"Ao longo do Ensino Fundamental – Anos Finais, os estudantes se deparam com desafios de maior complexidade, sobretudo devido à necessidade de se apropriarem das diferentes lógicas de organização dos conhecimentos relacionados às áreas. Tendo em vista essa maior especialização, é importante, nos vários componentes curriculares, retomar e ressignificar as aprendizagens do Ensino Fundamental – Anos Iniciais no contexto das diferentes áreas, visando ao aprofundamento e à ampliação de repertórios dos estudantes. Nesse sentido, também é importante fortalecer a autonomia desses adolescentes, oferecendo-lhes condições e ferramentas para acessar e interagir criticamente com diferentes conhecimentos e fontes de informação." (BNCC, 2018, p. 60)

Podcast

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Literacia: da narrativa mitológica à transmidiática

Área(s): Linguagens.

Com esta prática buscou-se promover a aquisição e o desenvolvimento da prática da leitura por meio do estudo de narrativas míticas e de heróis, a fim de incentivar o letramento literário colaborativo mediado pelas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).

Componente(s): Língua Portuguesa.
Quando: O projeto pode ser realizado em qualquer momento do ano letivo.
Materiais:
  • narrativas míticas;
  • animes e mangás;
  • histórias em quadrinhos da DC Comis;
  • histórias em quadrinhos da Marvel Comics;
  • site Storybird;
Habilidades trabalhadas: EF69LP49; EF69LP51; EF67LP28; EF67LP30; EF67LP20; EF67LP21; EF67LP27; EF67LP32; EF69LP30; EF69LP49.
Escola: Escola Colégio de Aplicação Universidade Federal do Acre (UFAC), Rio Branco (AC).
Professor(a) responsável: Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifacio.

O que é:

Desde o início do ano letivo de 2018, percebi que o interesse de meus alunos pela tecnologia e as redes digitais era uma oportunidade para trabalhar mais a fundo o contato com a leitura e a literatura.

Assim, realizei uma atividade de sondagem, com o intuito de saber um pouco mais sobre as concepções e experiências de leitura desses jovens.

Nessa atividade, percebi que, apesar do reconhecimento da importância da leitura para a aprendizagem, muitos não tinham o hábito de ler por prazer.

A partir da inquietação de mostrar aos alunos as possibilidades de se tornarem leitores autônomos, elaboramos o planejamento do projeto. O nome Literacia identifica a capacidade de se compreender e usar a informação escrita, contida em vários suportes, a fim de desenvolver conhecimentos.

O planejamento contemplou a formação de um grupo de trabalho com vários apaixonados pela leitura, entre eles o pai de uma aluna.

As várias histórias, mesmo diferentes, compõem um único universo, mas cada uma é contada por meio de diferentes meios, de forma autônoma e complementar, constituindo uma única e grande narrativa.

Na segunda etapa do planejamento, estruturamos o roteiro das oficinas de mediação de leitura, com o objetivo de melhorar, por meio de atividades lúdicas, o desempenho dos alunos em relação ao letramento e à produção de textos escritos.

Na terceira etapa, organizamos as atividades que seriam utilizadas nas oficinas de produção de contos de aventura e narrativas míticas.

Nessa fase, planejamos as estratégias que seriam utilizadas nas oficinas com base no site Storybird, que os alunos utilizariam para escrever contos em colaboração. Testamos as várias possibilidades oferecidas pelo site, que oferece ao aluno a oportunidade de produzir histórias on-line com base nas leituras literárias compartilhadas nas aulas, além de viabilizar a ilustração e a criação de cenários para estimular a criatividade e a imaginação.

Definimos, em seguida, as ações da quarta etapa do trabalho, a realização da exposição literária.

Dessa forma, trabalhamos o planejamento com foco em ações que possibilitassem aos adolescentes a apropriação dos resultados conquistados, espelhando o crescimento deles com as habilidades trabalhadas.

Rota traçada, bússola na mão, estávamos prontos para o nosso percurso de viagem pela leitura.

