"A dinâmica social contemporânea nacional e internacional, marcada especialmente pelas rápidas transformações decorrentes do desenvolvimento tecnológico, impõe desafios ao Ensino Médio. Para atender às necessidades de formação geral, indispensáveis ao exercício da cidadania e à inserção no mundo do trabalho, e responder à diversidade de expectativas dos jovens quanto à sua formação, a escola que acolhe as juventudes tem de estar comprometida com a educação integral dos estudantes e com a construção de seu projeto de vida." (BNCC, 2018, p. 464)

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Formação superior e carreira profissional

Competência 4 | Competência 7
Área(s): Linguagens, Ciências Humanas e Sociais

Esta prática se propôs a ampliar o debate acerca da formação superior e da atuação profissional e a promover a importância da função social e da ética no exercício das profissões.

Quando: Sem período específico.
Materiais: Computadores com acesso à internet.
Competências específicas:
LGG – Competência 7
CHS – Competência 4
Habilidades trabalhadas: EM13CHS401; EM13CHS404; EM13LGG703
Escola: Colégio Estadual Professor Pedro Gomes, Goiânia (GO).
Professor(a) responsável: Maria de Fatima Farias.

O que é:

Em 2017, assumi a regência de Química em turmas do Ensino Médio de uma das maiores escolas estaduais de Goiânia. Como professora recém-chegada, não conhecia os alunos. As primeiras aulas foram, portanto, destinadas ao diagnóstico dos conhecimentos relacionados aos conteúdos do currículo e dos interesses, das potencialidades e das necessidades dos estudantes.

Como parte desse processo de investigação, questionei os alunos sobre suas pretensões em relação ao futuro acadêmico e profissional. Chamou-me bastante atenção o fato de que, nas sete turmas, quase todos estudantes declararam ter interesse pelos cursos de Direito, Medicina e Engenharia. Dos quase 200 alunos, apenas três afirmaram interesse pelos cursos de História, Letras e Pedagogia.

A hipótese que me ocorreu foi que a preferência tivesse relação com o reconhecimento, a remuneração e o status atribuídos àquelas profissões. Por outro lado, o pouco interesse pelas áreas de licenciatura era, para mim, um reflexo da falta de prestígio dos professores e das professoras no Brasil.

As decisões quanto ao futuro profissional fazem parte, naturalmente, das preocupações dos alunos do Ensino Médio. Por sua importância na vida dos adolescentes, a escola se torna ambiente propício para o diálogo sobre o assunto.

A temática do projeto e seu vínculo com a atuação profissional me estimularam na oferta de orientação aos alunos e no estabelecimento de um diálogo sobre a função social das profissões, sua importância para o bem-estar coletivo e a ética no mundo do trabalho.

A execução do projeto demandou estudo e pesquisa para que as informações subsidiassem o confronto, o compartilhamento, a reelaboração e a articulação dos conhecimentos.

Esse processo viabilizou a construção de aprendizagens e o desenvolvimento da capacidade de estabelecer “sínteses e análises, abstrações e generalizações” (Hernández, 1998).

Como fazer:

O projeto ocorreu entre agosto e dezembro de 2018. Foi desenvolvido em etapas: diagnóstico inicial, fase de estudo, pesquisa e exposição de dados sobre o tema, apresentação de diferentes profissões na perspectiva dos profissionais das áreas e, por fim, a culminância.

O diagnóstico inicial serviu para identificar as expectativas e as necessidades de aprendizagem dos alunos relativas ao tema. Foi nessa etapa que percebi os anseios, as dúvidas e as incertezas dos estudantes.

A grande expectativa dos alunos em relação ao ingresso na universidade foi outro elemento que contribuiu para que o projeto ganhasse relevância pedagógica.

A meu ver, esse interesse tem origem, principalmente, no histórico de aprovações de nossos ex-alunos, inclusive em universidades federais. A escola, em função dessa característica, atrai alunos de várias regiões da cidade, todos em busca de um ensino que subsidie a preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

Foi feita, então, uma pesquisa inicial sobre as pretensões dos estudantes em relação à escolha do curso superior e ao futuro profissional. Ao serem questionados, 36% dos alunos declararam interesse pelo curso de Direito, 24% manifestaram o desejo pelo de Engenharia e 22% afirmaram querer Medicina, ou seja, 82% dos alunos estavam voltados para apenas três cursos.

