Esta prática teve como objetivo promover na escola um ambiente de respeito para que a diferença não seja tratada na óptica da exclusão, do desrespeito e da violência, visto que a escola é um espaço de realidades diversas, não diferente da realidade social fora de seus muros.
O ponto de partida para a criação do projeto foi a divulgação das oficinas bimestrais "Paz na Escola", que ocorreriam no 2º bimestre letivo de 2018 (maio-junho).
Sob a orientação da Coordenação Pedagógica, chegou-se à ideia de elaboração de uma proposta para que os alunos refletissem sobre o processo de exclusão e inclusão das múltiplas diferenças, no âmbito social.
O trabalho foi desenvolvido com alunos de uma turma da 1ª série do Ensino Médio, que, por conta da idade, do contexto local (tradicional) e da precarização do Ensino Fundamental, chegaram ao novo ciclo com valores arraigados que se contrapunham ao respeito às diferenças.
Por causa disso, percebeu-se, em muitos desses jovens, um discurso intolerante em relação aos outros indivíduos que compartilham o mesmo grupo social.
A turma escolhida para trabalhar o tema era bastante diversificada em realidades e identidades. Diversos alunos tinham problemas de relacionamento na classe na comunidade escolar. Provocações de natureza racial, regional e religiosa também eram habituais na turma.
Algumas das dificuldades tinham relação com preconceito de gênero, já que, na turma, havia um aluno transexual, que, inclusive, utilizava seu nome social. Percebia-se um certo estranhamento em relação àquela sitaução, incomum na realidade da escola e na própria cidade.
Somava-se a essa situação o uso acrítico das redes sociais pelos alunos, que se tornavam presas fáceis dos discursos de ódio e da disseminação da intolerância.
Nesse contexto, o projeto buscou estabelecer um ambiente de respeito na turma e na escola, e foi executado ao longo de seis etapas:
Foi o momento de apresentação à turma do tema “Paz na Escola: viva a diversidade”. Logo de início, dei aos alunos a oportunidade de sugerirem ideias, dialogando com os aspectos que estivessem mais próximos da realidade individual e do contexto social. Nessa etapa, houve a divisão da turma em quatros grupos para a abordagem dos subtemas étnico-racial, gênero, regional e religião.
Estabeleci, com os alunos, mecanismos para o desenvolvimento do protagonismo juvenil, possibilitando, de forma aberta, a pesquisa e a estruturação de seminários.
Foi o momento das aulas expositivas e dialogadas sobre o tema e sobre assuntos relacionadas à matriz curricular da disciplina, para uma compreensão histórica, geográfica e sociológica das questões problematizadas.
Nessa etapa, estimulei a reflexão e o interesse dos alunos por meio de imagens (como a da piauiense, eleita "Miss Brasil" e que sofreu preconceitos de raça e regional), de músicas ("Firework", de Kate Perry, que trata da diversidade sexual) e de filmes ("O Xadrez das Cores", de Marcos Schiavon, sobre a questão étnico-racial no Brasil).
Foi a de apresentação dos alunos, depois de semanas de aulas, pesquisas e reflexões sobre os temas abordados, ação que evidenciou o protagonismo juvenil e a capacidade criativa da turma.
Culminou com a apresentação, para toda a comunidade escolar, de um dos grupos participantes dos seminários.
No projeto não se buscou, de forma pragmática, suscitar nos alunos apenas os conhecimentos teóricos e sua relação com o cotidiano.
Procurou-se também estimular os jovens para que fossem os grandes promotores e organizadores do próprio trabalho, pesquisando, lendo, debatendo, criando, expondo-se e dramatizando, entre outros recursos.
Dessa maneira, a participação e a interação dos alunos foram os grandes responsáveis pela sua avaliação.
Não houve prova objetiva e subjetiva, tampouco uma dissertação. Os critérios de avaliação foram participação, pesquisa, criação e apresentação.
O projeto gerou nos alunos e na própria comunidade escolar um espírito de humanidade, promovendo reflexão e valorização do que é diferente culturalmente. Com isso, os estudantes puderam elucidar, contextualmente e teoricamente, sua própria realidade e sua conexão com outros fatores históricos, sociológicos e geográficos.
Logo na apresentação do tema do projeto, verificou-se uma intensa movimentação dos alunos, com sorrisos abertos e outros contidos, além de conversas acaloradas, ou seja, por mais comum que fosse na realidade dos alunos, o tema provocou múltiplos sentimentos e reações.
Lembro-me da frase de um aluno, lá no fundo da sala: "Eu sou racista mesmo".
Outro exemplo foi o de um aluno nascido na cidade, mas que logo foi morar no Sudeste do país. Ele relatou: "Sofri muito preconceito por ser nordestino em São Paulo".
E o caso mais intrigante foi o de um aluno negro, que disse ser o racismo natural do ser humano.
Questionei-o e recebi a seguinte resposta: "Professor, eu assisti a um vídeo de um cientista no YouTube, e ele comprovou 100% que o racismo é da genética humana, é perda de tempo discuti-lo".
Depois de toda apresentação e debate, deixei-os à vontade para que participassem do subtema que desejassem.
O aluno transgênero foi franco e disse que se habilitava a coordenar o grupo sobre diversidade de gênero, pois, segundo ele, sua própria trajetória de vida era marcada por esses conflitos, internamente e externamente.
