"A dinâmica social contemporânea nacional e internacional, marcada especialmente pelas rápidas transformações decorrentes do desenvolvimento tecnológico, impõe desafios ao Ensino Médio. Para atender às necessidades de formação geral, indispensáveis ao exercício da cidadania e à inserção no mundo do trabalho, e responder à diversidade de expectativas dos jovens quanto à sua formação, a escola que acolhe as juventudes tem de estar comprometida com a educação integral dos estudantes e com a construção de seu projeto de vida." (BNCC, 2018, p. 464)

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Fazendo ciência experimentando conexões entre África e Brasil com jogos tradicionais africanos

Competência 1 | Competência 3 | Competência 5 | Competência 6
Área(s): Linguagens; Ciências Humanas e Sociais.

Esta prática procurou promover a compreensãoda história e da cultura africana e sua relação com o Brasil numa perspectiva científica, utilizando a pesquisa de jogos para identificar as particularidades e diversidades do continente africano.

Quando: Ao longo do ano letivo.
Materiais:
  • materiais de uso comum em sala de aula;
  • materiais e recursos para exposição de trabalhos;
  • recicláveis para construção de jogos;
  • computadores e acesso à internet para pesquisa e interação.
Competências específicas:
CHS – Competência 1; Competência 5; Competência 6
LGG – Competência 3
Habilidades trabalhadas: EM13CHS103; EM13CHS104; EM13CHS501; EM13CHS502; EM13CHS601; EM13LGG603; EM13LGG301; EM13LP18; EM13LP28
Professor(a) responsável: Elizabeth de Jesus da Silva.
Escola: Colégio Estadual Odorico Tavares, Salvador (BA).

O que é:

Este relato descreve as possibilidades pedagógicas dos jogos tradicionais africanos como instrumentos mediadores para o ensino da história e da cultura africanas e suas relações com o Brasil na Educação Básica.

O objetivo do trabalho foi desenvolver metodologias que aproximassem os alunos da 3ª série de uma escola pública dos conteúdos sobre o continente africano.

Nesse contexto, a experiência pedagógica teve como recurso metodológico os jogos tradicionais africanos fanorona, yoté, shisima e mancala.

O projeto foi apoiado numa pesquisa qualitativa, que, no entanto, também recorreu a recursos quantitativos. Os principais referenciais teóricos foram:

  • Kabengele Munanga, com sua teorização sobre africanidade;
  • Michel Foucault, para a análise sobre a normatização do corpo;
  • István Mészáros, com sua perspectiva histórica na análise da educação;
  • Dermeval Saviani, com sua crítica às pedagogias da atualidade e a necessidade urgente de superá-las;
  • Lev Vigotski, com o conceito de aprendizagem mediada para interpretação do jogo na educação.

A ideia deste projeto socioeducativo foi apresentar, de forma experimental, uma proposta que sugerisse reflexões e incentivasse modificações metodológicas na aprendizagem dos estudos africanos e afro-brasileiros.

Tínhamos como pano de fundo a dificuldade de implementação dos estudos da história e da cultura africanas, previstos na Lei nº 10.639/2003, que tornou obrigatório o estudo da cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas (públicas e particulares) do Ensino Fundamental até o Ensino Médio.

O objetivo do projeto era, portanto, tornar o currículo escolar mais diversificado na abordagem das diferentes culturas, entre elas, a cultura africana, que, quase sempre, não era considerada na programação escolar.

Sendo assim, eu tinha um dilema: como tratar aqueles conteúdos ainda não vistos pelos alunos e que muitos professores, mesmo os de História, não estavam preparados para abordar?

Era imprescindível uma metodologia que tornasse atrativos os assuntos relacionados à África. Para isso, utilizamos como objetos de trabalho jogos tradicionais africanos, que nos ajudaram no conhecimento da história e da cultura do continente e suas relações com o Brasil, algo importante para fortalecer a identidade negra e elevar a autoestima e a aceitação pessoal.

Nossa situação-problema era a parcial ignorância dos alunos a respeito dos conteúdos da história da África, bem como da própria geografia do continente e sua relação com o nosso país.

Entre os alunos, havia uma visão estereotipada e preconceituosa sobre a África, o que levava a um enfraquecimento identitário, quase uma destruição ou anulação do reconhecimento das própria história e ascendência.

O projeto teve a parceria de algumas universidades, com a realização de palestras de professores e a utilização de seus espaços para pesquisa.

Como fazer:

A experiência pedagógica utilizando jogos tradicionais africanos aconteceu de forma interdisciplinar, abrangendo História, Geografia, Literatura, Matemática, Educação Física, Sociologia, Filosofia e Arte.

O planejamento para a adoção de jogos africanos foi iniciado ainda antes do começo das aulas, durante a Semana Pedagógica da escola. Além da apresentação do projeto ao conjunto de educadores, com o apoio da direção, foi elaborado um calendário e realizada a verificação dos procedimentos metodológicos propostos.

Nossa proposta foi baseada em quatros momentos estruturais: o estudo dos jogos, a construção artística dos tabuleiros, a prática dos jogos na escola e a associação desses jogos com a cultura e a história africanas e afro-brasileiras.

De início, as turmas foram separadas para a formação de equipes. A elas, apresentei as etapas de pesquisa, a coleta e tabulação de dados, as entrevistas, a construção dos tabuleiros e a experimentação dos jogos (entre duas pessoas e entre grupos).

Na sequência, foram formados os Grupos de Trabalho (GTs). A ideia foi misturar as turmas, ocupando os vários espaços da escola com atividades prazerosas e relacionadas às habilidades de cada um e, também, vinculadas às necessidades coletivas.

O relacionamento entre os diversos grupos ajudou ainda na disseminação da solidariedade, da cooperação e do respeito.