Os alunos foram divididos nos quatro grandes grupos relacionados às temáticas da pesquisa sobre as narrativas de heróis. Foram eles:

1. “Mitos e heróis: da antiguidade ao mundo contemporâneo”;

2. “Heróis dos Animes e Mangás”;

3. “Heróis da DC Comics”;

4. “Heróis da Marvel Comics”.

Como resultado, os alunos vivenciariam práticas de leitura e escrita para conhecer melhor a literatura. Além disso, desenvolveriam estratégias de leitura para além da mera decodificação, descobrindo as especificidades do gênero narrativa mítica e de heróis.

Na produção textual, poderiam desenvolver procedimentos autorais, criando textos a partir de outros textos e desenvolvendo a habilidade de ler e “pensar” o mundo com autonomia.

Como fazer:

O projeto “Literacia: da narrativa mitológica à transmidiática” surgiu de um turbilhão de interrogações, sensações e diálogos com meus alunos do 7º ano do Ensino Fundamental, a partir do objetivo de promover a aquisição e o desenvolvimento da leitura por meio das narrativas míticas e de heróis. O objetivo era subsidiar o letramento literário colaborativo mediado pelas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).

O percurso de concepção e produção do projeto envolveu, em primeiro lugar, o desejo de vivenciar a leitura de uma maneira inovadora e inusitada. A ideia foi exatamente essa: aceitar o desafio, desafiar-se, descobrir-se.

Nem eu, nem meus alunos aceitávamos a ideia de que os jovens não leem. Concordamos que, conforme a sabedoria popular diz, todo mundo é um leitor, talvez não tenha ainda descoberto seu livro favorito.

O contexto de surgimento do projeto é marcado pelas experiências de leitura dos alunos, tendo como suporte os livros impressos e os textos multimodais que circulam nas novas mídias.

Este foi um excelente começo para que os alunos passassem a vivenciar a experiência com a leitura no contexto das aulas de Língua Portuguesa de modo mais significativo. Manter os jovens e adolescentes interessados na leitura foi nosso grande desafio.

É possível afirmar que, com o avanço da tecnologia, houve uma alteração drástica na educação e na forma de ensinar.

A revolução tecnológica trouxe a rápida divulgação da tecnologia digital, transformando o modo como os alunos experimentam o ambiente educacional e como os professores concebem o ensino.

Nessa dimensão, as oficinas do projeto foram estruturadas a partir dos temas propostos pelos alunos em seus percursos de leitura, fugindo do estudo baseado no esquema obra/autor.

Muitos questionamentos surgiram.

Como despertar meus alunos para uma experiência significativa de leitura?

Não aquela leitura escolarizada, revestida de obrigatoriedade e apatia, mas uma experiência verdadeiramente envolvente, instigante, que despertasse neles a beleza de ler e se conectar com o mundo do autor, com outro tempo, outros sujeitos.

Como vencer essa barreira que privava os alunos do prazer de ler espontaneamente um bom livro?

Estava, enfim, diante de um dos grandes desafios enfrentados pelos professores de língua materna: a formação de leitores literários.

Voltei à sala de aula com ainda mais questionamentos. Mas agora não me sentia mais perdida em meio a tantas indagações. Sabia que a resposta estava bem diante de mim. Meus alunos eram a resposta.

Aos poucos, foram elencando diversos livros (clássicos e contemporâneos) que diziam muito sobre eles e seu mundo. Alguns exemplos: “O pequeno Príncipe”, “Odisseia”, “Vinte Mil Léguas Submarinas”, “Volta ao Mundo em 80 dias”, “As Crônicas de Nárnia” e as aventuras dos personagens Harry Potter e Percy Jackson.

Além disso, os estudantes mencionaram, com especial empolgação, que adoravam ler histórias em quadrinhos da Marvel e da DC Comics e mangás, principalmente “Naruto”, “Dragon Ball” e “Pokémon”.

Diante de tantas ideias, surgiu a pergunta elucidativa: “Professora, por que nós não começamos essas leituras?”.

Antes de propor as atividades, realizamos um estudo bibliográfico inicial para subsidiar a discussão em torno do contexto da leitura no início do século XX, da constituição do perfil de leitor dos adolescentes pertencentes à geração Z e das bases teóricas para compor as estratégias de mediação de leitura pautadas no protagonismo juvenil.

