"A dinâmica social contemporânea nacional e internacional, marcada especialmente pelas rápidas transformações decorrentes do desenvolvimento tecnológico, impõe desafios ao Ensino Médio. Para atender às necessidades de formação geral, indispensáveis ao exercício da cidadania e à inserção no mundo do trabalho, e responder à diversidade de expectativas dos jovens quanto à sua formação, a escola que acolhe as juventudes tem de estar comprometida com a educação integral dos estudantes e com a construção de seu projeto de vida." (BNCC, 2018, p. 464)

Podcast

Ouça o podcast sobre o Ensino Médio.


Terra Firme: juventude periférica – do extermínio ao protagonismo!

Competência 1 | Competência 5 | Competência 6
Área(s): Ciências Humanas e Sociais.

Proporcionar o reconhecimento e a valorização da identidade sociocultural afro-indígena ribeirinha da juventude periférica do bairro da Terra Firme, na cidade de Belém (PA).

Quando: Durante o ano letivo.
Materiais:
  • filmes;
  • livros.
Competências específicas:
LGG – Competência1; Competência 6
CHS – Competência 1; Competência 5; Competência 6
Habilidades trabalhadas: EM13LP03; EM13LP24; EM13LP45; EM13LP46; EM13LP52; EM13CHS104; EM13CHS502; EM13CHS605; EM13LGG602; EM13LGG60
Professor(a) responsável:

Lilia Cristiane Barbosa de Melo.

Escola:

EEEIFM Brigadeiro Fontenelle, Belém (PA).

O que é:

A Escola Brigadeiro Fontenelle está localizada na Terra Firme, um dos bairros mais populosos e violentos da região metropolitana de Belém. Considerado como zona vermelha, é palco de constantes disputas de poder entre traficantes, policiais e milicianos, fazendo a comunidade de refém. A maior vítima é a juventude negra periférica.

Andando na contramão dos ataques de extermínio, essa mesma juventude marcada para morrer fortalece uma cultura de resistência e enfrentamento, atuando produtivamente, na ausência de políticas públicas, para a ocupação das ruas do bairro, por meio de atividades de cultura, arte e lazer.

Como fazer:

Em todas as minhas aulas, eu reservava um momento para uma sondagem oral sobre como a turma se identificava em meio ao contexto socioeconômico e político.

Geralmente, os alunos que desenvolviam algum trabalho coletivo com arte e cultura eram os que mais se manifestavam, falando, por exemplo, sobre suas participações em coletivos de teatro ou grupos de dança.

Eu aproveitava essas afirmações para provocar reflexões. Usava perguntas como: “O teatro pode mudar realidades?”; “Seria possível intervir positivamente na comunidade com a dança?”; “Quem toparia unir esses talentos?”; “Enquanto alguns compõem a letra, a poesia, outros dançam?”; “Vamos apresentar tudo isso para mais pessoas em pontos estratégicos do bairro?”; “Quem pode chamar mais gente?”.

De imediato, essa estratégia fazia com que os alunos se envolvessem e apresentassem suas ideias aos colegas. Isso ocorreu em todas as minhas turmas de Ensino Médio, despertando, em mim, a necessidade de interagir com professores de outras disciplinas. Foi quando decidimos realizar os seminários de apresentação dos coletivos do bairro.

Cada turma deveria escolher um coletivo, visitá-lo, entender a importância de sua atuação, gravar um vídeo e apresentá-lo num seminário.

Após as apresentações, as equipes assumiram a responsabilidade de divulgar esses coletivos nas redes sociais.

Embora muitos alunos fizessem parte de coletivos do bairro, eu ainda não sentia, em suas falas, esse senso de pertencimento. Era somente mais uma atividade da disciplina de Língua Portuguesa para ser cumprida.

Fiz, então, um levantamento de materiais sobre mudanças acontecidas em bairros periféricos de outros estados a partir de ações coletivas.

Tivemos informações sobre projetos desenvolvidos em São Paulo ("Cooperifa", de Sérgio Vaz), na Bahia ("Blacktude", de Nelson Maca) e no Rio de Janeiro ("Proceder", de Mano Teko).

Pelas redes sociais, os jovens entraram em contato direto com esses poetas. Analisamos poesias, letras de música e videoclipes produzidos por eles.

span data-toggle="tooltip" data-placement="top" title='MACA, Nelson. Gramática da ira. Salvador: Blackitude, 2015.'>"A Gramática da Ira", livro de poesias de Nelson Maca, foi lançado no Pará em setembro de 2015, logo depois de uma grande chacina ocorrida em nosso bairro.

Naquele momento, os alunos já tinham um envolvimento grande com o coletivo "Casa Preta", em oficinas de tambor realizadas nos fins de semana na escola. O coletivo atua na valorização da identidade afro e, na época, fez o convite para que o autor do livro visitasse a nossa escola.