Um exemplo foi a prática da limpeza do espaço utilizado após a realização das atividades artísticas. É claro que nem sempre isso se deu de forma tranquila. Foi um processo que envolveu muita conversa e, principalmente, o exemplo. Eu mesma, em alguns momentos, tive de pegar a vassoura e limpar o que havíamos deixado sujo.

Cada atividade se desdobrou em várias ações. No total, tivemos oito etapas de trabalho. Foram elas:

Fizemos estudos sobre os jogos africanos sugeridos na pesquisa realizada pelos alunos. O resultado foi a elaboração de um quadro de elementos, características e denominações dos jogos africanos.

A etapa aproximou os estudantes da produção científica. Apesar de que, naquele momento, estávamos, ainda, numa fase teórica, já existia a visão sobre a importância da pesquisa.

Nesse esforço, os alunos compreenderam a construção e as etapas de elaboração do conhecimento, e, acima de tudo, perceberam que a ciência pode ser realizada, em qualquer espaço, pelos sujeitos da história que todos somos.

Foi a fase de invenções de formas, numa ação resultante do estudo sobre os jogos africanos. Estabeleci com os alunos um debate sobre formas de tabuleiros para cada modalidade de jogo, a partir das descrições e das imagens coletadas na pesquisa.

Organizados em grupos, os alunos escolheram os tabuleiros que deveriam ser construídos.

Na sequência, fizemos um levantamento da disponibilidade de recursos para a aquisição de materiais. A opção preferida foi a de utilização de materiais reciclados.

Nessa etapa, criamos em grupo os tabuleiros dos jogos africanos. No processo, houve muita discussão sobre trabalho artístico, incluindo temas como criatividade, geometria, estética, cooperação, condicionamento social da arte e história da arte (escultura e pintura), todos eles aplicados aos temas arte e cultura africanas.

O passo seguinte foi o de experimentar os jogos. Utilizamos duas modalidades: a prática por jogadores individuais e atividade em grupos. O objetivo foi estimular o raciocínio lógico, a contagem, as estratégias e a socialização, a partir do desenvolvimento e compartilhamento de soluções individuais e coletivas.

Esta foi uma etapa de consolidação de toda a experiência, envolvendo os diversos sujeitos do trabalho. Foi composta por três ações:

  • estudo dos aspectos histórico, social e cultural dos jogos pesquisados e praticados;
  • estudo da história e da cultura africanas e afro-brasileiras por meio de jogos;
  • criação de um quadro com a relação entre os jogos trabalhados e a história e a cultura africanas.

Sob a minha supervisão, os alunos (por meio das redes sociais) realizaram entrevistas com pessoas de países africanos de língua portuguesa. O foco das conversas foi a utilização dos jogos de tabuleiro de origem africana na formação cultural e escolar em seus respectivos países.

Algumas surpresas surgiram nas entrevistas, especialmente em relação à realidade dos jovens africanos. Um dos alunos, por exemplo, ficou espantado ao descobrir que a jovem africana com quem conversava falava mais de dois idiomas e já conhecia países da Europa. Era um contraste muito grande, já que o jovem estudante brasileiro nunca tinha saído de sua cidade.

Ao longo do trabalho, o preconceito em relação à África e aos africanos foi se rompendo, cumprindo um dos objetivos iniciais do projeto.

Os alunos promoveram um festival cultural, no qual apresentaram os resultados dos estudos, das pesquisas e das experimentações realizadas durante o ano. Eles socializaram com a comunidade o conhecimento adquirido e ensinaram os visitantes do festival a construírem tabuleiros e a jogar.

O evento também abordou temáticas relacionadas à África, por meio da literatura, da música, da história e da geografia de países do continente. Os estudantes falaram ainda sobre as impressões estereotipadas que tinham sobre a África e como essa visão havia sido mudada ao longo do tempo.

Novas linguagens foram utilizadas no processo de pesquisa e conhecimento. As redes sociais e sites acadêmicos foram fundamentais para a investigação de conteúdo, a pesquisa e a apropriação do conhecimento.

As etapas descritas foram importantes no processo de construção desse conhecimento. Os passos foram dados um de cada vez, até porque preconceitos enraizados não são quebrados por completo. Mas certezas foram abaladas, o que, para mim, já representou um grande avanço.

O projeto foi estruturado com base no protagonismo estudantil, na participação dos alunos em todas as etapas das atividades. Os questionários foram o suporte para a elaboração das etapas, por conterem as demandas dos alunos em relação ao conteúdo, bem como as metodologias para a construção do conhecimento.

A utilização de diferentes linguagens como aportes pedagógicos (interdisciplinaridade, trabalho com fundamentação científica, linguagens de mídias, socialização do conhecimento) foi um fator de sucesso do projeto.

O uso de jogos se mostrou bastante eficaz para a ruptura de padrões estereotipados sobre o tema e para a consolidação de um conhecimento mais conceitual e científico sobre a história africana e suas relações com o Brasil. Da mesma forma, emergiram nos jovens diversas questões identitárias.

Saiba mais

O uso de jogos como estratégia não apenas motivacional, mas também para o desenvolvimento de diversas habilidades cognitivas, psicomotoras e criativas, tem se mostrado bastante eficiente.

Aprender as regras, modificá-las, descobrir a história do jogo e aprender a jogá-lo exigem o desenvolvimento de várias habilidades. A pesquisa de jogos “aplicáveis” a certo contexto pedagógico, por si só, já é uma atividade importante.

Para saber mais sobre os jogos utilizados nesta prática, visite os links elencados a seguir.

Outros jogos africanos e afro-brasileiros podem ser consultados no site LAAB-UFPA.


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