Para esses adolescentes, a presença de um tablet, smartphone, notebook ou console é tão natural que se torna quase impossível imaginar a vida sem um desses dispositivos. Desse modo, tornam-se imprescindíveis as propostas de ensino de Literatura que incluam essas características das novas gerações, uma vez que os livros são descobertos num momento posterior ao contato com as mídias digitais.

Na primeira fase do projeto, lançamos aos alunos a proposta de estudar as narrativas, desde os mitos da antiguidade clássica até as narrativas transmidiáticas do século XXI. Combinamos que, nessa fase de levantamento de conhecimentos prévios, seria necessário conhecer o que os alunos já sabiam sobre a temática e quais eram suas concepções de leitura.

Para tanto, foi aplicado um questionário semiestruturado destinado a traçar o perfil de leitor dos alunos do 7º ano, totalizando 33 alunos. Na sequência, foi realizada a análise dos dados, elaborando-se um relatório.

De posse dessas informações, partimos para a segunda fase, com a realização das oficinas de mediação de leitura. O objetivo, nessa etapa, foi melhorar o desempenho dos alunos em relação ao letramento e à produção de textos escritos por meio de atividades lúdicas de incentivo à leitura.

A leitura no mundo contemporâneo foi tema importante nas oficinas introdutórias, sendo desenvolvida a partir de atividades lúdicas e de sensibilização.

No laboratório de informática, os alunos pesquisaram narrativas míticas e de heróis de diversas culturas, selecionando quatro temáticas para estudo em grupos: Mitos e heróis: da antiguidade ao mundo contemporâneo; Heróis dos animes e mangás; Heróis da DC Comis e Heróis da Marvel Comics.

O estudo dos mitos e heróis se baseou em Campbell (2007), para quem o mito constitui uma narrativa que ajuda a compreender o sentido da vida, os valores que carregamos enquanto humanidade.

Para esse trabalho inicial, voltamos ao que havia sido traçado como meta ainda no diagnóstico: ter uma experiência desafiadora de leitura. Para tanto, incluímos a discussão sobre leitura e modos de apropriação de um texto.

A leitura no mundo contemporâneo foi outro tema importante nessas oficinas introdutórias, sendo desenvolvida a partir de atividades lúdicas e de sensibilização para a leitura.

A prática de leitura e produção de contos e narrativas de aventura foi fundamental nessa etapa, contribuindo para ampliar o repertório pessoal e o prazer da leitura.

Buscamos ainda estimular a curiosidade, a criatividade, o interesse dos alunos em conhecer novos livros e novos autores de narrativas de heróis e contos, para que, lendo com compreensão, pudessem fazer inferências e se posicionar criticamente.

Na terceira fase, inserimos rodas de leitura e as oficinas de escrita criativa. Nelas, discutimos o que é a escrita criativa, possibilidades de esquemas para um texto narrativo, a constituição dos personagens, o espaço e o tempo e a tessitura do conflito que faz a história caminhar, além de exercícios práticos de escrita criativa e indicações de leitura.

Essas oficinas de produção de texto iniciaram com o levantamento dos conhecimentos dos alunos sobre mitos e heróis.

Na sequência, os jovens realizaram no laboratório de informática a escrita de narrativas baseadas nos mitos e heróis trabalhados, utilizando a ferramenta on-line de escrita colaborativa Storybird, que possibilita a produção de e-books gratuitos para compartilhamento em rede.

Essa ferramenta dá ao aluno a oportunidade de produzir histórias on-line com base nas leituras literárias compartilhadas nas aulas, além de permitir a ilustração e a criação de novos cenários que estimulem a criatividade e a imaginação.

Apesar de se engajarem nas atividades propostas, no momento da escrita criativa, surgiu a primeira dificuldade do projeto: os alunos dominavam a técnica de produção de texto proposta, mas tinham dificuldades ao criar as narrativas, com muitas dúvidas em relação a aspectos da análise linguística, como ortografia, pontuação e acentuação.

Nesses momentos, a crítica aos textos do outro se impôs sobre o processo criativo. Por isso, resolvemos trabalhar essas dificuldades aliadas ao respeito ao outro, chamando a atenção para o fato de que a escrita é sempre uma criação inacabada, que é feita de vários elementos.