O tema que chamou menos atenção foi sobre diversidade religiosa.
A segunda etapa consistiu na promoção do protagonismo juvenil. Assim, a pesquisa e a criação foram elementos importantes para a realização de apresentações dinâmicas nos seminários dos grupos.
Cada grupo escolheu um coordenador para organizar os encontros, a pesquisa e a criação das apresentações.
Coube também aos coordenadores a elaboração de um relatório final sobre a participação dos colegas na preparação dos trabalhos.
A terceira etapa foi uma aula expositiva e dialogada sobre diversidade étnico-racial, de gênero e de sexualidade, entre outros assuntos.
Numa aula de 50 minutos, abordei as principais questões contextuais e teóricas sobre respeito à diversidade, com ênfase nas questões de gênero e sexualidade.
Isso mais do que se justificava, uma vez que aquele público era carente de informações objetivas sobre o tema e suas implicações na vida social.
No final da exposição, utilizei a música “Firework”, da cantora Kate Perry, que se tornou símbolo mundial sobre questões de gênero e sexualidade.
Na quarta etapa, o professor de Geografia apresentou duas aulas semanais e realizou um debate sobre preconceito regional.
A indagação motivadora foi: "O que essa imagem representa?”
A partir da pergunta, o professor apresentou diversas imagens e provocou os alunos sobre as sensações que elas provocavam.
Foi importante também a exibição do curta-metragem "O Xadrez das Cores". A obra, sobre discriminação racial, tem sua história desenvolvida como um jogo de xadrez.
O objetivo da exibição foi promover uma reflexão realista e crua sobre o tema, por meio da linguagem cinematográfica. Após a exibição, foi realizado um debate entre os alunos sobre o drama ficcional.
A quinta etapa foi a de apresentação dos seminários em grupo. A primeira apresentação foi sobre diversidade étnico-racial, sob o nome "Diga não ao Racismo". Além de uma dinâmica, os participantes exibiram uma reportagem do programa "Fantástico", da Rede Globo. Com camisas pretas e os rostos pintados de branco, os integrantes fizeram uma exposição com frases de impacto.
O segundo grupo fez uma exposição oral intitulada “Gênero e Sexualidade”. Em seguida, comandou uma mesa redonda, na qual o aluno transgênero foi o entrevistado.
O terceiro grupo, cujo foco foi a diversidade regional, organizou um coral. Os participantes apresentaram a música "Vagalumes", de Adriel Menezes, Ivo Mozart e Luiz Tomim.
O quarto grupo, que trataria de diversidade religiosa, não se organizou como era esperado e acabou perdendo o prazo de apresentação.
Na sexta e última etapa, houve a apresentação de um dos grupos para toda a comunidade escolar.
O critério de escolha foi a capacidade criativa e de pesquisa demonstrada pelos integrantes.
O grupo selecionado foi o que havia abordado o tema "Diversidade étnico-racial".
Na demonstração da dinâmica, a apresentadora do grupo chamou alunos de outras turmas para participarem da interação.
O último passo foi a confecção de um "fôlder-resumo" do projeto. Ele foi distribuído à Coordenação Pedagógica da escola, aos professores e aos alunos.
Os resultados foram parcialmente alcançados. Sabemos que, no Brasil, a diversidade de gênero, étnico-racial, regional e religiosa é uma marca identitária.
Todavia, existe uma intolerância histórica na sociedade. Ela faz parte do nosso imaginário social e cultural.
Apesar da emergência do processo de desconstrução dessa dominação simbólica, ainda é bem comum visualizarmos mecanismos de exclusão, desrespeito e violência em relação às “minorias”.
Nossa proposta foi levantar o debate, provocar o senso comum, dialogar com outras formas de conhecimento, aproximar quem estava distante, reconhecer que somos diferentes e valorizar a múltipla diversidade.
Se não estivemos próximos dos resultados esperados, também não ficamos tão distantes. Marcamos posições importantes e tivemos a coragem de promover o debate.
Não buscamos gerar nos alunos apenas conhecimentos teóricos. Procuramos, de forma criativa, fazer com que eles se tornassem promotores e organizadores do próprio trabalho, pesquisando, lendo, debatendo, criando, expondo-se e dramatizando, entre outros recursos.
A prática do projeto, por sua vez, gerou uma aprendizagem reflexiva na maioria dos alunos.
Em relação à avaliação da minha própria prática, considero que ela teve um papel fomentador, ou seja, de mediação, estimulando os alunos para que assumissem a condição de protagonistas, capazes de realizar estudos e pesquisas e desenvolver a autoestima.
Apesar das dificuldades todas as etapas do projeto foram realizadas e avaliadas, possibilitando um olhar qualitativo sobre os alunos e até sobre a minha própria prática docente.
O projeto, que foi realizado pela primeira vez no segundo bimestre letivo de 2018, tornou-se uma ferramenta muito importante para abrir as portas da escola e da comunidade para o debate sobre diversidade, temática que circula pela sociedade por meio de um senso comum conservador e preconceituoso.
O que foi realizado me enriqueceu como professor e fez o mesmo com a comunidade escolar.
Saí fortalecido do desafio, pois é em situações desse tipo que a teoria flui, a realidade aparece e a comunidade interage. O desafio continua, pois a trincheira da reflexão é infinita.
Declaração de Salamanca. http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf