebemos que a escola gritava por socorro. Isso emocionou e comoveu o professor e a turma, e fortaleceu a coragem para abraçar essa causa e procurar apoio em outros setores.

ÁVILA FREIRE, M. et al. Escala Hamilton: estudo das características psicométricas em uma amostra do sul do Brasil. Scielo, Pelotas, out. 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/jbpsiq/v63n4/0047-2085-jbpsiq-63-4-0281.pdf. Acesso em: 5/12/2018.
1º Passo:

Depois de pesquisas e dias de análises, chegou a hora de agir e intervir. Dividimos a turma em duas equipes denominadas “G1 Proativos” e “G2 Proativos”. As equipes produziram infográficos com informações importantes sobre a depressão: causa, sintomas e tratamento.

Nessa atividade, trabalhamos dois tipos de infográficos: o simples, com mais textos escritos; e o complexo, com mais imagens.

Com a atividade, os alunos aprenderam sobre o poder de um texto informativo. Levei alguns infográficos como modelos, para que vissem a formatação e escolhessem o mais adequado.

Tive de intervir em alguns momentos para explicar por que certas imagens não entrariam no texto. Falei que, no infográfico, precisaria haver coerência entre o texto verbal e o não-verbal, já que ele carrega esses dois tipos textuais.

Cada aluno criou seu próprio texto. A atividade foi interessante pelo desafio apresentado, uma vez que o infográfico era um gênero novo para eles.

A produção do material foi justificada pela fala da psicóloga, que nos disse: “teremos menos mortes caso haja mais informações”.

Segundo ela, é a ausência de informações sobre a doença que afeta a comunidade. Ainda, segundo algumas entrevistas feitas pelos alunos, as pessoas não procuram ajuda por medo do preconceito, de serem chamadas de loucas. O que falta, na verdade, é um letramento de saúde sobre a depressão.

2º Passo:

As equipes proativas, de posse do material produzido, foram para a feira livre da cidade e para as comunidades entregar os panfletos e conversar com as pessoas sobre a doença.

Para a feira, foi levado o infográfico simples, pois se trata de um espaço frequentado por pessoas com níveis de escolaridade mais elevado.

Na comunidade, distribuímos o infográfico complexo, com mais imagens, para que fosse entendido por pessoas que, em sua maioria, não tiveram oportunidade de ir à escola.

3º Passo:

Na aula seguinte, promovemos uma discussão sobre a intervenção. Cada equipe contou o que havia ouvido das pessoas. A ação foi bem aceita e elogiada por todos.

O que mais chamou a atenção da turma foi a fala de uma senhora. Ao receber o informativo, ela disse, com ar de tristeza e os olhos cheios de lágrimas, que queria sair da depressão, mas que não sabia como. Era um pedido de socorro. A equipe prontamente a orientou para que lesse o material e procurasse ajuda médica.

Como produto final do projeto, sugeri a montagem de um filme de curta-metragem baseado em depoimentos reais de pessoas que superaram a depressão. Esses depoimentos seriam coletados pelos alunos.

Também faríamos uma revista virtual, contendo todo o conteúdo do projeto.

Esse material e o filme serviriam de suporte e apoio para outros projetos e também para pessoas interessadas em saber mais sobre o assunto. A turma ficou ainda mais entusiasmada. Os alunos se sentiram protagonistas das próprias ações.

Foi o momento de traçarmos metas para os produtos finais – o curta-metragem e a revista. Coloquei na lousa as duas opções para os alunos escolherem aquela com a qual se identificavam. A turma continuou dividida em duas equipes, uma produziria o filme e a outra, a revista.

O curta, intitulado “Diversos Tons de Vida”, é uma história de superação, baseado num depoimento real. Ele conta a história de uma menina órfã de mãe, odiada pelo pai, que a culpa pela morte da mãe, falecida no parto.

A proposta final, com a produção do curta-metragem, também foi a de criar o “Cinema Itinerante”, para a exibição do filme durante o ano letivo nas escolas municipais.

A mensagem leva à comunidade a informação de que a depressão pode ser controlada e que a vida tem diversos “tons”. Basta que a pessoa permita ser ajudada.

Como o curta e a revista digital seriam publicados num blog, os alunos tiveram tutorias explicativas para a criação do canal.

