Literatura Infantil: reflexões e práticas

A Literatura Infantil pode ser vista como uma porta de entrada para o universo maravilhoso da leitura. Para entendermos bem a importância dessa literatura na formação do ser humano, faz-se fundamental olhar para a variedade de textos que a compõem: fábulas, contos de fadas, contos maravilhosos, mitos, lendas, adaptações de grandes clássicos da literatura mundial, parlendas, trava-línguas, adivinhas, além de textos autorais narrativos e poéticos. Temos, assim, um rico material repleto de histórias, memórias, diversidade cultural, fantasia, encantamento e valores humanos.

A escola, por seu caráter pedagógico, por vezes direciona ou prioriza a função didática dos textos direcionados à infância. Muitas das atividades pós-leitura propostas no espaço escolar ainda visam apenas uma compreensão mais literal do texto literário. Por exemplo, pergunta-se: quem a Chapeuzinho foi visitar? Que animal ela encontrou na floresta? Como ela foi salva? Essa compreensão textual é válida, mas acaba por resultar em respostas únicas, nada imaginativas. Não devemos esquecer que literatura é antes de tudo arte e, como tal, tem a função de exercitar o nosso pensamento poético – relacionado com o imaginar que é uma outra forma de pensar, sentir, perceber e conhecer o mundo e a nós mesmos. A linguagem artística é plurissignificativa, permitindo diversas interpretações, pois faz um apelo à nossa criatividade e sensibilidade. Algo a ser explorado com perguntas como: além do lobo, que outros animais Chapeuzinho pode ter encontrado na floresta? Se você encontrasse um lobo, o que faria? O que diria a ele? O que você aprendeu com essa história? O que gostou? O que não gostou? O que mudaria?

O primeiro contato das crianças com essa literatura se dá, em geral, intermediado pela narração de um adulto; mas este, nem sempre, permite o contato físico delas com o livro, sobretudo quando são bebês.

Isso acontece mesmo no ambiente escolar; entre os motivos podem estar: não querer que os livros sejam danificados ou julgar que, só a partir dos 2 anos, a criança esteja a apta para usufruir desse contato adequadamente. No entanto, o livro deve ser considerado pelos educadores como um brinquedo a ser oferecido para toda criança. Afinal, ter livros ao alcance das mãos é essencial para incentivar o interesse pela leitura.

Existem livros especialmente produzidos para essa faixa etária do 0 aos 2 anos. Eles são feitos de material como papel cartonado, plástico ou tecido – mais resistentes à manipulação da criança – e possuem texturas, formas e cores que visam estimular o tato e a visão, alguns apresentam recursos sonoros. A proposta desse tipo de obra é estimular os sentidos e a sensibilidade do bebê que começa a realizar suas próprias leituras: olhando, colocando na boca, apertando, sentindo, cheirando, brincando. Entretanto, vale ressaltar que a criança precisa ser inserida no universo das narrativas. Por exemplo: enquanto a professora dá banho no bebê e ele manipula um livro com desenhos de animais, seria ideal que ela lhe contasse uma história ou cantasse uma cantiga associada àquelas ilustrações, que não apenas se focasse no ensino das palavras e na relação destas com figuras, mas já começasse a mostrar para a criança que o livro é um suporte para a narração e a imaginação.

O exemplo e o gesto são grandes educadores. Ler para uma criança, de qualquer idade, é fundamental para despertar sua curiosidade pelo objeto livro e pelas narrativas que ele guardm. Ler com elas também é essencial.

A formação de uma bebeteca na escola, com uma gama variada de tipos de livros e outros materiais de leitura, mostra-se um recurso bastante eficiente por ampliar possibilidades de experiências leitoras nessa fase do desenvolvimento infantil. Esse material de leitura pode ser acondicionado em caixas de madeira ou papelão decoradas, que devem ser colocadas no chão, ao alcance dos bebês, para que eles escolham livremente o que irão ler. É importante não se limitar aos já citados livros para bebês; essas caixas devem oferecer livros infantis também feitos de papel comum, com formas e tamanhos variados; revistas; quadrinhos; álbuns ilustrados; livros só-imagens, entre outros. Adicionar fantoches e bonecos, que possam representar personagens das histórias infantis, nessas caixas também contribui para tornar ainda mais significativo e lúdico o ato da leitura. A mediação nesses momentos não deve ser diretiva, mas o educador precisa estar presente, próximo, e se colocar à disposição das necessidades das crianças nesse momento exploratório e de descobertas.

O exemplo e o gesto são grandes educadores. Ler para uma criança, de qualquer idade, é fundamental para despertar sua curiosidade pelo objeto livro e pelas narrativas que ele guarda. Ler com elas também é essencial. Lembrem-se: as ilustrações podem ser lidas pelas crianças. Portanto, a leitura pode começar pela capa, quando o professor a mostra para a turma e, juntos, eles a leem e imaginam como será essa narrativa. Vamos supor que nessa capa há a ilustração de dois meninos. O professor pode, então, suscitar as primeiras inferências com questionamentos como quem são, qual a idade deles, são irmãos ou amigos, por que vocês acham que são irmãos... Logo no início da narração, podemos fazer inferências a partir do título da obra e levantar hipóteses sobre o que vai acontecer aos personagens. Podemos também parar a narração no meio e tentar adivinhar o final, para depois verificarmos se conseguimos ou não acertar – ou conversarmos sobre o final imaginado pelos alunos, se este era mais ou menos interessante que aquele dado pelo autor e por quê. Inferência e levantamento de hipóteses são técnicas de compreensão, usadas ao longo da leitura de um livro para que essa atividade seja construída coletivamente, tornando-a dinâmica, envolvente e prazerosa.

Porém, ler ou contar histórias vai muito além do que simplesmente dizer as palavras de um texto escrito ou oral. A narração, seja ela feita de memória ou lida, precisa mostrar que quem narra entende que uma história não é feita apenas de palavras escritas, mas de imagens articuladas numa narrativa capazes de nos transportar para outros mundos. Essas palavras precisam soar, pois o componente sonoro da narração é fundamental – é necessário ter cadência e fluência. Para isso, devemos sempre nos preparar para uma narração: primeiro leia o livro ou ensaie a história em voz alta. Gravar-se e ouvir-se, antes dessa partilha com os alunos, pode ajudar muito. Incentivar que os alunos depois façam o mesmo para se apresentarem para a sala, num sarau ou roda de leitura, também pode mostrar para eles o quanto ler e contar são habilidades que precisam ser exercitadas como qualquer outra.

É fundamental considerarmos também que contar histórias não é só para quem ainda não é leitor fluente. Ouvir e contar histórias, sem o suporte de um livro, é uma arte sem idade. Uma atividade ancestral, uma herança milenar de nossa humanidade. Colocar-se em roda, sentando-se confortavelmente para partilhar histórias, é algo que pode estar presente na escola desde o ensino infantil até o médio.

Tanto para a apresentação em saraus, como em rodas de leitura ou rodas de contação de histórias, a preparação prévia do narrador é imprescindível. Ela implica não só os ensaios, mas também o planejamento da ação narrativa. Como foi dito, as palavras precisam soar, ganhar vida na voz de quem as lê ou conta. Para isso, deve-se estudar o texto e encontrar momentos que possibilitem variações na voz durante a narração: há trechos em que podemos falar mais alto; outros, mais baixo ou até sussurrar, de acordo com o clima da história.

Há partes que pedem para ser oralizadas com alegria e vivacidade; outras, com comedimento ou um tom mais triste. Para identificá-las, o narrador deverá usar sua sensibilidade para perceber e recriar esses climas durante sua performance. Caso sinta-se à vontade, poderá fazer vozes diferentes nas falas dos personagens e incluir sons e onomatopeias em determinados pontos como: “de repente, escutou-se um barulho... toc-toc-toc-toc...” Esse som, especificado ou não no texto original, poderá ser reproduzido, enquanto se narra, utilizando-se duas cascas de coco seco, batidas uma contra a outra, ou um agogô de castanhas. Apitos que imitam sons de pássaros, paus-de-chuva, tambores, carrilhão de chaves, bem como outros instrumentos e objetos sonoros são elementos que tornam a narração ainda mais lúdica e encantadora. No entanto, deve-se utilizá-los de modo complementar à narrativa, ou seja, eles não devem se sobrepor à história. Os exageros no uso de recursos externos à narrativa podem distrair o ouvinte, em vez de levá-lo a se aprofundar na experiência de escuta. Esse conselho sobre não exagerar nos estímulos para os ouvintes, de qualquer idade, estende-se para o uso de gestos, expressões faciais e objetos como lenços, bonecos... Saber dosar é o segredo, e o aprendemos na medida em que praticamos e observamos a nós mesmos e a outros narradores. Sugere-se que todas as ações que serão realizadas durante a narração sejam anotadas em forma de roteiro para facilitar os ensaios e garantir uma boa performance.

Tanto para a apresentação em saraus, como em rodas de leitura ou rodas de contação de histórias, a preparação prévia do narrador é imprescindível. Ela implica não só os ensaios, mas também o planejamento da ação narrativa.

Se o educador quiser ampliar ainda mais o leque de possibilidades de recursos lúdicos para narrar histórias poderá pesquisar sobre o uso e confecção de aventais ou tapetes para contação; teatro de sombras, de fantoches, de marionetes e de dedoches. Propor para os alunos que eles próprios recontem as histórias escutadas nas rodas em forma de teatro – seja o clássico com cenários, falas memorizadas e figurinos ou estes últimos aqui citados – permite que as crianças, já a partir dos 3 anos de idade, se apropriem, de maneira crítica e imaginativa, dos conteúdos históricos, sociais e culturais presentes nos textos literários.

A literatura nos coloca em contato com aqueles que vieram antes de nós. Ela nos permite criar laços com os que estão ao nosso redor. É nutrição, socialização e, sobretudo, humanização. Quando bem trabalhada no espaço escolar, revela-se um verdadeiro tesouro na preparação de nossas crianças para a vida.


Uma escola cidadã para as juventudes brasileiras: contextualização, interdisciplinaridade, aprendizagem colaborativa e autoria/protagonismo juvenil

O mundo inteiro tem discutido a necessidade de transformações profundas no Ensino Médio. Em diferentes sociedades, com diferentes trajetórias históricas, as juventudes – em sua pluralidade e diversidade – têm desafiado os modelos tradicionais de escolarização e os limites das arquiteturas curriculares e das práticas pedagógicas convencionais. 

O que se tem visto é a demanda cada vez mais explícita por uma escola cidadã. De modo geral, uma escola cidadã é aquela comprometida com uma sociedade justa, solidária e democrática e que é capaz de, na sua proposta pedagógica, acolher os educandos e os educadores num processo colaborativo, dialógico e emancipador de apropriação e reconstrução dos saberes socialmente relevantes já sistematizados no mundo e de invenção de outros saberes, que florescem na experiência histórica concreta cotidiana dos sujeitos que ali se encontram.

As experiências compartilhadas aqui por educadoras e educadores brasileiros de escolas de Ensino Médio revelam um movimento consistente na realização de alguns princípios fundamentais do que poderíamos considerar uma concepção cidadã da escola para jovens:

  • a contextualização;
  • a trans/interdisciplinaridade;
  • a aprendizagem colaborativa; e
  • a autoria/protagonismo juvenil.