Buscamos mostrar nas oficinas seguintes a importância da liberdade criativa, associada ao domínio dos momentos da narrativa (situação inicial, complicação, clímax, desfecho).

Focamos também nos aspectos formais do texto, que têm uma grande importância, pois são eles que possibilitarão a circulação e a compreensão das narrativas.

Notamos um aumento sensível no número de alunos que veem na leitura uma atividade prazerosa e mantêm por ela o interesse, independente da escola.

Após vários rascunhos, escritas e reescritas, os alunos ampliaram sua visão sobre as atividades de promoção da leitura e os livros diversos.

Além disso, notamos um aumento sensível no número de alunos que veem na leitura uma atividade prazerosa e mantêm por ela o interesse, independente da escola.

Durante as atividades, observamos o envolvimento dos alunos com o processo de produção das narrativas, ocasião em que revisitaram as leituras literárias vivenciadas anteriormente.

Ao criar novas histórias, os alunos exercitaram a escrita literária e também apreenderam as normas da Língua Portuguesa, principalmente aquelas sobre o uso dos discursos direto e indireto, além de aspectos da pontuação e da ortografia.

Ao final desse ciclo, partimos para a quarta fase do projeto, com a realização da exposição. Os alunos se dividiram nos quatro grandes grupos relacionados às temáticas da pesquisa sobre as narrativas de heróis.

Numa animação sem medida, produziram painéis, maquetes, cenários de cidades fictícias, como Gothan City, ou reais, como a Nova Iorque do Homem Aranha e dos Vingadores.

Criaram também os mapas do Acampamento Meio-Sangue, da saga Percy Jackson, e representações das figuras mitológicas gregas.

Enfim, nesse tecer literário, entre livros, filmes, animes e histórias em quadrinhos, os alunos atualizaram os mitos e os heróis, trazendo à discussão o papel deles para a formação e a discussão de valores humanos universais.

Esse momento foi fundamental para que nossos jovens apresentassem o resultado de seu trabalho aos demais alunos do Colégio. Durante os preparativos das apresentações orais, treinamos a adequação da linguagem aos diversos públicos que visitariam os trabalhos, a fim de que vivenciassem na prática os conhecimentos da oralidade estudados em sala. A exposição foi um sucesso!

Após os alunos compartilharem com a escola e divulgarem em suas redes sociais o brilhante trabalho que haviam realizado, vi em seus rostos um sorriso de quem é sujeito de sua própria aprendizagem.

Ao observar o percurso de leitura construído, percebi que havíamos começado um novo processo de experimentação da leitura. Um percurso em que tanto aluno quanto professor abrem mão de seus (pré)conceitos em relação à leitura e caminham de mãos dadas em direção ao novo, ao inusitado, ao encantamento.

Nessa interlocução, aluno e professor se transformam mutuamente, conectando-se por essa maravilhosa arte de contar e ouvir histórias.

SAIBA MAIS

O referencial teórico teve como base as concepções de gêneros discursivos de Mikhail Bakhthin (2003) e Schneuwly; Dolz (2004), além da noção de literatura como um direito indispensável de humanização de Antônio Candido (2004), Rildo Cosson (2007) e Antoine Compagnon (2009).

Para subsidiar o estudo do perfil leitor dos adolescentes pertencentes à Geração Z (nascidos entre 1990 e 2009), dialogamos com a obra “Homo Zappiens: educando na era digital”, de Wim Veen e Ben Vrakking (2009).

Além disso, dialogamos com as ideias de Henry Jenkins (2008) e sua concepção de narrativas transmidiáticas, constituídas de plataformas diferentes, possibilitando ao público uma interação com a obra que está sendo produzida.

No início do projeto, as ações tiveram como referência a metodologia da Pesquisa-Ação, de Michel Thiolent (2008), que define este tipo de investigação social como aquela associada a uma ação ou à resolução de um problema coletivo, no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.

O estudo dos mitos e heróis se baseou em Campbell (2007), para quem o mito constitui uma narrativa que ajuda a compreender o sentido da vida, os valores que carregamos enquanto humanidade.