Com essas atividades, buscou-se investigar como as tecnologias digitais podem ser aplicadas à educação, contribuindo para os processos de aprendizagens voltados à renovação das competências e habilidades, até então tidas como próprias da escola.

O objetivo principal dessas produções foi desenvolver o letramento multimodal e ainda a escrita de roteiros do gênero sinopse, além de proporcionar o conhecimento das técnicas de produção de vídeos e da utilização de recursos multimídias, próprios desses novos letramentos.

Como a equipe da revista organizaria uma edição do material produzido, levei à sala de aula algumas revistas gráficas para que os alunos entendessem a estrutura e pudessem adaptá-la para o modelo eletrônico.

Fiz isso me apropriando do processo de mediação sugerido por Lev Vygotsky, que defende a ideia segundo a qual os professores devem apresentar no ensino de gênero um modelo para a leitura e a escrita.

A partir desse modelo, os alunos vão se apropriando das práticas linguageiras associadas ao gênero em estudo, de modo a dominar a arquitetura textual, o contexto e as práticas socais.

Chegou a hora do compartilhamento com o público dos resultados do trabalho, com o lançamento do curta-metragem e a apresentação da “ideia” da revista eletrônica. Os dias anteriores ao “Dia D” foram muito corridos para mim e os alunos, pois estávamos programando o evento.

Trabalhei com a turma mais um gênero: o convite para as apresentações, com elementos característicos, como dia, hora, local e as atrações.

Para o dia do evento, organizamos um painel de debates com três profissionais: um psicólogo, um historiador e um educador físico. Cada palestrante teve dez minutos para falar e cinco minutos para responder ao público, composto pela comunidade escolar e a comunidade em geral.

Foi um dia muito importante e reflexivo. Mostramos que a escola precisa de ajuda, e que, sozinha, não consegue resolver essa problemática.

Depois do painel de debates, fizemos o lançamento do vídeo. Os alunos também expuseram um painel mostrando, em gráficos, os gêneros trabalhados e os resultados das entrevistas. Aproveitamos a oportunidade e disponibilizamos atendimento psicológico para a comunidade e cadastramento de pessoas com indícios de depressão, para que passassem por atendimento na Assistência Social.

Tivemos também, com autorização dos entrevistados, depoimentos em vídeos de pessoas que conseguiram superar a depressão, e que hoje vivem uma vida normal. Uma aluna se comoveu e pediu a palavra, uma vez que ainda enfrentava a depressão.

O depoimento comoveu o público. Vimos lágrimas rolarem dos olhos das pessoas. Quando a aluna terminou de falar, os colegas e professores foram abraçá-la como forma de apoio. Tenho certeza de que, a partir do depoimento da estudante, as pessoas tratarão a depressão com mais paciência.

Dias depois do evento, fiz uma visita ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e ao Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) da cidade para saber como tinha sido a repercussão do nosso evento.

Fui informado de que, graças à nossa intervenção, o cadastramento e a procura por atendimento psicológico na região onde o projeto atuou tinham crescido cerca de 50%.

A metodologia do projeto observou os conhecimentos iniciais e finais dos sujeitos envolvidos, alunos do 9º ano, a partir da adaptação da sequência didática proposta por Dolz,Noverraz e Schneuwly (2004) para o trabalho com gêneros na escola.

Avaliar

Após o projeto, solicitei a produção de um texto com quase a mesma temática do início. Pude ver como eles desenvolveram a escrita, melhoraram no argumento, melhoraram na paragrafação.

Nem tudo aconteceu como planejado, mas isso era de se esperar, quando se considera um planejamento flexível, sendo construído de acordo com o interesse dos alunos e adaptável às situações necessárias.

É claro que muitos planos foram além do imaginado, como na produção da revista, que teve textos bem articulados e coerentes com as imagens.

Esse produto final não surpreendeu só a mim, mas à escola toda, pela organização e pelas informações bem distribuídas sobre a depressão e os conceitos linguísticos.

A construção e o desenvolvimento desse projeto se alinhou a duas competências da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

A Competência 4 norteou o desenvolvimento da linguagem oral, escrita e outros atos de comunicação, como símbolos associados aos infográficos e mais gêneros textuais.

Na medida em que avançavam nos estudos dirigidos, os jovens se expressavam e partilhavam informações, ideias, sentimentos e atitudes, agregando valor à escuta e conduzindo a um entendimento coletivo do problema

A materialização aconteceu a partir das pesquisas e conversas dos alunos com pessoas da localidade e profissionais de saúde, que apresentaram histórias de suas vidas, elencando dificuldades econômicas, culturais e sociais.

