"A dinâmica social contemporânea nacional e internacional, marcada especialmente pelas rápidas transformações decorrentes do desenvolvimento tecnológico, impõe desafios ao Ensino Médio. Para atender às necessidades de formação geral, indispensáveis ao exercício da cidadania e à inserção no mundo do trabalho, e responder à diversidade de expectativas dos jovens quanto à sua formação, a escola que acolhe as juventudes tem de estar comprometida com a educação integral dos estudantes e com a construção de seu projeto de vida." (BNCC, 2018, p. 464)

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Crônicas digitais: a multimodalidade na escolarização da literatura

Competência 1 | Competência 6 | Competência 7
Área(s): Linguagens.

Esta prática teve como objetivos incentivar a formação do leitor literário, desenvolver a sensibilidade do olhar para os fatos do cotidiano e o contato com a leitura e produção de crônica digital. Além disso, favorecer o desenvolvimento de estratégias de leitura de imagens e reconhecimento da fotografia como forma de registro e sua relação com literatura.

Quando:

Qualquer época do ano.

Materiais:
  • repertório de crônicas da literatura escrita em Mato Grosso;
  • imagens da obra "Grande Sertão Veredas Brasil", de Lester Scalon.
Competências específicas:

LGG – Competência 1; Competência 6; Competência 7

Habilidades trabalhadas:

EM13LGG103; EM13LGG104; EM13LGG105; EM13LGG601; EM13LGG60; EM13LGG603; EM13LGG701; EM13LGG703; EM13LP51; EM13LP54,

Professor(a) responsável:

Nilze Maria Malaguti.

Escola:

EE São Francisco de Assis, Aripuanã (MT).

O que é:

Este trabalho consiste no relato de uma experiência voltada à sistematização de mecanismos favorecedores da leitura do texto literário e da produção de crônicas digitais.

O aporte teórico-metodológico foi fundamentado em Cosson (2006), para a promoção do letramento literário, e no método de sequência didática, esquematizado por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004).

Crônicas literárias escritas em Mato Grosso e imagens da obra "Grande Sertão Veredas Brasil”, do artista Lester Scalon, serviram para estabelecer a relação entre as sensibilidades do fotógrafo e do cronista na representação da paisagem, da vida e dos fatos corriqueiros.

Dinâmicas de leitura e produção auxiliaram os alunos a reconhecer os elementos comuns da crônica, bem como os recursos utilizados para trazer à tona sons, imagens, gostos, aromas e sentidos.

Como fazer:

O movimento para o trabalho com uma sequência didática, de acordo com Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), vai do complexo para o simples. Ou seja, da produção inicial aos módulos, a fim de desenvolver capacidades necessárias ao domínio de um gênero, até a produção final.

Parti das crônicas de Vera Randazzo para direcionar a produção inicial. Nessa etapa, desenhei os aspectos que deveriam ser articulados nos demais módulos da sequência didática para a formação de leitores com repertório e capazes de responderem às situações diversas de comunicação.

Direcionei as atividades para aquilo que Colomer (2007) aponta como tarefa do professor: “oferecer informações imprescindíveis para o aprendiz entender determinados aspectos obscuros e chamar a atenção sobre outros que suscitem interrogações ou estimulem interpretações mais complexas”.

Assim, utilizei estratégias de leitura pré-textual, textual e pós-textual, com levantamento de hipóteses, interrupções para questionamentos, desafios para intervenções no final das narrativas, análise da linguagem empregada e das situações descritas.

Todas as atividades foram permeadas por muitas conversas e discussões, a fim de explorar os sentidos do texto (quanto às características linguísticas e estruturais) e as funções sociocomunicativas.

As dinâmicas de produção foram direcionadas para que auxiliassem os alunos a reconhecerem os elementos comuns de uma narrativa e os recursos utilizados pelos autores, principalmente as metáforas, trazendo à tona sons, imagens, gostos e aromas, todos eles sentidos de uso pela linguagem literária.