A investigação sobre os conhecimentos prévios dos alunos a respeito do tema se deu também em rodas de conversa, momentos nos quais os estudantes puderam expressar suas dúvidas, opiniões e impressões.

Ao dialogar com os estudantes, percebi que a maioria não tinha ideia do que é estudado nos cursos pretendidos ou das possibilidades de atuação profissional.

Também ficou nítida a falta de conhecimento a respeito da estrutura dos cursos e das possibilidades de formação superior e atuação profissional. Nenhum dos meus alunos tinha o conhecimento de que só a Universidade Federal de Goiás (UFG), em Goiânia e na região metropolitana, oferece mais de 90 cursos em diversas áreas.

Os alunos trouxeram perguntas como:

  • “Que curso tenho que fazer para ser delegada?"
  • "Pediatria é muito concorrido?"
  • "Como funciona o mestrado e o doutorado?"
  • "Na UFG tem engenharia elétrica?"
  • "Pra ser juiz tem que ser advogado?"
  • "Qual a diferença entre psicólogo e psiquiatra?"
  • "História só serve pra dar aula?"

A partir desse diagnóstico, foi possível selecionar as informações, direcionar as discussões e planejar as atividades.

Num segundo momento, foi feita uma exposição sobre dados e informações a respeito de cursos e universidades, formas de ingresso, financiamento estudantil e modalidades de bolsas e de programas de incentivo à formação.

Para tanto, utilizei a metodologia de aula expositiva dialogada, com o recurso de projetor de slides. A fim de complementar o acervo de informações, orientei os alunos para a pesquisa pela internet. Ensinei-os ainda a buscarem informações nos sites das universidades.

Estimulei também o debate a respeito das questões sociais, econômicas e culturais relacionadas ao exercício das profissões, suscitando questões sobre os motivos da desvalorização de algumas profissões, o status atribuído a outras, a influência da mídia em nossas escolhas e percepções, a necessidade de formação continuada e a importância e a função social de cada profissão.

A fase de apresentação exigiu esforço para que tivéssemos a participação de um profissional diferente a cada semana.

O contato com os alunos foi por meio de palestras. Os convidados abordaram questões relacionadas à formação superior e à atuação profissional. Ao final, sempre ocorria uma entrevista para que os alunos esclarecessem dúvidas.

Isso aconteceu durante oito semanas seguidas, com a presença de profissionais das áreas de Psicologia, Biomedicina, Comunicação Social (Publicidade e Propaganda), Arquitetura, Direito, Medicina, Administração de Empresas e Fonoaudiologia.

Para ampliar os conhecimentos dos alunos sobre formas de acesso e financiamento universitário, fizemos estudos e pesquisas em sites de busca, de universidades, do Ministério da Educação e de instituições não governamentais. Houve também a distribuição de catálogos, folhetos, jornais e revistas.

A culminância do projeto se deu a partir de um vídeo com depoimento dos alunos sobre sua participação no projeto e o impacto das atividades em sua percepção sobre o tema, com destaque para a informação sobre se o projeto tinha ajudado na formação e na escolha do curso superior.

A avaliação é, muitas vezes, confundida com prova, teste e nota. Essa é uma visão tradicional dos processos educativos. Está associada a meios de aprendizagem mecânicos e unilaterais, baseados na memorização e na repetição.

As concepções de homem, sociedade e conhecimento determinam a concepção avaliativa. Alguém que conceba o ser humano como pronto e acabado, que tenha uma compreensão determinista sobre os processos sociais e que entenda o conhecimento como verdade absoluta, verá, muito provavelmente, na avaliação, uma possibilidade de certificação e controle.

Por outro lado, uma visão mais dialética implica enxergar a avaliação como “mecanismo potencializador da aprendizagem” (Esteban, 2002).

A avaliação, nessa lógica, é elemento constitutivo da prática pedagógica e se dá no decorrer do processo educativo. Tem como objetivo oferecer evidências para as reflexões e mediações necessárias ao favorecimento do ensino e da aprendizagem.

Um projeto como este não poderia se pautar por uma concepção avaliativa que não fosse processual, diagnóstica, descritiva, contínua e qualitativa.

Uma das principais necessidades de aprendizagem identificada no diagnóstico foi a ampliação da percepção sobre as possibilidades de escolha do curso superior.

Antes do projeto, como foi dito, os cursos de Medicina, Direto e Engenharia eram a preferência de 82% dos alunos. Ao final, representavam a opção de apenas 33% dos estudantes.

Outro dado que, inicialmente, havia chamado atenção era a baixíssima alusão aos cursos de licenciatura e Pedagogia, com 1,5% das escolhas. Com a evolução do projeto, a escolha por esses cursos alcançou 23% dos alunos.

Surgiram também referências a outros cursos, como Arte, Nutrição, Fisioterapia, Geografia, Educação Física, Contabilidade, Comunicação Social, Biomedicina, Biologia e Administração de Empresas. Esses nomes não haviam sido mencionados no diagnóstico inicial.

A falta de conhecimento quanto ao currículo e à estrutura dos cursos foi sendo superada no decorrer do projeto.

Como exemplo, recordo da pergunta de uma aluna, ainda na fase de diagnóstico, sobre a concorrência no "curso de pediatria". Ela não sabia que a pediatria é uma especialidade da medicina e não uma opção de curso superior.

Mais adiante, na palestra realizada por um médico, a mesma aluna fez diversas perguntas sobre a residência em pediatria: "Como é a seleção?"; "Quanto tempo dura?"; "Quanto custa?"; "Acontece no hospital ou na faculdade?". Esses questionamentos evidenciaram a ampliação de seu conhecimento.

Em diversos momentos do projeto, foram feitas discussões sobre a necessidade de formação continuada na atuação profissional. Ficou claro para os estudantes que os cursos de pós-graduação servem não apenas à carreira acadêmica, mas também configuram uma forma de aperfeiçoamento profissional.

A ética no exercício profissional foi um tema recorrente em todas as palestras e entrevistas, com a apresentação de diversas situações e experiências vividas pelos convidados em suas carreiras.

O contato com essas experiências e a mediação promovida nas discussões ajudaram a construir nos alunos uma visão crítica sobre a ética no exercício profissional. Isso ficou evidenciado em dois momentos do projeto.

O primeiro ocorreu após a palestra de um médico, que fez referências ao salário de sua profissão. Ele contou que, no primeiro mês de formado, já recebia R$ 13.000,00 de salário. O irmão, que se formou três anos depois, "só" recebeu R$ 8.500,00 no mês inicial como médico.

Ele relacionou essa "baixa" salarial com o aumento na oferta de cursos de Medicina, transparecendo uma visão elitista da profissão. Além disso, fez várias comparações entre o salário de um médico e o de astros da TV e dos esportes.

Nos dias seguintes, vários alunos me procuraram relatando uma certa decepção com a palestra do médico, uma das mais aguardadas pelos jovens, dizendo coisas do tipo: "Professora, ele deu aula foi de contabilidade pra gente"; "Nossa, professora, esse médico só pensa em dinheiro! Acho que quando ele atende um paciente vê uma cifra na cara da pessoa".

O segundo momento deixou clara a formação de uma consciência crítica, humana e solidária. Ocorreu na palestra de uma fonoaudióloga. Na conversa, ela expôs a seguinte situação aos estudantes:

"Imaginem que sua mãe está bastante debilitada, se alimentando por sonda e que depende do trabalho de um fonoaudiólogo para restabelecer, minimamente, a capacidade de deglutição para não morrer asfixiada com a própria saliva. Imaginem que a vida da sua mãe, um ente tão querido, dependa do meu trabalho. Você pagaria qualquer valor para salvar sua mãe, não é?".

Naquele momento, alunos se viraram em minha direção como se quisessem dizer: “E, agora, você não vai falar nada?”.

Eu entendi que aqueles olhares cobravam de mim um posicionamento. Sem ser deselegante com a convidada, mas ao mesmo tempo fazendo um contraponto àquela fala, eu disse apenas: "Mas você não cobraria qualquer valor, pois, afinal, trata-se de uma vida e não apenas de uma transação comercial, não é mesmo?".

Percebi claramente a aprovação e até um certo alívio nas expressões dos estudantes. Após a palestra, alguns comentaram que tinham ficado chocados com o exemplo dado pela fonoaudióloga.

A função social das profissões foi outro assunto sempre presente nas discussões. Os alunos compreenderam que todas elas têm a sua importância para a manutenção do bem-estar social. Perceberam que o status é uma condição construída e que a desvalorização de determinadas profissões é injusta e perversa.

Isso pôde ser observado em falas de estudantes como "Todas as profissões são importantes para o bem das pessoas"; "É injusto um médico ganhar tão mais do que um professor, porque sem o professor não teria o médico"; "Cada profissão tem sua função para o bem coletivo".

Por tudo isso, acredito que o projeto tenha cumprido a função de promover aprendizagens e vivências para a ampliação da percepção dos estudantes sobre a escolha do curso superior, suas implicações na atuação profissional e as perspectivas do mercado de trabalho.

A metodologia e as atividades propostas contribuíram de forma significativa para o alcance dos objetivos, uma vez que possibilitaram um ambiente favorável à reflexão, ao questionamento e ao diálogo.

A observação das falas e atitudes demonstra que os alunos desenvolveram a capacidade de análise crítica, identificando as possibilidades e os desafios inerentes à formação acadêmica e à atuação profissional.

Numa possível reedição do projeto, pretendo acrescentar às atividades uma feira das profissões para incentivar o protagonismo e a autonomia.

Nessa atividade, os alunos poderão compartilhar com a comunidade escolar, de forma sistematizada, planejada e organizada, o resultado das aprendizagens e das vivências experienciadas durante o projeto.

Por fim, saliento que conduzir esse projeto foi uma enorme satisfação profissional. Poder, de alguma forma, contribuir com a formação humana desses alunos foi enriquecedor e gratificante, na expectativa de ter colaborado para a formação de profissionais mais éticos, humanos, solidários e conscientes de sua função social.

Saiba mais

Esse projeto pode ser reproduzido em outras escolas e por outros professores.Por suas características, talvez ele tenha mais relevância para turmas do Ensino Médio,mas acredito ser viável também sua realização nos anos finais do Ensino Fundamental.

Promover esse tipo de discussão, principalmente na escola pública, é uma possibilidade enriquecimento curricular para além dos conteúdos formais e de contribuição com uma formação integral dos estudantes.

A principal condição para a realização do projeto é a disposição do professor. É necessário ver sentido e significado nas práticas, para que elas sejam significativas e tenham resultados positivos.

Acreditar no potencial dos alunos e em seu direito a uma educação crítica, reflexiva e humanizadora também é requisito indispensável.

Além disso, é imprescindível haver um planejamento adequado. Mesmo que a escola não conte com uma grande diversidade de espaços físicos e recursos materiais e tecnológicos, é possível adaptar o projeto ao ambiente da sala de aula.

A maior dificuldade na condução do projeto é a presença voluntária dos profissionais para a realização das palestras e entrevistas, já que é preciso conciliar as agendas com a dinâmica escolar.

É de se esperar que os alunos que participem da experiência tenham sua capacidade de análise e escolha potencializada.

O contato com experiências e pontos de vistas diferentes subsidia a ampliação da percepção da realidade e auxilia no processo de construção de identidade.

O debate, o confronto com opiniões diversas e a reflexão auxiliam na construção da autonomia e do autoconhecimento. Os alunos se tornam mais aptos e empoderados em suas escolhas, o que tem reflexos positivos em suas vidas, principalmente nos aspectos acadêmico e profissional.

A formação de uma consciência crítica, capaz de perceber as nuances sociais e éticas relacionadas ao exercício das profissões, é talvez a contribuição mais importante desse projeto na formação humana dos estudantes.

Referências Bibliográficas

ESTEBAN, Maria Tereza. Pedagogia de projetos: entrelaçando o ensinar, o aprender e o avaliar à democratização do cotidiano escolar. In: SILVA, J. F.; HOFFMANN, J.; ESTEBAN, M. T. (orgs.). Práticas avaliativas e aprendizagens significativas: em diferentes áreas do currículo. 3. ed. Porto Alegre: Mediação, 2004.

HERNÁNDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: ArtMed, 1998. Tradução de Jussara Haubert Rodrigues.


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