Buscamos, por meio da Competência 8, um levantamento mais aprofundado de dados que priorizassem a veracidade dos fatos, zelassem pelo cuidado na abordagem do tema e promovessem uma compreensão da diversidade humana, pelo estudo de um problema tão alarmante no município, a ponto de se ter alto índice de suicídios.

Desse modo, o trabalho despertou o interesse em ouvir mais sobre os casos (treinar a escutar) para auxiliar as pessoas do entorno a cuidarem da saúde física e emocional.

As sequências didáticas do projeto tiveram como suporte principal o infográfico, gênero textual constituído por uma rede de modalidades, como debates orais, cartazes, vídeos, textos argumentativos e panfletos.

A meta das ações envolveu o empoderamento estudantil, com uma ação social coletiva materializada na participação em debate com uma psicóloga sobre a depressão.

A proposta do projeto mostrou a importância da participação dos alunos na criação de estratégias, pela apropriação da multimodalidade e da prática de letramento.

O projeto buscou motivar os alunos pela temática (ansiedade/depressão) e também com atividades extras. Porém, os desafios propostos foram além do esperado.

Os alunos foram apresentados a gêneros textuais até então desconhecidos, como a linguagem dos infográficos, a produção jornalística (a revista e o questionário para entrevista), a dramaturgia (produção do curta-metragem) e a pesquisa em jornais antigos (para uma análise de registros sobre os casos de depressão no município), a oralidade e o contato com as comunidades (na entrega dos panfletos).

O projeto não terminou no ”Dia D”. A ideia pode continuar nas ações que chamamos de vertentes, como as rodas de conversas com professores no papel de mediadores.

Nelas, devem prevalecer algumas “regras de ouro”:

  • respeitar a hora da fala de cada um;
  • valer-se da ética e não divulgar os problemas dos colegas fora daquele ambiente;
  • repassar dicas de como conseguiu superar os supostos traumas;
  • ver o momento como uma autoajuda;
  • realizar leituras coletivas, inicialmente fábulas/parábolas.

A ideia é levar esse adolescente a ver que seu problema não é gigante, que existem pessoas em situação semelhante, e que elas estão superando as dificuldades. O simples gesto de ouvir o companheiro pode fazer uma diferença enorme na recuperação da autoestima.

Além do cinema itinerante, com a exibição do curta-metragem em outras escolas, temos também a nossa revista, meio para circular as ações proativas desenvolvidas no projeto e levar, de maneira dinâmica, informações à comunidade escolar.

Como desafios ainda não superados, temos a timidez do diálogo nas escolas e a falta de apoio de alguns colegas.

Para uma eventual replicação do projeto, o professor precisará adaptá-lo de acordo com a turma que escolher e buscar parcerias.

O projeto enfrentou diversos entraves – e que poderão surgir novamente nas tentativas de replicação. Dentre eles, destaco a falta de apoio do nosso próprio setor e a dificuldade em tratar o tema, que exige cautela nas intervenções em sala de aula ou fora dela.

SAIBA MAIS

  • Sobre o Teste de Ansiedade de Hamilton (o teste está em inglês): ÁVILA FREIRE, M. et al. Escala Hamilton: estudo das características psicométricas em uma amostra do sul do Brasil. Scielo, Pelotas, out. 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/jbpsiq/v63n4/0047-2085-jbpsiq-63-4-0281.pdf. Acesso em: 5/12/2018.
  • DOLZ, J. e SCHNEUWLY, B. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita. Elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). In_____ (orgs.): Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.
  • Curta-metragem “Diversos tons de vida”, produzido pelos alunos: https://youtu.be/M6Q_oSUWMPY Acesso em: 5/12/2018.
  • Making of das atividades realizadas pelos alunos:

    - Projeto ”Linguagem e Ciência: vamos conversar?” – Passo a passo em fotos: https://www.youtube.com/watch?v=t4EGzw8tMck&t=52s Acesso em: 5/12/2018.

    - Projeto ”Linguagem e Ciência: vamos conversar?" – Atividades proativas: panfletagem (feira livre e comunidades), entrevista, depoimento, atividade em sala: https://www.youtube.com/watch?v=YgSPyXiN-8I&t=4s Acesso em: 5/12/2018.