Num dos módulos, levei para a sala de aula o livro de fotografias "Grande Sertão Veredas Brasil", homenagem do artista Lester Scalon ao mestre Guimarães Rosa. Fiz isso para estabelecer a relação entre a sensibilidade do fotógrafo e o olhar do cronista na representação da paisagem, da vida e dos acontecimentos.

Conversando, os alunos perceberam como, nas imagens e na escrita, ficava expressa a valorização dos fatos corriqueiros e dos elementos naturais.

Na produção final, o celular foi utilizado para fotografar, gravar e transformar a produção escrita em outro formato de texto, resultando em crônicas digitais.

Procurei, com isso, construir caminhos alternativos, na tentativa de superar práticas usualmente empregadas em sala de aula para o ensino da literatura e a formação do leitor.

A leitura das crônicas de Vera Randazzo perpassou todos os módulos, associada a atividades voltadas à caracterização e ao funcionamento do gênero.

A fim de exemplificar os procedimentos adotados, descrevo a seguir as diferentes etapas e as estratégias selecionadas para alcançar os objetivos:

Etapa 1 – Apresentação da Situação:

  • leitura da crônica "Casas Gentes", de Vera Randazzo, seguida de conversa e discussões para identificar os elementos constitutivos do gênero;
  • leitura dos textos "A Última Crônica" e "O Homem Nu", de Fernando Sabino, para contextualizações;
  • conversas sobre fatos e elementos do cotidiano inspiradores para os cronistas.

Etapa 2 – Produção de uma Crônica:

  • produção da primeira versão da crônica.

Etapa 3 – Primeiro Módulo:

  • leitura da crônica "O Pão", de Vera Randazzo;
  • oficina de análise da linguagem empregada pela autora e descrição de gostos, aromas, sensações, sentimentos;
  • produção de nova versão, ao final, da crônica "A Casa do Passado, de Vera Randazzo.

Etapa 4 – Segundo Módulo:

  • leitura da crônica "A Minha Goiabeira", de Vera Randazzo, com análise dos recursos estilísticos empregados;
  • atividade para identificar o tom, o foco narrativo, a situação do cotidiano retratada e as metáforas utilizadas para a marcação do tempo e do espaço na narrativa e a caracterização da linguagem poética.

Etapa 5 – Terceiro Módulo:

  • leitura da crônica "Adeus Mangueira", de Vera Randazzo;
  • apreciação de imagens da obra "Grande Sertão Veredas Brasil", de Lester Scalon;
  • leitura e análise da linguagem literária presente na narrativa da crônica "Murmúrios do Rio Cuiabá", de Vera Randazzo;
  • criação de diálogos entre o Rio Cuiabá, personagem da narrativa, com o Rio Aripuanã;
  • realização de roda de leitura.

Etapa 6 – Produção Final:

  • retomada e aperfeiçoamento das primeiras produções;
  • uso do celular para fotografar;
  • uso de aplicativo "Made with Video Show", para seleção de imagens e gravação das crônicas.

O passo inicial de esquematização das ações foi a primeira produção dos alunos. A partir dela, circunscrevi as potencialidades desenvolvidas, definindo três categorias de atividades, conforme sugerem Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004).

Nessa categoria, foram desenvolvidas, primeiramente, atividades de previsão do final da crônica "A Casa do Passado", o que requereu dos alunos interferência na narrativa e a modificação da ficção com base em projeções pessoais.

Parti dos princípios postulados por Rouxel (2013, p. 35), segundo a qual “o leitor produz atividades de complemento do texto ao imaginar um antes, um depois e um durante no desenvolvimento da intriga, experiência que o transporta a um universo e oferece oportunidade extraordinária para a abertura da alteridade e exploração da própria identidade”.

Ou seja, ao participar da narrativa, o leitor transporta para a escrita as relações com aquilo que a leitura lhe trouxe como significado de outros textos já lidos, o presente ou o passado vivido, além da atividade fantasmática.

Propus aos alunos que descrevessem gostos, aromas e sentimentos capazes de expressar sensações provocadas por uma bela manhã de domingo, um final de tarde, um bolo assando, uma sobremesa ou amanhecer.

A atividade, que foi sugerida após a leitura da crônica "O Pão", buscou fazer com que os alunos compreendessem os sentidos que podem ser construídos pela linguagem literária.

O aguçamento dos sentidos despertado pela atividade facilitou a aproximação com os textos. Os alunos passaram a compreender o caráter artístico e estético da linguagem literária.

Em outra atividade, a aproximação se deu com a releitura da crônica "Murmúrios do Rio Cuiabá", que propiciou aos alunos se tornarem narradores na criação de um diálogo entre o Rio Aripuanã e o personagem da crônica, que lamentava a perda de um passado majestoso após ter sido esquecido pelos filhos.

As tarefas de fotografar, editar imagens e associá-las à escrita e ao contexto de produção para gerar a crônica digital não foram utilizadas apenas para atrair os alunos à aula ou para contemplar os gêneros emergentes das novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Elas foram usadas, acima de tudo, em favor da criação de práticas capazes de transformar os alunos em criadores de textos e de sentidos.

As atividades incluíram a contextualização da biografia do autor (época em que o livro foi escrito e aspectos materiais da obra), as primeiras impressões e expectativas em relação aos textos escritos em Mato Grosso e a imersão nas narrativas, a fim de descobrir como foram construídas.

Recursos expressivos utilizados na construção da linguagem literária foram destacados durante as leituras, a fim de auxiliar os alunos para que alcançassem níveis mais elaborados de compreensão e, consequentemente, de construção dos sentidos do texto.

Nesse propósito, após as leituras, eu fazia questionamentos para prender a atenção dos alunos e solicitava a análise de expressões como “sementinha minúscula”, “goiabeira menina” e “goiabeira mulher”, empregadas na crônica "A Minha Goiabeira".

Foi somente a partir dos questionamentos que os alunos passaram a relacionar, no caso dessa narrativa, o ciclo de vida de uma goiabeira com o ciclo da vida da autora.

Na passagem “Soltou o sabiá um gorjeio gentil e a tarde era tão linda e tinha chovido de pouco e tudo estava tão calmo que logo vi que a goiabeirinha estava se transformando numa goiabeira-moça”, os alunos a relacionaram ao aflorar da sexualidade da mulher com o desejo que ela começava a despertar nos homens.

A compreensão dos sentidos os envolveu de tal forma que, com base nessa análise, começaram a perceber a riqueza e as possibilidades da linguagem literária. Como alguns afirmaram: “Nada disso foi percebido na primeira leitura”.

Cosson (2006) considera que “o trabalho com o letramento literário, como construção literária dos sentidos”, acontece quando indagamos sobre questões que auxiliam no desvelamento das informações do texto. Isso ocorre porque o leitor só vivencia o texto quando a ele responde. Assim, ao responder, passa a ser também um produtor.

Tanto para o autor como para Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), esse trabalho é feito “ao longo das sequências didáticas e no momento da elaboração da produção de um texto”.

Assim, a tarefa de falar sobre eles, comentá-los, criticá-los, melhorá-los foi realizada neste trabalho, garantindo aos alunos avanços nos níveis de leitura, interpretação e produção.

Saiba mais

Para acompanhar o apoio teórico usado pela autora do projeto, o professor poderá fazer a leitura do livro "Letramento Literário: teoria e prática", de Rildo Cosson, especialmente o capítulo "Sequências Didáticas para o Oral e a Escrita: apresentação de um procedimento".

A seguir, algumas referências para apoio teórico:

- COSSON, R. Letramento literário – teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006; e

- DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. (Orgs.). Gêneros orais e escritos na escola. Tradução de Roxane Rojo e Glais Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras, 2004.

Para conhecer outras propostas de sequências didáticas com base nos pesquisadores citados, consulte:

- BARBOSA, Jacqueline Peixoto (Org.). Nome da obra. Cidade: FTD, ano. (Trabalhando com os gêneros do discurso).