Esses princípios estão explícitos no parágrafo 2º do artigo 7º das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, que afirmam:

“[...] o currículo deve contemplar tratamento metodológico que evidencie a contextualização, a diversificação e a transdisciplinaridade ou formas de interação e articulação entre diferentes campos de saberes específicos, contemplando vivências práticas e vinculando a educação escolar ao mundo do trabalho e à prática social”.

O princípio da contextualização nos coloca o desafio (e a importância) de organizar o currículo da escola e as práticas pedagógicas para que, de modo intencional e significativo, os estudantes possam experimentar intimidade com os conteúdos de ensino a partir de suas vivências e experiências singulares e a partir dos conhecimentos que já estão enraizados em seu cotidiano.

Assim, para que possam desenvolver a habilidade de “analisar e avaliar criticamente os impactos econômicos e socioambientais de cadeias produtivas ligadas à exploração de recursos naturais e às atividades agropecuárias”, prevista para a área de ciências humanas na Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio, os estudantes da EEEM Waldemar Maues, de Belterra (PA), sob a liderança da professora Laura Cristina Chagas, empreenderam uma pesquisa em torno das implicações sociais, econômicas, culturais e ambientais do uso de agrotóxicos na cultura de soja em franca expansão no município.

Da mesma forma, para aprenderem a “empregar diferentes métodos para a obtenção da medida da área de uma superfície e deduzir expressões de cálculo para aplicá-las em situações reais com ou sem apoio de tecnologias digitais”, habilidade prevista para a área de matemática da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio, os estudantes da Escola Estadual Agrícola Terra Nova, que se organiza a partir da Pedagogia da Alternância, se aventuraram, juntamente com suas famílias, na construção e no uso de geoplanos, construídos sob a orientação do professor Vinício de Figueiredo.

Já a Escola Indígena Estadual de Ensino Fundamental e Médio Sertanista José do Carmo Santana, em Cacoal (RO), identificando no contexto local a complexidade das questões identitárias que marcam a vida de jovens indígenas brasileiros nas relações com a sociedade não indígena, engajou estudantes da etnia paiter-suruí, sob a liderança do professor Luiz Weymilawa Suruí, na construção de um aplicativo para registro, compartilhamento e disseminação do patrimônio cultural e linguístico da comunidade. Foi contextualizada a construção de habilidades importantíssimas previstas na Base Nacional Curricular do Ensino Médio, como “analisar e avaliar os impactos das tecnologias na estruturação e nas dinâmicas de grupos, povos e sociedades contemporâneos (fluxos populacionais, financeiros, de mercadorias, de informações, de valores éticos e culturais)” ou “analisar e experimentar diversos processos de remediação de produções multissemióticas, multimídia e transmídia, desenvolvendo diferentes modos de participação e intervenção social”.

“Reconhecendo que a realidade é sincrética e complexa, a interdisciplinaridade permite que possamos combinar a profundidade da especialização de cada área do conhecimento com um olhar atento às conexões, interações e implicações entre os diferentes campos do saber.”

O princípio da interdisciplinaridade, por sua vez, nos convida a considerar o caráter integrado e complexo do conhecimento e a superar a excessiva fragmentação e a   especialização dos saberes nas disciplinas tradicionais da escola. Reconhecendo que a realidade é sincrética e complexa, a interdisciplinaridade permite que possamos combinar a profundidade da especialização de cada área do conhecimento com um olhar atento às conexões, interações e implicações entre os diferentes campos do saber. A perspectiva interdisciplinar amplia a potência das aprendizagens na medida em que favorece a construção de conexões entre os saberes, ativando redes de sentido e significado. Os estudantes do Câmpus Cachoeiro do Itapemirim, do Instituto Federal do Espírito Santo, experimentaram essa potência num projeto liderado pelo professor Edmundo Rodrigues Júnior, que envolveu conteúdos de história, ciência e tecnologia, artes cênicas e língua portuguesa, engajando-os numa pesquisa e na produção de um espetáculo teatral sobre a invenção do rádio.

Do mesmo modo, o Colégio Estadual Eron Domingues, de Marechal Cândido Rondon (PR), mobilizou as áreas de História, Sociologia e Língua Portuguesa para engajar os estudantes num projeto de educação política para a cidadania, no qual puderam conectar aprendizagens sobre a história das lutas sociais e da construção da democracia, sobre a organização, o funcionamento e as interações entre os três poderes da República e sobre a produção, a leitura e a interpretação de textos próprios das esferas de circulação política, midiática e jurídica.

O princípio da aprendizagem colaborativa está ancorado no reconhecimento de que a aprendizagem é, necessária e socialmente, mediada, e que são a qualidade e a recorrência das interações entre os sujeitos que potencializam saltos significativos no desenvolvimento. Assim, é imprescindível que a escola que se pretende cidadã fomente e promova situações coletivas, compartilhadas e colaborativas de aprendizagem dos jovens entre si e dos jovens com outros parceiros.

Foi esse o caminho trilhado pela EEEIFM Brigadeiro Fontenelle, da cidade de Belém (PA) na construção de saberes em torno da experiência social e histórica da comunidade afroindígena de jovens da periferia da cidade, sob a liderança da professora Lilian Cristiane Barbosa de Melo. Provocando os jovens a conhecer e dialogar com coletivos de ativistas, militantes sociais e artistas da cidade, a escola construiu um intenso campo de compartilhamento de saberes e fomentou a colaboração e o trabalho compartilhado de pesquisa, sistematização e disseminação de conhecimento e cultura com os jovens. Do mesmo modo, o projeto Laboratório Vivo, liderado pela professora Paula Rosa de Sousa Prado, no Colégio Estadual Oseas Borges Guimarães, em Goiatuba (GO), mobilizou o trabalho colaborativo e o compartilhamento de responsabilidades para a pesquisa e a construção de conhecimento na área de educação ambiental.

Por fim, em todas as experiências aqui sistematizadas, a autoria/o protagonismo juvenil foram o eixo organizador do trabalho pedagógico desenvolvido pelas professoras e professores. Quando falamos em autoria ou em protagonismo juvenil, estamos reconhecendo que os jovens são sujeitos de sua própria aprendizagem e de seu processo de desenvolvimento, e que, portanto, as situações de ensino e aprendizagem devem ser organizadas de modo que eles exerçam, efetivamente, um papel autoral, ativo e criativo de (re)construção e invenção de saberes que desejamos que eles dominem.

Ao considerarmos radicalmente esse princípio de autoria/protagonismo juvenil, estaremos atentos à diversidade de cenários e condições socioculturais nos quais a escola de ensino médio está inserida. Nesse sentido, as educadoras e os educadores relatam, nas suas práticas, a experiência de ensinar e aprender com jovens matriculados em diferentes modalidades da educação básica de nível médio. Enxergamos as possibilidades de trabalho com as modalidades regular e integral (em contextos urbanos e rurais), com a modalidade de educação indígena, de educação no campo, de educação quilombola e de educação profissional e técnica integrada ao ensino médio.

Se é incontornável que estejamos conscientes dos enormes desafios do ensino médio e da garantia do direito pleno à educação para as nossas juventudes, também nos parece imprescindível reconhecer algo que as experiências que organizamos aqui nos revelam: a enorme potência criativa e a mobilização crítica e consistente dos educadores e educadoras na invenção cotidiana de uma escola contemporânea, significativa e cidadã para os jovens brasileiros.


Relações família-escola: em busca de um projeto de Educação Infantil democrático

É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança.
Provérbio africano

Trago de volta esse provérbio, bastante representativo da filosofia tradicional Ubuntu, para discutir a necessária construção de uma real relação de parceria entra as famílias e a instituição de Educação Infantil. Faço essa referência, pois, aqui no Brasil, esse provérbio foi bastante citado e grafado em epígrafes de textos discutindo esse mesmo tema, o que nos sugere alguma concordância com essa forma de pensar o ser humano conectado com o outro e com o coletivo, postura diversa de uma ética do individualismo. Contudo, me parece que, apesar do seu sucesso, sua disseminação trouxe poucas consequências para o ainda conflituoso relacionamento que se estabelece entre a família e a escola. Ainda são comuns falas que assumem tons acusatórios de que uma ou outra parte nessa relação está querendo empurrar sua responsabilidade na educação de crianças.

Das famílias, surgem demandas que, muitas vezes, refletem a expectativa de que as crianças sejam atendidas quase que de forma particular, reeditando os cuidados domésticos e, certamente, diferentes em relação aos cuidados coletivos. Descompassos como esses são bastante notórios nas questões relacionadas à saúde e revertem focos de tensão e conflito na relação das famílias com os profissionais que atendem as crianças (Maranhão e Sarti). 

Do espaço da instituição, ainda se identifica uma tranquilidade e uma aceitação relativas dos profissionais quanto à opção da ida do bebê à creche por parte de famílias que exercem trabalhos externos ao domicílio, mas não aceitam com a mesma percepção os de mulheres que se ocupam de trabalhos em sua própria residência. Estas são consideradas como mães que não “querem” assumir a educação e o cuidado de seus filhos (Ferreira). Vale ressaltar que a crítica recai com bastante força sobre as mulheres. São falas que, não poucas vezes, são ditas na presença das crianças, como se elas fossem invisíveis e insensíveis àquela situação (Monção).

De certa forma, muitos desses conflitos acabam sendo mobilizados por uma ideia de que a família ou a escola podem “substituir” a atuação de um desses contextos da vida de bebês e crianças, o que alimenta uma certa “competição” sobre quem educa ou cuida melhor.

Aqui, então, retomo o nosso provérbio para afirmar a expectativa de que na relação entre as instituições de Educação Infantil e as famílias possamos superar verbos como “substituir” ou “delegar” funções e avançar, cada vez mais, no fortalecimento de ações pautadas por verbos como “compartilhar”, “complementar”, “parceirar” a educação e o cuidado de bebês e crianças, construindo, de uma vez por todas, uma rede de apoio em torno de processos educativos de boa qualidade nas creches, pré-escolas e comunidades.

Para tanto, já temos bons fundamentos em nossos documentos oficiais. As atuais  Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil reforçam:

A integração com a família necessita ser mantida e desenvolvida ao longo da permanência da criança na creche e pré-escola, exigência inescapável ante as características das crianças de zero a cinco anos de idade, o que cria a necessidade de diálogo para que as práticas junto às crianças não se fragmentem.

Da perspectiva da criança, essas características de aprendizagem e desenvolvimento referem-se à oferta de espaços de cuidado e atenção, em que experiências diversificadas deverão se constituir. A entrada na escola amplia a sua rede de relações para além do âmbito privado da família, já que passa a participar de um contexto com outros adultos e, especialmente, outras crianças.

Cada bebê que entra em uma creche e cada criança que chega à pré-escola configuram um espaço de intercessão no encontro de sua família com a escola. Em cada um desses encontros, esses contextos se reorganizam; colocam em jogo suas ideias; compartilham concepções sobre cuidado, educação, maternidade, paternidade, docência de bebês e crianças pequenas; e tencionam entendimentos e práticas de educação e cuidado. No final das contas, todos aprendem e se desenvolvem, tanto crianças quanto adultos (pais e professoras/es).

Mais uma motivação para pensarmos na importância da gestão dessas relações, avançando em direção a um paradigma de parceria e compartilhamento da educação das crianças.

Talvez, o primeiro movimento que possamos fazer, no âmbito da instituição em que trabalhamos, é procurar perceber quais os significados que emergem quando pensamos na relação da equipe escolar com as famílias. Que falas são ditas? Como são sentidos os movimentos de entrada na unidade? São bem recebidos? Em quais circunstâncias? Quais são as famílias que são melhor aceitas? Quais aquelas que nos causam maior resistência e, às vezes, irritação? Por que será assim? O que fazer com tudo isso? Trabalhar em equipe essas percepções, refletindo sobre o que está em jogo e mobilizando nossas ações, é um caminho para começarmos a revisitar nossas concepções e práticas na relação com as famílias. Esse movimento nos ajuda a olhar melhor para o que entra em jogo quando esses dois meios, a família e a creche, interagem e para as representações que emergem nesse encontro. Provavelmente, serão variadas as formas de expressar a relação com as famílias.  

Assumindo a importância dessa parceria, que garante condições de atenção ao direito das famílias de participarem da educação de seus filhos no contexto da unidade educativa, podemos pensar em três eixos de trabalho que se intercruzam na construção da relação da instituição com as famílias.

O primeiro é o eixo do acolhimento. Conforme Maranhão e Sarti:

Os primeiros contatos entre as famílias e os profissionais são decisivos na construção do relacionamento entre ambos. As primeiras impressões dos pais podem ser confirmadas ou modificadas nos primeiros dias como usuários, ainda vulneráveis por estarem no início de uma relação com os profissionais.

A possibilidade de acolher sentimentos que emergem no contexto da relação família-escola é condição para que se possa ir dando lugar e ressignificando sentidos na direção da construção da relação de partilha e parceria na educação das crianças. São sentimentos variados: de gratidão, de curiosidade, de ansiedade, de ciúme e de alívio, entre muitos outros. E são sentimentos contraditórios mesmo, porque a contradição faz parte da nossa humanidade.

“Dois caminhos podem se colocar: ou a família é submetida a aceitar o projeto pedagógico já estabelecido (concordando ou não com ele) ou, em outra perspectiva, a família é assumida como novo parceiro de interlocução sobre esse projeto.”

Em um primeiro momento, a família traz à cena suas representações e informações prévias a respeito do que seja o trabalho na Educação Infantil. Paulatinamente, vai tomando contato com a realidade desse serviço. Dois caminhos podem se colocar: ou a família é submetida a aceitar o projeto pedagógico já estabelecido (concordando ou não com ele) ou, em outra perspectiva, a família é assumida como novo parceiro de interlocução sobre esse projeto.

A prática “Adaptação e Aprendizagem e o Me´todo Montessoriano” – ao partilhar com as famílias atividades que estão sendo desenvolvidas com as crianças no período de adaptação delas à instituição e, ao mesmo tempo, ao sugerir levar atividades parecidas para o ambiente doméstico – favorece a familiaridade de parte a parte, tendo a observação da criança como foco do trabalho. Vale apenas uma ponderação, que é assumir esse compartilhamento de atividades como uma sugestão, e não como uma tentativa de “ensinar” aos pais e responsáveis pelas crianças “um modo certo de ensinar”.

O segundo eixo da gestão pedagógica na relação da escola com as famílias diz respeito à partilha. Disputas e julgamentos têm dificultado a relação com as famílias, especialmente quando se busca impor “o melhor para a criança”, baseando-se em julgamentos atravessados por valores religiosos, estéticos e relativos ao gênero, que revelam preconceitos com base em percepções diferentes (Maranhão e Sarti).

Assim é que ressaltamos a diversidade de experiências que a família e a escola possibilitam para as crianças. Uma provê uma educação doméstica, em âmbito privado. A outra, uma experiência de educação coletiva. Elas podem até conflitar, mas não se excluem. Partilhar esse projeto educativo parece ser um caminho que favorece a integralidade do desenvolvimento da criança. Vale ressaltar que isso não quer dizer que a escola ou a família têm que concordar completamente com as práticas educativas desenvolvidas em cada um dos grupos familiares que compõem a sua comunidade, mas são importantes nessa interação o acolhimento e a possibilidade de dialogar a respeito do projeto pedagógico que se constitui com vistas ao desenvolvimento das crianças.

O encontro desses mundos constitui ainda a riqueza desse projeto pedagógico, especialmente se pensamos em importantes aprendizagens da criança, que são a vida em sociedade, o respeito e o diálogo em torno das diferenças e a superação de preconceitos de gênero e de variedades linguísticas, sociais e religiosas, entre outras.

O projeto "Dê Asas à Sua Imaginação: Mara Calvis" nos ajuda a pensar o quanto é possível constituir um solo comum, que fortaleça a partilha de um projeto educativo que se enriquece para a criança, a partir da conexão com a sua comunidade.

Muitas vezes, quando falamos em partilhar um projeto, pensamos na dificuldade que é superar divergências e conflitos. Contudo, se ultrapassarmos essa primeira camada, podemos pensar no projeto educativo das crianças como responsabilidade de uma “aldeia”. A “aldeia” se faz, especialmente, por aquilo que a constitui como um coletivo, com um solo comum. Trazer personagens da história local amplia o repertório das crianças e dos adultos (pais e professoras/es) direcionando o seu olhar para aquilo que é bastante próprio de sua identidade. Esse movimento pode favorecer laços para o fortalecimento dessa comunidade.

Nessa direção, também o "Projeto Sacola Viajante – Literatura Infantil" se coloca. Partilhar com a família as obras de literatura que possam ser lidas na escola e em casa é um caminho interessante para que a criança possa perceber essa aproximação dos adultos que parceiram a sua educação.

Por fim, a promoção da participação das famílias é um terceiro eixo de trabalho com o qual a equipe deve se dedicar. Para isso, há que se ressaltar que essa participação não é apenas desejada, mas configura um aspecto necessário à consolidação de um projeto educativo que articula o repertório de vivências que a criança constrói no âmbito da família ao repertório da cultura em outro contexto, ampliando assim as possibilidades de aprendizagem na Educação Infantil. Na Base Nacional Curricular Comum, essa ideia está colocada, ressaltando uma concepção que vincula cuidado e educação:

Nesse contexto, as creches e pré-escolas, ao acolher as vivências e os conhecimentos construídos pelas crianças no ambiente da família e no contexto de sua comunidade, e articulá-los com suas propostas pedagógicas, têm o objetivo de ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando novas aprendizagens, atuando de maneira complementar à educação familiar – especialmente quando se trata da educação dos bebês e das crianças bem pequenas, que envolve aprendizagens muito próximas aos dois contextos (familiar e escolar), como a socialização, a autonomia e a comunicação (p. 36, grifo nosso).

Assim, na sua atuação, a instituição de Educação Infantil tem uma responsabilidade na construção desse projeto coletivo e a tarefa de favorecer caminhos de participação das diversas famílias que compõem a sua comunidade escolar.

Também as práticas pedagógicas podem ajudar nesse aspecto quando favorecem a construção de relações democráticas e cuidadosas com o outro. O projeto "Palavras Mágicas Encantando a Vida" busca fazer isso, chamando a atenção para uma construção positiva de autoimagem e também do outro. Faz referência ao Ubuntu, referência trazida aqui nesse texto, para dizer do bem comum, da cooperação e da solidariedade. A professora também percebeu reações de preconceito, devido à origem do conto, e se preparou para trabalhar com elas. Por meio da prática com as crianças, congregou as famílias e pôde trabalhar no espaço institucional as relações de convivência e de direito de todas/os à participação.

Certamente, ao ler sobre este assunto, o da relação entre as famílias e as escolas, fica uma grande inquietação. Será que é possível? Sim, parece que é. Boas experiências de Educação Infantil têm mostrado o quanto os projetos pedagógicos são fortalecidos – e, nesse sentido, também as experiências de bebês e crianças na Educação Infantil – quando toda a “aldeia”, ou seja, a comunidade, participa e dialoga, com vistas à qualidade dessa educação.

Para isso, faz-se necessário (re)pensar concepções e práticas próprias e institucionais, de forma que os esforços de aproximação sejam sempre mais potentes e desejados do que os receios e afastamentos em relação àquilo que me é divergente. Que possamos em cada comunidade escolar congregar aldeias e projetos de educação de boa qualidade para as crianças.


Práticas empreendedoras na escola

Nas três práticas relacionadas ao tema empreendedorismo, há relatos muito interessantes de experiências implementadas com sucesso. De fato, atividades empreendedoras são extremamente engajadoras e estimulantes por serem naturais em uma grande parte das pessoas. Poucas são as crianças que nunca brincaram de vender limonada na esquina de casa, os adolescentes que nunca venderam coisas na escola para fazer uma caixinha necessária, as mulheres que nunca utilizaram seus dons naturais ou aprendidos em casa para empreender e ajudar no sustento da família.

Nesses relatos de sucesso, identificamos traços de atividades de empreendedorismo clássico, de empreendedorismo social e de serviço social, mas não fica claro se professores e alunos compreenderam plenamente a natureza de cada atividade e de seus objetivos. Para que as atividades de empreendedorismo possam ser desenvolvidas na escola com resultados positivos para uma aprendizagem com postura empreendedora, é útil esclarecer os diferentes tipos de empreendedorismo com seus limites, possibilidades e regras.

Trata-se, de fato, de transformar as populares atividades de compra e venda simuladas na escola, tão úteis como cenário de desenvolvimento de competências variadas, em práticas de aprendizagem para o empreendedorismo propriamente dito.

[...] para aprender a empreender, é necessário desenvolver inúmeras competências gerais e específicas, bem como habilidades previstas na BNCC para todos os ciclos escolares.

Hoje, o empreendedorismo entre os jovens ou mesmo no âmbito da família, precisa ir além da atividade informal desenvolvida com pouco ou nenhum planejamento e gestão.

Com as transformações recentes nas relações de emprego, o empreendedorismo vem ganhando cada vez mais seriedade e importância.

Ele precisa ser aprendido em idade precoce, pois certamente será útil muito antes do que se pensa. Além disso, para aprender a empreender, é necessário desenvolver inúmeras competências gerais e específicas, bem como habilidades previstas na BNCC para todos os ciclos escolares.

E, finalmente, toda ação de empreendedorismo tem um objeto relacionado a um componente ou a um conjunto de componentes curriculares. Isso traz para as atividades de aprendizagem uma seleção perfeita de assuntos propícios para a aprendizagem inter e transdisciplinar.

Tipos de empreendedorismo

É útil aqui distinguir entre três tipos de empreendedorismo: o clássico, o social e o serviço social. Adicionalmente, falaremos também de ativismo social.

O empreendedorismo clássico é projetado para gerar lucro financeiro. Desde o início, a expectativa é que o empreendedor e seus investidores obtenham algum ganho financeiro pessoal. O lucro é a condição essencial para um empreendimento sustentável.

Traços importantes e característicos do empreendedorismo clássico estão presentes nas práticas relatadas pela professora Letícia Sant’ana, da EMEF Eugênio Pinto Sant'Anna, em Domingos Martins (ES).  Em torno da construção, houve o desenvolvimento e a exploração comercial de uma horta escolar e de pequenas hortas domésticas nas casas dos alunos participantes – essas práticas geraram múltiplas atividades iniciais de planejamento, produção e gestão e foram finalizadas com uma experiência de lucro:

“Os estudantes ficaram empolgados por terem participado da feira livre e, é claro, por terem arrecadado um bom dinheiro, que serviu para uma ida ao cinema e uma feliz tarde em Vitória, capital do Espírito Santo.”

Um segundo tipo de empreendedorismo é o social, que não tem como prioridade criar lucros financeiros substanciais para seus investidores. O empreendedor social encontra seu maior valor nos benefícios transformadores em maior ou menor escala, que possam ser gerados em um segmento significativo da sociedade ou na sociedade em geral. Geralmente, a proposta de valor do empreendedorismo social é planejada para uma população carente ou altamente desfavorecida, sem recursos ou influência para conseguir transformar sua vida por conta própria. Porém, um empreendimento social pode gerar renda e pode ser organizado com fins lucrativos. Para se desenvolver, depende de três passos:

  • Identificação de um equilíbrio estável, porém injusto, gerador de exclusão, marginalização ou sofrimento para um grupo social.
  • Identificação de uma oportunidade de desenvolvimento de uma proposta com valor social e potencialmente transformadora para o grupo identificado.
  • Criação de um novo equilíbrio estável que assegure um futuro melhor para o grupo alvo.

Nos relatos oferecidos, várias práticas foram apresentadas sob a rubrica empreendedorismo social. Uma análise mais cuidadosa dos objetivos e dos resultados de cada uma, no entanto, permite classificá-las mais como serviço social ou ativismo social do que como práticas de empreendedorismo. Elas são diferentes do empreendedorismo clássico e do empreendedorismo social, como veremos a seguir.

A assistência social é uma resposta a um problema social identificado e acolhido com coragem por alguém. Pode se transformar em uma solução para o problema, mas na maioria das vezes isso não acontece, uma vez que o problema é geralmente complexo e é gerado fora do escopo da assistência. A assistência social normalmente precisa atrair recursos e sofre com sua vulnerabilidade. Sem uma base forte de apoio contínuo que mantenha a assistência social, ela é naturalmente mais frágil.

Como sinalizado anteriormente, ótimos exemplos de práticas de assistência social podem ser encontrados no relato da professora Sarita Maria Pieroli, do Colégio Estadual Marcelino Champagnat, em Londrina (PR). Com um grupo de alunos, ela desenvolveu o projeto Os amigos do amanhã. Essa prática foi desenvolvida em um lar para idosos e tinha como objetivos acolher pessoas idosas com vínculos familiares rompidos ou fragilizados; possibilitar a convivência comunitária; restabelecer vínculos familiares; diminuir o preconceito e estereótipos com relação ao envelhecimento; proporcionar um envelhecimento mais saudável e mais feliz; e promover a convivência de jovens e idosos.

Com outros grupos de alunos, ela desenvolveu as atividades de serviço social Champanimal e Patrulha Canina, ambos dirigidos ao bem-estar de cachorros no entorno escolar.

Todas essas atividades de serviço social foram marcadas por um forte conjunto de ações de planejamento e gestão.

O ativismo social, por sua vez, trabalha no plano da influência, mais do que no plano da ação. O ativista social pode provocar transformações por meio de ação indireta sobre governos, ONGs, consumidores e trabalhadores para que estes, sim, sejam os agentes das mudanças.

A professora Sarita Maria Pieroli e os alunos também desenvolveram um projeto de ativismo social denominado Meio ambiente e sustentabilidade. Por meio de um conjunto de atividades cuidadosamente orquestradas, conseguiram conscientizar a comunidade escolar sobre.

“[...] temas relacionados ao meio ambiente e à cidadania. Utilizamos materiais recicláveis para a confecção de floreiras e a criação de uma horta hidropônica no colégio. Coletamos água dos aparelhos de ar-condicionado e da chuva para regar as plantas. Fizemos coleta de lixo após as aulas e realizamos palestras de conscientização e preservação, desenvolvendo assim uma cultura de atitudes para o desenvolvimento sustentável do nosso planeta.”

Essa discussão sobre diferentes tipos de empreendedorismo e sobre as diferenças fundamentais entre empreendedorismo, serviço social e ativismo social é importante porque pode ajudar professores e alunos a ter mais clareza sobre o que estão fazendo, sobre seus objetivos e sobre os benefícios que essa aprendizagem pode trazer no âmbito do desenvolvimento de competências úteis e necessárias para seu projeto de vida presente ou futuro.

Resumo histórico do pensamento empreendedor

O conceito de empreendedor aparece no final da Idade Média, primeiro ligado a construtores como administradores que não corriam riscos (HISRICH E PETERS, 2009).

A partir do século XVII, o risco é associado ao conceito do empreendedorismo, conceito esse de base econômica que agrega o risco aos componentes de lucro e inovação.

A partir daí, já na era da industrialização, seu significado se desenvolve a partir das grandes mudanças no mundo do trabalho: uso intensivo de tecnologias, produção industrial em escala, abandono gradual da produção artesanal e surgimento da figura do capitalista, o dono do capital, que passa a financiar as invenções motivadas pela industrialização e desenvolvidas pelos empreendedores. A imagem do empreendedor passa então a ser vinculada à inovação.





No início do século XX, as Ciências Sociais passam a contribuir para estudos sobre empreendedorismo e comportamento empreendedor, lançando luzes sobre a importância de fatores como:

  • carisma;
  • motivação;
  • realização;
  • independência;
  • autoconfiança;
  • cognição;
  • capacidade de gerar soluções e desenvolvimento a partir de decisões internas ou reforços externos (Locus de controle).

Estabelece-se, então, uma visão de empreendedor inovador, orientado para a transformação dos padrões de produção e criação de novos produtos.

[...] o empreendedorismo é mais que tudo uma postura e um espírito que permitem ao empreendedor encarar problemas como oportunidades e cultivar, acima de tudo, a capacidade de estar atento e de tomar decisões.

Hoje, o empreendedorismo é mais que tudo uma postura e um espírito que permitem ao empreendedor encarar problemas como oportunidades e cultivar, acima de tudo, a capacidade de estar atento e de tomar decisões. Atento aos riscos, às oportunidades, aos processos e aos comportamentos para gerar decisões transformadoras e benéficas para o empreendimento e o grupo social que dele se beneficia.

Apesar de haver diferenças entre o empreendedorismo comum e o empreendedorismo social, como vimos anteriormente, a verdade é que os empreendedores raramente são motivados pela perspectiva de ganho financeiro, porque as chances de ganhar muito dinheiro são raras. Mais do que pelo lucro, os empreendedores são fortemente motivados pela oportunidade que identificam (MARTIN & OSBERG, 2007, 2015). Eles perseguem essa visão de oportunidade e obtêm recompensa psíquica no processo de realização de suas ideias. Independentemente de operarem em um mercado ou em um contexto sem fins lucrativos, raramente os empreendedores são totalmente recompensados pelo tempo, risco e esforço despendidos na atividade de empreender.

Comentários finais

Atividades empreendedoras são um excelente cenário para o desenvolvimento de competências e habilidades em vários âmbitos, além de oferecerem situações altamente propícias a práticas escolares interdisciplinares. Para benefícios mais significativos na esfera da aprendizagem para a vida, é necessário trabalhar as práticas relativas ao empreendedorismo de maneira mais consistente, dando a essa atividade na escola a seriedade que ela merece e que ela exigirá dos alunos em sua vida profissional, qualquer que seja sua escolha. Uma postura empreendedora está sempre relacionada ao desenvolvimento de qualidades socioafetivas e cognitivas desejáveis.

Saiba mais!

Referências bibliográficas:

FRANCO, Jheine Oliveira Bessa; GOUVÊA, Josiane Barbosa. A cronologia dos estudos sobre o empreendedorismo. Revista de empreendedorismo e gestão de pequenas empresas. V. 5, n. 3, 2016.

MARTIN, Roger; OSBERG, Sally.Social Entrepreneurship: The Case for Definition. Stanford Social Innovation Review, 2007.

_______.Two Keys to Sustainable Social Enterprise. Harvard Business Review, maio 2015.


O uso de metodologias ativas colaborativas e a formação de competências

Na leitura dos relatos e avaliações apresentados pelos professores de diversas escolas de Ensino Fundamental espalhadas pelo Brasil, você perceberá como o uso de metodologias ativas colaborativas – dentre elas os jogos de tabuleiro e/ou games – é importante para a aprendizagem significativa do estudante, o que reforça a ideia de que pensar em educação nos dias atuais implica em apropriar-se das melhores técnicas de aprendizagem e de recursos lúdicos para tal. A função motivacional dos jogos e, consequentemente, o despertar pela aprendizagem de conteúdos escolares são uma das principais características percebidas pelos professores que adotam essa metodologia.

Como diz o professor Rafael Lopes, da EMEIF Professor Manoel Magalhães Nogueira, de Curralinho (PA), que utilizou o jogo RPG:

“[...] esse gênero de jogo foi um catalisador para a leitura e a escrita, além de exercitar a criatividade e abrir portas para diversos outros conhecimentos das ciências humanas, exatas e biológicas [...]. A ideia de fazer um jogo motivou e desafiou os alunos, que se envolveram e interagiram com todas as etapas do projeto”.

A aprendizagem significativa é aquela que possibilita a construção do sujeito. Para tanto, o conhecimento é construído e reconstruído dialeticamente pelos educadores e aprendizes e, a partir dessa reconstrução, o estudante desenvolve competências que o torne autônomo, questionador e consciente da necessidade de um constante aprendizado, que está sempre inacabado.

Na construção da aprendizagem, o educador é o responsável pelo engajamento do aluno, assumindo o papel de designer de experiências cognitivas, estéticas, sociais e pessoais.

Na construção da aprendizagem, o educador é o responsável pelo engajamento do aluno, assumindo o papel de designer de experiências cognitivas, estéticas, sociais e pessoais. Cabe a ele a condução da formação de competências e a colaboração no processo para que o estudante aprenda a aprender. Diante de interesses e necessidades, o educador se torna mediador e procura instigar o aprendiz à pesquisa e ao desenvolvimento de uma visão crítica, por meio de formulação de problemas e hipóteses. Nesse processo, cabe ao estudante ser protagonista da sua aprendizagem.

Quando falamos de autonomia para aprender, entendemos por autonomia a capacidade do indivíduo em desenvolver a sua própria aprendizagem por meio da construção interdependente entre pares e com consciência sobre os seus objetivos e estratégias de ação. Conforme explica Vygotsky, um dos estudiosos de referência em desenvolvimento da aprendizagem, a autonomia plena, denominada por ele como “zona real”, é o processo que conseguimos realizar por conta própria, e a “zona potencial” é quando o nosso nível de autonomia é bastante baixo e só conseguimos realizar o processo com a mediação de alguém. A diferença entre essas zonas, chamada de “zona proximal”, é o potencial de desenvolvimento de autonomia, a ser trabalhado no processo de aprendizagem. Sendo assim, a autonomia para aprender continuadamente é conquistada ao longo do tempo, a partir de sucessivos aprendizados. Ela será fruto de diferentes estratégias didáticas intencionais e sistematizadas que propiciarão o desenvolvimento das competências essenciais para este fim.

Para sintetizar o que explica Vygotsky, veja o infográfico a seguir:

Para aprender ao longo da vida com autonomia, é preciso saber construir conhecimento, individualmente e de forma colaborativa. A construção do conhecimento está associada ao processo de acesso à informação e à sua significação subjetiva, ou seja, o aprendiz transforma a informação em algo que faça sentido para ele, a partir do “diálogo” com seus conhecimentos prévios, suas emoções e sua maturidade cognitiva de processamento. O conhecimento é algo pessoal e quanto mais conhecimento crítico, maior a possibilidade de ampliação de conhecimentos.

Quando trabalhamos com metodologias ativas – colaborativas e cooperativas (collaborative and cooperative learning) –, que integram o grupo de técnicas Inquiry-Based Learning (IBL) e que tem suas raízes na visão de Vygotsky, de que existe uma natureza social inerente ao processo de aprendizagem – base de sua teoria de Desenvolvimento por Zona Proximal (DZP) – a construção do conhecimento permite o desenvolvimento de importantes competências, como:

  • saber buscar e investigar informações com criticidade (critérios de seleção e priorização) a fim de atingir determinado objetivo, a partir da formulação de perguntas ou de desafios dados pelos educadores;
  • compreender a informação, analisando-a em diferentes níveis de complexidade, contextualizando-a e associando-a a outros conhecimentos;
  • interagir, negociar e comunicar-se com o grupo, em diferentes contextos e momentos;
  • conviver e agir com inteligência emocional, identificando e desenvolvendo atitudes positivas para a aprendizagem colaborativa;
  • ter autogestão afetiva, reconhecendo atitudes interpessoais facilitadoras e dificultadoras para a qualidade da aprendizagem, lidando com o erro e as frustrações, e sendo flexível;
  • tomar decisão individualmente e em grupo, avaliando os pontos positivos e negativos envolvidos;
  • desenvolver a capacidade de liderança;
  • resolver problemas, executando um projeto ou uma ação e propondo soluções.

O uso de jogos como meio para a aprendizagem é, sem dúvida, uma grande iniciativa para o desenvolvimento dessas relevantes competências para a vida do aprendiz. Entretanto, no momento da pesquisa e seleção dos jogos, e´ necessário identificar de que maneira o recurso desenvolve o conteúdo curricular, promove o engajamento do aprendiz e o desenvolvimento de suas competências. Esse é um grande desafio para os educadores, que, por sua vez, assim como os estudantes, também devem estar abertos ao novo, a “aprender a aprender”.

Para aqueles educadores que estão interessados em novos desafios e que querem aprimorar as suas aulas, tornando-as mais dinâmicas e interessantes, fica aqui uma dica:

  • Que tal aprender o uso e a aplicação de jogos/games com os seus próprios estudantes que possuem esse conhecimento e essa habilidade?

Essa atividade, além de colaborar com o planejamento das aulas, pode ser muito interessante para a construção de laços positivos entre educadores e educandos.

Referências bibliográficas

COLLINS, Heloisa. Distance Learning, Autonomy Development and Language: Discussing Possible Connections. DELTA, São Paulo , v. 24, n. spe, p. 529-550, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44502008000300008&lng=en&nrm=iso&tlng=en>. Acesso em: 8 fev. 2019.

EDUCATIONAL BROADCASTING CORPORATION. Cooperative and Collaborative Learning. 2004. Disponível em: http://www.thirteen.org/edonline/concept2class/coopcollab/index.html>. Acesso em: 3 fev. 2019.

JOHNSON, David W. et al. Active Learning: Cooperation in the College Classroom. Edina: Interaction Book Company, 2006.

NISE (National Institute for Science Education). What’s the Difference Between Collaborative and Cooperative Learning?. 2003. Disponível em: http://www.wcer.wisc.edu/archive/cl1/CL/question/TQ13.htm>. Acesso em: 3 fev. 2019.

RADENCICH, M.; MCKAY, L. Flexible Grouping for Literacy in the Elementary Grades. Boston: Allyn & Bacon, 1995.

RANDALL, V. Cooperative Learning: Abused and Overused?. The Education Digest, 65, n. 2, October, 1999, p.29-32.

SRINIVAS, Hari. University of Texas, Teaching Resource Center. Collaborative Learning Structures and Techniques. 2015. Disponível em: http://www.gdrc.org/kmgmt/c-learn/methods.html>. Acesso em: 3 fev. 2019.

VYGOTSKY, L. S. Mind in Society – The Development of Higher Psychological Processes. Cambridge: Harvard University Press, 1978.


Projeto de vida: Ser ou existir?

O projeto de vida traz a possibilidade de arquitetar, conceber e plasmar o que está por vir. O ser humano tanto pode idealizar uma bomba, quanto a cura para uma doença. As escolhas dos estudantes decorrem de influências intrínsecas e/ou extrínsecas e, no que tange ao apoio da escola, do compromisso de seus atores com a ética, a ciência tanto pode atender aos interesses mercadológicos, estando a serviço do consumo desenfreado, da competitividade e das guerras, quanto do coletivo, visando a paz, a lucidez e o bem comum.

“Idealizar a própria vida é ter consciência da responsabilidade de cada um em sua atuação social, descobrindo-se a si mesmo, aos outros e o meio em que vive".

Projetar a vida perpassa por questionamentos sobre as diferentes violências físicas e simbólicas que se configuram diante das desigualdades sociais, étnicas e de gênero. Idealizar a própria vida é ter consciência da responsabilidade de cada um em sua atuação social, descobrindo-se a si mesmo, aos outros e o meio em que vive. É o momento em que são percebidas as tantas formas e jeitos de ser. É também quando alguns dos preconceitos construídos socialmente atingem e afetam as crianças, o que pode ser revertido a partir do compromisso da escola em importar-se com o outro.

Muitas vezes, nos projetamos para uma vida produtiva, pensando no mundo do trabalho, e, por isso mesmo, em mecanismos para conseguir um emprego. É como se a criança ainda não fosse nem precisasse ser um trabalhador, enquanto o idoso já concluiu essa fase. A isso chamaríamos vida? 

Projeto de vida: Qual é o nosso destino?

Uma das maneiras de buscar respostas às perguntas iniciais da existência, tais como: “Quem sou? Por que existo? Por que existe tudo e não nada?”, é por meio do autoconhecimento. Por ele, inicia-se a construção da identidade pessoal.

Muitos alunos relatam ou demonstram, direta ou indiretamente, não serem merecedores de sonhar, de modo que grande parte da energia dos professores reside em superar determinismos geográficos ou biológicos e despertar nos adolescentes a vontade deles quererem algo para si, reforçando que a escola é:

  • espaço de acesso ao conhecimento;
  • ampliação do universo cultural;
  • ascensão social e profissional.

A instituição escola é, também, um espaço privilegiado para descobertas quanto ao mistério da vida. Da poesia à biologia, do astrônomo ao filósofo, do artista à criança sempre há possibilidades de diálogo, produção, pensamento, debate e desenvolvimento do verdadeiro potencial humano que supera a repetição e a imitação, pois se vê capaz de:

  • criar;
  • sentir;
  • pensar;
  • inventar;
  • inovar;
  • querer;
  • ousar. 

Esse modo de olhar para o estudante em sua integralidade envolve a unidade entre corpo e mente, pois compreende aspectos cognitivos e afetivos, intelectuais e práticos, políticos, singulares e coletivos, ou seja, implica em ser receptivo para os aspectos humanos que passam a ser explorados intencionalmente. É a vez de identificar preferências e habilidades. Essa educação interdimensional visa contemplar equilibradamente aspectos racionais, relacionais, físicos e irrespondíveis, como “o que é a morte”, “a que se destina nossa existência”, pois o “eu” e o “tu” transcendidos no “nós” trazem ao projeto de vida algo para além do indivíduo. Trata-se do ser e do querer ser que dependem da confiança, da escuta atenta, da percepção de si e do outro, do apoio familiar, da aprendizagem, da comunicação oral e escrita para interagir com a comunidade, de saber argumentar e defender pontos de vista, do reconhecimento dos pontos fortes e das fragilidades do projeto, visando formar um cidadão autônomo, solidário e competente.

Um dos impasses que circundam a vida dos adolescentes e jovens é o de conciliar os estudos com o trabalho. Muitas vezes a inserção precoce no mundo do trabalho, devido às necessidades de sobrevivência, impede que o projeto de vida seja direcionado, qualificado e consciente. Antes disso, já acontece o abandono escolar e o direito de aprender e de fazer escolhas é tolhido.

“[...] quanto mais o acesso e a permanência na escola tenham cenários desafiadores, tanto mais se fará necessário o convencimento da importância de que o projeto de vida se conecte e se integre aos itinerários formativos a serem escolhidos pelos estudantes.”

Por mais que se estabeleça um ponto de chegada (com conhecimentos mínimos e um projeto de vida), revelando um desejo de igualdade (com a BNCC), o ponto de partida torna-se tanto mais desafiador quanto a consciência do papel do sonho na vida de cada um; ou seja, quanto mais o acesso e a permanência na escola tenham cenários desafiadores, tanto mais se fará necessário o convencimento da importância de que o projeto de vida se conecte e se integre aos itinerários formativos a serem escolhidos pelos estudantes.

Assim, a promoção da equidade conta com práticas pedagógicas inclusivas e de diferenciação curricular para reverter a situação de exclusão histórica que marginaliza alguns grupos no Brasil.

Quais benefícios os jovens adquirem ao realizar o projeto de vida?

O índice de felicidade humana considera aspectos como:

indicadores que avaliam a autoestima, a percepção de competência, estresse.

indicadores medidos a partir de padrões de comportamento arriscado, tais como horas de sono, frequência de exercícios físicos e alimentação saudável.

divisão que cada um faz, considerando horas perdidas no trânsito; vitalidade comunitária (examina a sensação de acolhimento).

envolve estudos formais e informais, preocupação e diálogo da família com relação às ações que demonstrem avanços nas questões ambientais e solidárias.

oportunidade de desenvolvimento do potencial criativo; respeito às questões étnico-raciais e de gênero.

percepção da qualidade dos recursos naturais.

relação de confiança e transparência detectada partindo do relacionamento com as diferentes instituições que o cercam.

renda, segurança e nível de endividamento.

Pode-se dizer que a realização das atividades direcionadas à confecção do projeto de vida afeta, proporcionalmente, na sensação de felicidade. Pode-se afirmar que planejar a vida é evitar o sofrimento.

São muitas as atitudes que decorrem do projeto de vida consciente. Em primeiro lugar, o entendimento de que a felicidade é coletiva. Depois, pensar sobre o mundo do trabalho na escola é um jeito de ensinar a administrar o dinheiro adquirido com o trabalho, consumo consciente, uso responsável de bens e serviços públicos, educação financeira, alimentação saudável, busca da saúde e da qualidade de vida, bem como melhoria da disciplina.

O projeto de vida pode contar com avaliações contínuas que identifiquem o índice de:

  • cooperação;
  • comunicação;
  • partilha/ações direcionadas ao compartilhamento;
  • escuta;
  • prazer;
  • interação;
  • felicidade.

A projeção para o mundo do trabalho é um dos focos do projeto de vida. Entretanto, é importante que o projeto de vida se contextualize no mundo do trabalho, mas também que saibamos que trabalho é exatamente essa capacidade de projetar e idealizar, transformando a natureza, diferente de emprego, atividade remunerada, típica da sociedade industrial, donde se extrai que a pessoa é produtiva durante certo período da vida e improdutiva, quando criança ou quando idosa.

Para pensar nisso, diferentes estudos apontam para o questionamento da desvalorização dos tempos considerados improdutivos, seja por desemprego, infância, juventude ou velhice.

“Quais habilidades poderiam ser desenvolvidas para a construção de um mundo melhor?”

Dito de outro modo, como desenvolveríamos um projeto de vida que se transpassasse em nós? Que tivesse no horizonte não apenas um emprego, mas a própria existência, já que grande parte dos estudantes ouvem sobre sua “inutilidade" antes de serem inseridos no mercado de trabalho.

Quais habilidades poderiam ser desenvolvidas para a construção de um mundo melhor? Personalidades como Mahatma Gandhi inspiram a todos, pois propiciam reflexões mais profundas sobre o destino da vida, sem esquecer da relação entre trabalho e prazer, da busca pela satisfação pessoal e pelo aprimoramento do ser.

Para crianças do Ensino Fundamental, projetar a vida adulta com simulações de experiências do mundo do trabalho mais lúdicas, métodos ativos, encenações, brincadeiras, jogos cooperativos e teatrais mantêm o brilho e a espontaneidade, além de contribuir para o processo de internalização de regras e saberes.

À medida que os aspectos cognitivos e socioemocionais vão se desenvolvendo, os adolescentes do Ensino Médio já dialogam, escrevem, argumentam e experimentam com caminhos entre os da vida adulta e os da infância, tendo de haver ponderação conforme a maturidade de cada grupo, sem perder o foco na responsabilidade, na empatia, na ética e na busca pela felicidade.

Em um pensamento holístico, os estudantes de EJA podem reviver sensações da infância em um memorial com a intenção de que as lembranças gerem trabalho mental, o que ao mesmo tempo descontrai e traz reflexão para a criação de outros desenhos, considerando os caminhos já trilhados, com a compreensão dos motivos que os trouxeram de volta à escola. 

Saiba mais!

Conheça importantes referências bibliográficas sobre o tema Projeto de Vida:

BEAUVOIR, Simone de. A velhice. O mais importante ensaio contemporâneo sobre as condições de vida dos idosos. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

WISNIK, José Miguel. Cajuína transcendental. Série Temas. V. 59.  São Paulo: Editora Ática.

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

ROSA, J. G. “O espelho”. In: _______. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1972.

ROSA, J. G. Cara-de-bronze. In: _______. No urubuquaquá, no Pinhém. 7. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984


O lugar do lúdico na Educação Infantil

Vamos refletir um pouco acerca da Educação Infantil e da infância?

Ora, se a Educação Básica começa na Educação Infantil, se a criança frequenta esse espaço, por direito desde bebê – na creche – e obrigatoriamente a partir dos quatro anos – na pré-escola –, e se a infância nos remete a brinquedos, brincadeiras, barulho, alegria, encantamento, imaginação, fantasia, liberdade, magia, entre outras meninices, por que temos dificuldade de transformar a instituição de Educação Infantil em um lugar lúdico de fato?

Uma das respostas poderia ser: porque a escola é, tradicionalmente, o lugar para promover o pensamento, a cognição, a reflexão, portanto, um lugar que requer disciplina, organização e silêncio. Nessa concepção de escola, só cabe a cabeça, o corpo, não. O corpo ocuparia outro lugar, estaria no âmbito privado, e, sendo assim, brincar, correr e movimentar-se seriam atividades que a família deveria proporcionar para a criança.

Se o argumento for esse, o nosso contra-argumento poderá ser: a escola se desenvolveu com tal rigor, porque ela não foi idealizada para receber crianças. As crianças foram paulatinamente ocupando esse espaço, sendo que as bem pequenas, só muito recentemente.

No entanto, hoje as crianças de todas as classes sociais frequentam desde muito pequenas a escola, uma boa parte em período integral. E se considerarmos que as famílias estão menores, que os quintais também foram reduzidos, e que as ruas e praças tornaram-se lugares hostis para as crianças, qual é então o lugar privilegiado para que a criança possa se socializar, interagir e brincar?

Estudos recentes revelam ser os primeiros anos os mais preciosos, pois é na primeiríssima infância que:

  • se formam, com mais celeridade e consistência, as sinapses cerebrais que definem as capacidades, as habilidades e o potencial intelectual e social da pessoa;
  •  as crianças, por meio das brincadeiras, reelaboram situações, enfrentam desafios, resolvem conflitos, desenvolvem o raciocínio e a criatividade, levantam hipóteses etc.

Portanto, faz-se necessário que os espaços sejam urgentemente ressignificados, a fim de garantir que as crianças possam brincar, investigar, correr, pesquisar, pois quanto mais lúdico, cuidadoso, acolhedor, propositivo e desafiador for o ambiente educacional maior será o desenvolvimento da criança.

Para tanto, não é preciso inventar a roda, basta se apoiar nos documentos oficiais, como a Síntese das Diretrizes Curriculares da Educação Básica (CNE), as quais enfatizam que os eixos norteadores das práticas pedagógicas devem ser as interações e as brincadeiras, garantindo às crianças as mais diversas experiências, envolvendo as múltiplas linguagens; e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que define seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento, os quais devem ser assegurados a todas as crianças, a saber:

Conviver

Brincar

Participar

Explorar

Expressar

Conhecer-se

Diante do exposto, a aposta é que a ludicidade deve ser o ponto de partida dos currículos da Educação Infantil.

Saiba mais sobre o tema no vídeo a seguir


Um olhar para a educação multi-hipermídia

SALA DE AULA – DIA
Sala pequena e iluminada. Cadeiras e mesas espalhadas. Três garotas e seis rapazes, com um tablet, gravam suas vozes e filmam uns aos outros. Animados conversam, em língua paiter, sobre o aplicativo que estão desenvolvendo e anotam numa folha colorida a palavra “identidade”. Uma das garotas observa, fixamente, as nuances da luz do sol. Ela pega um celular do bolso e caminha lentamente em direção à janela. Os sons da mata ficam mais altos. Calmamente, posiciona o celular no batente da janela de madeira. A garota olha para fora e percebe no chão uma grande poça d’água. No reflexo da poça, se vê. Com o celular, tenta capturar o reflexo de sua imagem.

Reflita sobre a situação descrita no texto e registre uma palavra que a relacione à aprendizagem.

O texto que abre este post é um exercício de imaginação inspirado na prática descrita pelo educador Luiz Weymilawa Suruí, de Cacoal, Rondônia. Na passagem, a aluna-protagonista parece fazer uma descoberta ao atribuir sentido e significado a uma simples foto de si mesma, assimilando as reflexões desencadeadas ao longo da produção do aplicativo: “Realizamos pesquisas com as pessoas mais velhas e sábias de nossa comunidade. Discutimos o uso da tecnologia de forma positiva e como um instrumento de luta e preservação da nossa identidade paiter”, conta o professor Luiz.

Já na cidade de Valença do Piauí, a problemática enfrentada pela escola estava relacionada com o “outro”. O professor Antonio Freitas cita a relação de preconceito racial, regional e religioso entre seus alunos na escola piauiense; logo, o projeto desenvolvido objetivou a promoção de uma cultura de paz. Aqui, o foco não foi a produção midiática, mas sim uma leitura crítica de imagens, músicas e filmes, necessária por conta de frases como esta: “Professor, eu assisti a um vídeo de um cientista no YouTube, e ele comprovou 100% que o racismo é da genética humana; é perda de tempo discuti-lo".

Nos exemplos, a linguagem multimídia instrumentaliza reflexões; possibilita novos espaços de expressão e criação; facilita o trabalho coletivo e colaborativo; e, sobretudo, potencializa a construção de novos sentidos. E por quê?

Não é uma exclusividade do século XXI a presença de tecnologias na escola, seja elas o giz, o livro ou o videocassete. No Brasil, inclusive, foi instituído em 1937 o Instituto Nacional de Cinema Educativo (Ince), cuja função era “promover e orientar a utilização da cinematographia, especialmente como processo auxiliar do ensino, e ainda como meio de educação popular em geral.” (BRASIL, 1937, art.40). No entanto, a iniciativa não dialogava com a formação de professores e muito menos com os alunos, ficando restrita à produção, cópias e exibição. Um clássico da época é o videoclipe A Velha a Fiar!

Retomando o questionamento, podemos pressupor que os impactos positivos da multimídia na aprendizagem estão diretamente relacionados com a sensibilidade, a criatividade, a criticidade, o planejamento, a mediação e as habilidades digitais dos educadores e educadoras; o que não reduz o papel da comunidade escolar e da infraestrutura.

Antes de propor “uma ideia na cabeça e um celular no bolso”, há a necessidade de elaborar estratégias de letramento digital, o que consiste no domínio técnico das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs), mas também na capacidade de selecionar, avaliar, reorganizar, decodificar e atribuir sentido às TDICs, o que não pode desconectar-se de uma leitura de mundo, de contexto além das telas – para que o uso acrítico das mídias não reforce estereótipos, preconceitos e violências, como expõe o professor Antonio Freitas sobre o vídeo no YouTube.

"A leitura crítica implica, para mim, basicamente, que o leitor se assume como sujeito inteligente e desvelador do texto. Nesse sentido, o leitor crítico é aquele que até certo ponto “reescreve” o que lê, "recria” o assunto da leitura em função dos seus próprios critérios. Já o leitor não-crítico funciona como uma espécie de instrumento do autor, um repetidor paciente e dócil do que lê. Não há nesse caso uma real apreensão do significado do texto, mas uma espécie de justaposição, de colagem, de aderência.” Moacir Gadotti, Paulo Freire e Sérgio Guimarães)

Na citação, Paulo Freire refere-se à literatura; entretanto, podemos emprestar o raciocínio para o contexto das mídias. Por exemplo, essa frase poderia ser representada por um texto, por um vídeo ou por uma mensagem de Whatsapp. Ou, ainda, poderia ser um meme do acervo do Museu de Memes.

Multimídia não é só um CD-ROM – e nem está nos #trending topics

“É um conjunto de possibilidades de produção e utilização integrada de todos os meios da expressão e da comunicação, como desenhos, esquemas, fotografias, filmes, animação, textos, gráficos, sons, tudo isso animado e coordenado por programas de computador, utilizando-se de todos os recursos disponíveis para a gravação e reprodução desses elementos. Mais recentemente, possibilitando uma interação direta com os seus usuários e sua distribuição pelo ar ou por cabo sem perda de qualidade.” Nelson de Luca Pretto)

“A hipermídia é composta por conglomerados de informação multimídia (verbo, som e imagem) de acesso não sequencial, navegáveis por meio de palavras-chave semialeatórias. Assim, os ingredientes da hipermídia são imagens, sons, textos, animações e vídeos que podem ser conectados em combinações diversas, rompendo com a ideia linear de um texto com começo, meio e fim pré-determinados e fixos.” (Lucia Santaella)

“Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam estar falando. [...] A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo. [...] Nenhum de nós pode saber tudo; cada um de nós sabe alguma coisa; e podemos juntar as peças, se associarmos nossos recursos e unirmos nossas habilidades. A inteligência coletiva pode ser vista como uma fonte alternativa de poder midiático.” Henry Jenkins)

A verdade é que o conceito de multimídia – que podemos simplificar como a união de mídias dinâmicas (vídeo, por exemplo) e estáticas (fotografia) em suportes digitais – está desmanchando no ar!

Hoje, a informação que circula no ciberespaço transborda essa simples união de linguagens, desembocando na hipermídia. Sintetizando em uma #hashtag, multimídia seria #tudojuntoemisturado e a hipermídia seria #tudojuntomisturadoeforadeordem!

Mais abrangente, outro conceito tenta dar conta das complexidades desta era exponencial: a cultura da convergência, baseada no tripé convergência dos meios de comunicação, cultura participativa e inteligência coletiva.

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Aprofunde seus conhecimentos sobre a relação entre multimídia, hipermídia e a cultura de convergência, no TEDxNYED, com Henry Jenkins.

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E o que isso tem a ver com aprendizagem?

“Educação é o processo pelo qual aprendemos uma forma de humanidade. E ele é mediado pela linguagem. Aprender o mundo humano é aprender uma linguagem, porque os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo.” (Rubem Alves)

As mudanças nunca foram tão velozes. A vida hipermidiática demanda novas relações de ensino, aprendizagem, produção, construção e difusão do conhecimento, das quais a escola não pode ficar alheia. Embora haja esforços para a integração das mídias no processo educativo, esse movimento ainda se dá de maneira bastante linear, ou seja, multimídia. Artefatos como os Recursos Educacionais Abertos (REA) são pouco explorados, mesmo existindo um movimento global em torno da causa.

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Conheça diferentes repositórios de recursos educacionais presentes na educação a distância.

Blogs, redes sociais, espaços virtuais de aprendizagem, aplicativos, videoconferências, ferramentas colaborativas em tempo real (como o Google Drive) e espaços imersivos (como o Google Arts), entre tantas outras ferramentas – aliadas à inovação pedagógica, à gestão democrática e às políticas públicas consistentes – contribuiriam para uma aprendizagem mais significativa.


Métodos de diagnóstico inicial e processos de avaliação diversificados

As práticas de ensino comprometidas com a aprendizagem ativa dos estudantes, de modo geral, precisam conjugar três princípios básicos:

  • os conhecimentos prévios e as experiências dos estudantes;
  • o conteúdo a ser ensinado e sua natureza;
  • a variação de estratégias e o levantamento de múltiplas hipóteses didáticas.

O ponto de partida do trabalho desenvolvido em sala de aula é o levantamento dos conhecimentos prévios e o mapeamento das experiências dos estudantes, que podem (e devem) ser feitos de maneiras diferentes.

Verificar o que os estudantes sabem é condição fundamental para favorecer a escolha de estratégias didáticas que permitam ao professor provocar o estudante na construção de conhecimentos novos.

Para que esse processo seja bem-sucedido, alguns cuidados precisam ser tomados. O primeiro deles é ter consciência de que perguntar aos estudantes o que eles sabem sobre um determinado conteúdo não apenas é insuficiente, como também pode ser equivocado, dependendo da natureza (procedimental, conceitual, factual ou atitudinal) do conteúdo ou da aprendizagem que está em jogo. 

Verificar o que os estudantes sabem é condição fundamental para favorecer a escolha de estratégias didáticas que permitam ao professor provocar o estudante na construção de conhecimentos novos.

Não basta, por exemplo, perguntar aos estudantes se sabem produzir artigos de opinião. Para levantar o que eles sabem sobre a produção de um determinado gênero textual, é preciso examinar suas produções textuais. Da mesma forma, não é suficiente perguntar se sabem jogar basquete. É fundamental assisti-los durante essa prática esportiva, observando e registrando o que sabem e o que falta saberem, e levar essas informações em conta para planejar um percurso em que possam aprender o que for necessário para jogar bem. Nos exemplos apresentados, trata-se de conteúdos de natureza procedimental, cuja aprendizagem depende da prática supervisionada por alguém que domine o procedimento em questão.

A natureza do conteúdo também determina a maneira como o professor propõe e conduz uma atividade de levantamento de conhecimentos prévios.

Atividades que tenham como finalidade verificar o que os estudantes já sabem podem ser planejadas de diferentes formas, entre elas:

  • desenhos e esquemas representativos;
  • rodas de conversa;
  • produções iniciais de texto;
  • análises de casos e situações;
  • encenações e dramatizações;
  • desafios de lógica.

O que precisa ser garantido pelo professor, independentemente do tipo de atividade oferecido, é que os estudantes lidem com situações-problema diversas, que os provoquem a mobilizar seus conhecimentos para resolver uma tarefa.

O que precisa ser garantido pelo professor [...] é que os estudantes lidem com situações-problema diversas, que os provoquem a mobilizar seus conhecimentos para resolver uma tarefa.

Para ilustrar, imaginemos que, em uma aula de Biologia, o professor queira mapear o que os estudantes sabem sobre fotossíntese. Lembrando que se trata de um conteúdo de natureza conceitual e que, por isso, os estudantes precisam ter muitas oportunidades para elaborar e refletir sobre o conceito, uma atividade de levantamento de conhecimentos prévios poderia ser a proposição de uma situação-problema na qual uma pessoa quer cultivar plantas em casa, mas não consegue, porque as plantas sempre morrem, em poucos dias. Nesse caso, seria preciso dar algumas informações iniciais: onde as plantas costumam ficar, se recebem muita ou pouca luz, com que frequência são regadas, qual é a quantidade de água colocada, se estão em um ambiente aberto ou fechado, entre outros aspectos. Depois, os estudantes poderiam fazer um desenho ou esquema representativo o dono das plantas, explicando algumas condições mínimas necessárias à sobrevivência delas.

Dessa forma, observando a maneira como os estudantes se organizam e as informações que elencam para elaborar o desenho ou esquema, o professor pode levantar o que sabem e utilizar essas informações para o planejamento de atividades futuras. Aliás, ressalta-se que as atividades de levantamento de conhecimentos prévios só fazem sentido quando utilizadas com a finalidade de orientar o planejamento de um percurso de aprendizagem para os estudantes.

Vale destacar aqui também um exemplo sobre o levantamento de conhecimentos prévios de conteúdos factuais, como aqueles relacionados à tabela periódica dos elementos químicos, à organização lógico-temporal dos principais fatos da História do Brasil e às eras geológicas da Terra. 

É comum ouvirmos que todos esses conteúdos precisam ser “decorados” e que não há outra forma de aprendê-los. Em parte, isso é verdadeiro. Como se trata de fatos, a condição para a apropriação deles é a memorização. Porém, é preciso que os estudantes percebam a importância e o sentido de tais conteúdos. As atividades de levantamento de conhecimentos prévios podem partir de questões feitas aos estudantes, oralmente ou por escrito, com a intenção de compreender o que sabem.

No caso de conteúdos atitudinais, em função de suas características experienciais e de seu aspecto afetivo – por se referirem à aprendizagem de valores, comportamentos e atitudes –, rodas de conversa e dramatizações podem se mostrar como as melhores opções.

Seja como for, o que não pode ocorrer, em nenhuma hipótese, é confundir conhecimento prévio com pré-requisito. Os conhecimentos prévios são conhecimentos já construídos pelos estudantes, enquanto os pré-requisitos são listas arbitrárias de conteúdos ou de habilidades utilizadas ... para definir uma sequência de conteúdos necessária ao aprendizado daqueles mais complexos.

O trabalho docente precisa se orientar por uma lógica de conhecimentos prévios. Quando trabalha a partir da lógica de pré-requisitos, é fato irrefutável que a escola exclui dos processos educativos os estudantes que “não aprenderam” determinados assuntos.

A mesma preocupação direcionada às atividades de levantamento de conhecimentos prévios, que constituem o início do percurso didático pensado pelo professor, precisa existir em relação às atividades de avaliação da aprendizagem, que representam o fim desse percurso.

De modo geral, no cotidiano escolar, as provas são as atividades de avaliação mais comuns, sob a justificativa de que os estudantes precisam ser preparados para enfrentar o mundo, do qual as provas fazem parte. Mais uma vez, isso é verdadeiro apenas em parte – digamos, um quarto.

Os estudantes se deparam, em suas vidas presentes, com desafios diferentes, cujo enfrentamento não depende apenas de aprender a fazer provas. Em sua vida futura, acontecerá o mesmo.

Os desafios enfrentados por nós, nas diferentes esferas da vida (cotidiana, escolar, mundo do trabalho etc.), exigem a mobilização de diferentes conhecimentos. Por isso, os processos de avaliação da aprendizagem também podem e devem se orientar pela lógica de atenção à natureza dos conteúdos ensinados por meio de diferentes tipos de atividade.

A partir desse ponto de vista, vale destacar que, nem sempre, os momentos de avaliação da aprendizagem contribuem para o cumprimento das finalidades previstas em atividades que têm a intenção explícita de favorecer a aprendizagem de um conteúdo específico. Esquecemos, muitas vezes, que as “provas” são, na verdade, atividades cujo caráter é avaliativo e que, por esse motivo, mantêm uma relação direta com os objetivos didáticos e os conteúdos trabalhados durante algum tempo na sala de aula.

Por isso, para pensar a avaliação da aprendizagem para além das provas, produções individuais, seminários, listas de exercícios, trabalhos em grupos, autoavaliação, conselhos de classe e observação de desempenho (que são as estratégias de avaliação mais comuns e que não precisam, necessariamente, ser abolidas das práticas culturais escolares), é preciso, também, que reconheçamos outros instrumentos como potenciais ferramentas de avaliação da aprendizagem.

Podem ser apontados como exemplos de possíveis instrumentos de avaliação da aprendizagem: portfólio, produção de gêneros orais (slam [ou batalha], debates regrados, saraus, exposições orais em eventos escolares etc.), produção de vídeos e animações em stop motion (quadro a quadro), dramatizações e encenações, montagem de exposições, painéis, linhas do tempo e publicações temáticas, como revistas, cadernos temáticos e livros.

Essas atividades podem ser utilizadas como instrumentos de avaliação, pois, para apresentar os produtos finais exigidos por elas, o estudante precisa mobilizar o que já sabia e o que aprendeu ao longo da construção de tais produtos.

Contudo, quando o uso desses instrumentos tem como finalidade a avaliação da aprendizagem, é necessário que o professor saiba nitidamente quais são os objetivos de aprendizagem em jogo durante o percurso traçado para favorecer a aprendizagem e que registre tal percurso de diferentes formas (e é aqui que os instrumentos consolidados de avaliação, mencionados anteriormente, podem fazer sentido).

[...] é necessário que o professor saiba nitidamente quais são os objetivos de aprendizagem em jogo durante o percurso traçado para favorecer a aprendizagem e que registre tal percurso de diferentes formas [...]

O registro tem uma função essencial quando utilizamos instrumentos de avaliação diferenciados. A título de exemplo, no caso do uso de portfólios, não se pode confundir esse instrumento com uma “pasta de arquivos” na qual se acumulam modelos de atividades oferecidas aos estudantes ou de atividades resolvidas por eles, organizadas cronologicamente. Cada atividade precisa estar acompanhada de um registro reflexivo do professor, com comentários sobre a interação do estudante com a atividade, seus avanços e dificuldades. Essa regra vale para todos os outros instrumentos citados neste texto.

Tendo em vista as dificuldades concernentes à gestão do tempo e as condições de trabalho dos professores, cabe sublinhar que esses registros podem ser feitos de diferentes maneiras (pequenos relatos, bilhetes, lembretes, tabelas etc.), ressaltando-se que formas de registro heterogêneas podem ser muito ricas.

O “fio das missangas” da avaliação – parafraseando o escritor moçambicano Mia Couto –, seja no momento do diagnóstico, seja nos momentos de avaliação da aprendizagem, é o compromisso do professor em esforçar-se por compreender como o estudante pensa quando está em jogo a sua relação com os conhecimentos que já possui e com aqueles que ainda precisa aprender, elencados, atualmente, como objetos de conhecimentos e objetivos de aprendizagem.

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Referências bibliográficas?

AUSUBEL, David. Educational Psychology: Cognitive View. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1968.

BACICH, Lilian; MORAN, José. Metodologias ativas para uma educação inovadora – uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018.

COLL, César (Org.). O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006.

LERNER, Delia. Ler e escrever na escola – o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002.

PERRENOUD, Phillipe. Avaliação – da excelência à regulação das aprendizagens: entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999.

PIAGET, Jean. Problemas de psicologia genética. Petrópolis: Vozes, 1972.

ZABALA, Antoni. A prática educativa – como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.


(Re)planejar para lidar com dificuldades de aprendizagem identificadas nos alunos

Para os que trabalham em contexto escolar e todos nós que somos agentes educadores, sabemos que vamos vivenciar algumas experiências mais de uma vez. Entra ano e sai ano, vamos nos deparar com felicidades e realizações nossas e de nossos alunos, mas também vamos certamente nos deparar com dificuldades de leitura, escrita, compreensão, interpretação, cálculos e demais aprendizagens de nossos alunos. Nos relatos apresentados, vemos que muitas estratégias de projetos foram criadas, fomentadas, adaptadas e adequadas para suprir de maneira complementar e suplementar as dificuldades apresentadas pelos alunos em sala na hora de construir um conhecimento.

Profissionais da educação não têm a possibilidade de escolher o seu alunado nesta nova realidade diversa e universalizada de acesso escolar. Acontece, então, de receber em sala os diversos alunos que, em sua jornada, também trazem diversos históricos: condições socioeconômicas desfavoráveis, falta de estímulo para o estudo e, ainda, dificuldades decorrentes de situações culturais, biológicas e sensoriais. Todos esses históricos podem ser identificados em algum momento de sua escolarização como uma pessoa com dificuldades de aprendizagem, como relata Willis Santana dos Santos, da Escola Municipal Santa Fé, em Teresina (PI), em seu relato denominado “Apaixonando Leitores”, cujo diagnóstico inicial detectou que muitos alunos chegavam até aquele momento escolar sem conteúdos fundamentais básicos, apresentando dificuldades na leitura e compreensão, muito também por causa das adversidades socioeconômicas que impediam uma melhor estrutura de estudo e aprendizagem para os discentes.

Dificuldades de aprendizagem referem-se a algum prejuízo, atraso e/ou desordem na apreensão de comandos e informações em geral, as quais podem ter as suas origens em fatores diversos, [...] mas não têm toda as suas origens na ordem biológica. Em alguns casos, suas origens podem advir de conflitos pessoais, culturais e sociais.

Dificuldades de aprendizagem referem-se a algum prejuízo, atraso e/ou desordem na apreensão de comandos e informações em geral, as quais podem ter as suas origens em fatores diversos e podem estar ligadas a certos comprometimentos no cérebro, mas não têm todas as suas origens na ordem biológica. Em alguns casos, suas origens podem advir de conflitos pessoais, culturais e sociais. Vale ressaltar que ter dificuldade de aprender não significa que o aluno não aprenda, pois todas as pessoas são capazes de aprender.

Dificuldades de aprendizagem precisam de intervenção na sala de aula e o quanto antes ocorrerem a detecção e a atuação do profissional docente menores serão as lacunas e os efeitos resultantes disso. Pessoas nesta situação podem, com a ajuda da escola, da família e de terapeutas, desenvolver caminhos para lidar com suas debilidades. Conseguir intervir cedo aumenta e melhora a chance de sucesso na escola e, consequentemente, na vida. Se isso não acontecer, além das consequências já esperadas, podem aparecer frustrações, baixa autoestima e outros problemas. 

O professor Willis, já citado, complementa:

“Mais do que transmitir conteúdos, eu precisava fazer com que os pequenos se vissem como pessoas importantes, que despertavam carinho, preocupação, cuidados e desejos de um futuro melhor”.

O aprendizado, objetivo final e alvo principal do direito à educação, às vezes é confundido e trocado por uma palavra muito próxima a ele: o ensino, assim criando um hiato entre ensinar e aprender. A escola há algum tempo se vê como lugar de ensinar, e não lugar de aprender. Perceba que se a escola é lugar de ensinar seu agente principal é o ensinante, o professor, o educador, o funcionário ou a pessoa que esteja na função de transmitir o conhecimento. Porém, se colocarmos o aprender como finalidade, o ator que se destaca não é o formador, mas é o formando, o aluno.

A professora Mychelys de Mattos Queiroz, da Escola Municipal Nossa Senhora do Rosário, em Manaus (AM), no relato intitulado “Escritores Mirins”, após detectar em sua classe dificuldades na produção de textos e na leitura, fomentou a mesma aprendizagem, buscando outros canais de engajamento no conteúdo. Buscou o reconto oral como estratégia de atenção e organização de pensamento, mas também envolveu outros saberes, como artes, geografia e matemática, para suprir as lacunas presentes e fazer com que seus alunos não só assistissem a aula, mas participassem e construíssem o conhecimento almejado e proposto, fazendo com que até os alunos mais receosos pudessem encontrar espaço para se desenvolver nas produções.

Quando focamos no ensino, julgamos erroneamente por ter dificuldades um aluno que não desenvolveu completamente o que foi esperado ou que não correspondeu a toda a nossa expectativa. Porém, posso dizer que muito disso pode ser também “dificuldade de ensinagem”, e isso exige do docente uma mudança de abordagem, de plano e de atitude. Mychelys, sobre si, comenta que:

“O professor teve de se mostrar aberto e afetivo, fazendo de cada aula um momento de reflexão sobre sua prontidão e espaço para que fossem colocados em prática seus conhecimentos prévios. Isso se tornou um exercício de diálogo e de troca de conhecimentos, fazendo com que os alunos se sentissem cada vez mais entusiasmados.”

É aí que entra o planejamento, que acredito ser o primeiro passo para organizar bem as ações pedagógicas do ano. Planejar e arquitetar o processo didático deve fazer parte da rotina da escola e de cada educador para que possam construir juntos e contribuir com estratégias diferentes e diversificadas, a fim de atender às múltiplas necessidades do sujeito e resultar em melhores resultados. Planejar, executar, avaliar e replanejar são constantes do trabalho de escolarização. O (re)planejamento é uma parte importante do gerenciamento da aprendizagem. Com as estratégias de planejamento adequadas pode-se manter o grupo envolvido, organizado e no caminho certo enquanto se ensina, permitindo que você facilite mais a aprendizagem e gerencie menos as discrepâncias de comportamento e conhecimentos, habilidades e atitudes.

(Re)planejar para lidar com dificuldades de aprendizagem identificadas nos alunos é fundamental para o trabalho. No meio do exercício docente ainda somos atropelados pelas situações e perguntas: E se eles não aprenderem? E como incluir esses e outros? E se acontecer uma situação de briga? Ou de desinteresse?

Não existe a receita mágica, mas ter uma boa gestão de aula ajuda a dirimir, prever e superar problemas e dúvidas como essas e outras. Philippe Perrenoud afirma que “Esses dilemas não conseguem ser totalmente superados pela experiência nem pela formação”. 

Para que haja êxito no ensino é necessário que haja uma conversão de vários fatores nesse sentido:

Faça avaliações diagnósticas e recorrentes. Isso vai ajudá-lo a planejar a aula com o tempo e a estratégia certos, que não fiquem lacunas para que surjam outros comportamentos.
Desde o layout da sala até algumas variáveis previstas. Isso o ajudará a estar preparado.
Boa parte do planejamento da sala de aula está no desenvolvimento de planos eficientes. Um bom plano de aula pode incluir um objetivo ou meta, os passos da lição, o resultado esperado e espaço para mudanças ao longo do caminho.
Não deixe que na execução do plano de aula algum aluno se perca ou se distancie do grupo por qualquer motivo que seja. Não permita que alunos estejam longe por não atingirem o conteúdo nem por comportamento de isolamento. Crie uma aula envolvente e um material que pode ser acessado por todos. Com certeza uns precisarão de mais ajuda. Aqueles alunos que são pares mais experientes podem ser transformados em monitores e ajudadores, facilitando a aprendizagem de toda a turma.
É importante que o planejamento da sala de aula tenha regras e consequências definidas. Isso possibilita que os alunos se distraiam menos e se mantenham focados na lição.
A aula estruturada ajuda no foco e diminui agitações e ansiedades. Às vezes, é divertido ser surpreendido e experimentar algo único. Aproveite esses momentos, mas tente fazer isso dentro do contexto da lição, não prejudicando o plano.
Avaliar a aula, o professor e a si mesmo: esse momento não precisa ser um momento sério. Pode ser um momento de entretenimento e gamificação.
Para os alunos que acabam mais rápido ou para uma eventualidade, tenha sempre na manga uma estratégia de envolver a todos e mantê-los focados no projeto.

Em outros tempos, um bom aluno era o que tinha uma autorregulação calibrada para aguentar quatro horas e meia sentado na cadeira, que suportava bem rotinas e repetições de exercícios e aprendia bem pelo estímulo auditivo. Hoje, baseados nas pesquisas das múltiplas inteligências de Howard Gardner, percebemos que temos uma pluralidade de maneiras de ser e de aprender, e isso não denota dificuldades de aprender, mas outras maneiras de aprender. Por isso, se faz tão necessário o exercício contínuo do labor docente, que é planejar, executar, avaliar e replanejar. Essa estratégia permite atingir seus objetivos, personalizar o ensino e gerar impacto positivo na vida escolar dos alunos, preparando-os melhor para a vida.

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Referências bibliográficas:

College Planning for Students with Learning Disabilities. LDonline. Disponível em: http://www.ldonline.org/article/6130/. Acesso em: 26 fev. 2019.

Dificuldade de aprendizagem: além do muro escolar. Faculdade Amadeus. 18 mai. 2016. Disponível em: http://faculdadeamadeus.com.br/graduacao/Web/content/content-anais/encontro-multidisciplinar/attachments/
download/DIFICULDADE%20DE%20APRENDIZAGEM%20alem%20do%20Muro%20Escolar.pdf
. Acesso em: 26 fev. 2019.

GARDNER, Howard. Múltiplas inteligências: a teoria na prática. Artmed,1995.

LA TAILLE, Yves de; OLIVEIRA, Marta Kohl de; DANTAS, Heloysa. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. Summus Editorial, 1992.

VYGOTSKI, L. S. A formação social da mente. 7. ed. São Paulo: Martins Fonte, 2007. (Coleção Psicologia e Pedagogia). Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/vygotsky-a-formac3a7c3a3o-social-da-mente.pdf. Acesso em: 28 fev. 2019.

PERRENOUD, Philippe. Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza: saberes e competências em uma profissão complexa. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. 


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