Pelas redes sociais, os jovens entraram em contato direto com esses poetas. Analisamos poesias, letras de música e videoclipes produzidos por eles.

Com Mano Teko não foi muito diferente. Embora não o conhecessem pessoalmente, os alunos participaram de várias lives com o cantor. Tiveram ainda a experiência de montar uma coreografia com a letra de “Quilombo, Favela, Rua”, quase concomitantemente ao lançamento do videoclipe da música.

Essa metodologia de trabalhar, a partir de contato com os autores das obras estudadas, fez com que muitos alunos desmistificassem o ato criativo. Assim, formaram-se grupos de estudos, que passaram a atuar em diferentes expressões: teatro, dança, rimas etc.

Com o estudo aprofundado dos projetos de outros estados e com o acompanhamento dos saraus da Cooperifa, os grupos de estudo entraram em contato com poetas e poetisas do bairro, com quem fizeram rodas de bate-papo.

Foi articulado um primeiro minissarau. A escola ficou completamente ornamentada com poesias e letras de músicas. Detalhe: muitas delas eram de autoria dos próprios estudantes.

Os alunos já tinham, então, senso de pertencimento. Suas ações eram constantes, dentro e fora da escola. Passaram a interagir na comunidade com suas produções.

Nossos eventos ganharam forma e nossas produções (coreografias, recitação de poesia, rimas etc.) foram inseridas no calendário letivo da escola.

Muitas apresentações saíram do bairro para saraus no centro da cidade. Recebíamos convites de outras instituições e, muitas vezes, ganhamos entradas para eventos em outros espaços.

No segundo bimestre de 2018, quando foi lançado o filme "Pantera Negra", da Marvel, promovemos uma campanha virtual para levar jovens ao cinema. Conseguimos mais de 300 acessos e compartilhamentos, feito que repercutiu na mídia paraense.

Nosso objetivo era oferecer a jovens de baixa renda a oportunidade de assistir a um filme relevante para as discussões sobre identidade e cultura afro. Conseguimos levar mais de 400 jovens da periferia para o cinema, com direito a pipoca e refrigerante. Muitos nunca haviam pisado na sala de exibição de filmes.

Esse fato fortaleceu ainda mais as ações do projeto, abrindo portas para parcerias com universidades estaduais e federais, museus, coletivos e instituições de Ensino Superior de outros estados.

Iniciou-se, assim, uma enorme agenda de bate-papos, rodas de convivências e interação com outras comunidades. Todos queriam ouvir como havia sido a experiência de "ocupação" do espaço do cinema e sobre o significado da obra para os jovens.

A exibição de filmes se transformou numa ferramenta de valorização do fazer coletivo no bairro. Ela devolveu o ânimo das pessoas, amenizando, de certa forma, o pânico provocado pelas mortes ocorridas em chacinas.

As parcerias com os coletivos do bairro se intensificaram, e a escola se transformou num lugar de encontro para a apresentação de iniciativas produzidas nas ruas do bairro, como forma de reestabelecer o fluxo de jovens nas ruas da Terra Firme.

O objetivo era transformar o que havia sido reduzido a um espaço de deslocamento num ambiente de socialização do fazer coletivo.

O bairro deixou de ser um "lugar de objeto", onde eram construídas, apenas, as narrativas alheias, para se tornar um "lugar de sujeito", em que os jovens protagonizam sua própria história.

Dessa forma, reconhecer-se como uma comunidade afro-indígena ribeirinha transformou o olhar da juventude da Terra Firme. O bairro deixou de ser um "lugar de objeto", onde eram construídas, apenas, as narrativas alheias, para se tornar um "lugar de sujeito", em que os jovens protagonizam sua própria história.

A repercussão do filme "Pantera Negra" e a socialização das produções artísticas do bairro, como forma de ocupar a rua com arte e lazer, geraram um importante resultado: o lançamento do "Cine Clube TF", espaço coletivo itinerante para que se conte a história do bairro Terra Firme pela ótica de seus moradores.

De lá para cá, temos produzido pequenos vídeos para exibição em pontos estratégicos do bairro que a mídia insiste em definir como violento. Acreditamos que falar de poesia em tempos sombrios é a melhor forma de resistir à morte!

Dica!

Para garantir a replicação do projeto, será necessário o levantamento das principais demandas da comunidade do entorno da escola e da comunidade escolar.

É imprescindível estudar projetos que já têm um reconhecimento nacional por sua prática do fazer coletivo.

Serão necessários muitos momentos para justificar a importância de ensinar Língua Portuguesa fora dos moldes tradicionais. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e as matrizes de referências do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) podem servir de referências para validar essa prática inovadora de ensino.


Busque no Caderno de Práticas
Práticas Relacionadas
Competência 3 | Competência 5 | Competência 6 | Competência 7
Competência 1 | Competência 2 | Competência 3 | Competência 6
Competência 5 | Competência 6