Métodos de diagnóstico inicial e processos de avaliação diversificados

As práticas de ensino comprometidas com a aprendizagem ativa dos estudantes, de modo geral, precisam conjugar três princípios básicos:

  • os conhecimentos prévios e as experiências dos estudantes;
  • o conteúdo a ser ensinado e sua natureza;
  • a variação de estratégias e o levantamento de múltiplas hipóteses didáticas.

O ponto de partida do trabalho desenvolvido em sala de aula é o levantamento dos conhecimentos prévios e o mapeamento das experiências dos estudantes, que podem (e devem) ser feitos de maneiras diferentes.

Verificar o que os estudantes sabem é condição fundamental para favorecer a escolha de estratégias didáticas que permitam ao professor provocar o estudante na construção de conhecimentos novos.

Para que esse processo seja bem-sucedido, alguns cuidados precisam ser tomados. O primeiro deles é ter consciência de que perguntar aos estudantes o que eles sabem sobre um determinado conteúdo não apenas é insuficiente, como também pode ser equivocado, dependendo da natureza (procedimental, conceitual, factual ou atitudinal) do conteúdo ou da aprendizagem que está em jogo. 

Verificar o que os estudantes sabem é condição fundamental para favorecer a escolha de estratégias didáticas que permitam ao professor provocar o estudante na construção de conhecimentos novos.

Não basta, por exemplo, perguntar aos estudantes se sabem produzir artigos de opinião. Para levantar o que eles sabem sobre a produção de um determinado gênero textual, é preciso examinar suas produções textuais. Da mesma forma, não é suficiente perguntar se sabem jogar basquete. É fundamental assisti-los durante essa prática esportiva, observando e registrando o que sabem e o que falta saberem, e levar essas informações em conta para planejar um percurso em que possam aprender o que for necessário para jogar bem. Nos exemplos apresentados, trata-se de conteúdos de natureza procedimental, cuja aprendizagem depende da prática supervisionada por alguém que domine o procedimento em questão.

A natureza do conteúdo também determina a maneira como o professor propõe e conduz uma atividade de levantamento de conhecimentos prévios.

Atividades que tenham como finalidade verificar o que os estudantes já sabem podem ser planejadas de diferentes formas, entre elas:

  • desenhos e esquemas representativos;
  • rodas de conversa;
  • produções iniciais de texto;
  • análises de casos e situações;
  • encenações e dramatizações;
  • desafios de lógica.

O que precisa ser garantido pelo professor, independentemente do tipo de atividade oferecido, é que os estudantes lidem com situações-problema diversas, que os provoquem a mobilizar seus conhecimentos para resolver uma tarefa.

O que precisa ser garantido pelo professor [...] é que os estudantes lidem com situações-problema diversas, que os provoquem a mobilizar seus conhecimentos para resolver uma tarefa.

Para ilustrar, imaginemos que, em uma aula de Biologia, o professor queira mapear o que os estudantes sabem sobre fotossíntese. Lembrando que se trata de um conteúdo de natureza conceitual e que, por isso, os estudantes precisam ter muitas oportunidades para elaborar e refletir sobre o conceito, uma atividade de levantamento de conhecimentos prévios poderia ser a proposição de uma situação-problema na qual uma pessoa quer cultivar plantas em casa, mas não consegue, porque as plantas sempre morrem, em poucos dias. Nesse caso, seria preciso dar algumas informações iniciais: onde as plantas costumam ficar, se recebem muita ou pouca luz, com que frequência são regadas, qual é a quantidade de água colocada, se estão em um ambiente aberto ou fechado, entre outros aspectos. Depois, os estudantes poderiam fazer um desenho ou esquema representativo o dono das plantas, explicando algumas condições mínimas necessárias à sobrevivência delas.

Dessa forma, observando a maneira como os estudantes se organizam e as informações que elencam para elaborar o desenho ou esquema, o professor pode levantar o que sabem e utilizar essas informações para o planejamento de atividades futuras. Aliás, ressalta-se que as atividades de levantamento de conhecimentos prévios só fazem sentido quando utilizadas com a finalidade de orientar o planejamento de um percurso de aprendizagem para os estudantes.

Vale destacar aqui também um exemplo sobre o levantamento de conhecimentos prévios de conteúdos factuais, como aqueles relacionados à tabela periódica dos elementos químicos, à organização lógico-temporal dos principais fatos da História do Brasil e às eras geológicas da Terra. 

É comum ouvirmos que todos esses conteúdos precisam ser “decorados” e que não há outra forma de aprendê-los. Em parte, isso é verdadeiro. Como se trata de fatos, a condição para a apropriação deles é a memorização. Porém, é preciso que os estudantes percebam a importância e o sentido de tais conteúdos. As atividades de levantamento de conhecimentos prévios podem partir de questões feitas aos estudantes, oralmente ou por escrito, com a intenção de compreender o que sabem.

No caso de conteúdos atitudinais, em função de suas características experienciais e de seu aspecto afetivo – por se referirem à aprendizagem de valores, comportamentos e atitudes –, rodas de conversa e dramatizações podem se mostrar como as melhores opções.

Seja como for, o que não pode ocorrer, em nenhuma hipótese, é confundir conhecimento prévio com pré-requisito. Os conhecimentos prévios são conhecimentos já construídos pelos estudantes, enquanto os pré-requisitos são listas arbitrárias de conteúdos ou de habilidades utilizadas ... para definir uma sequência de conteúdos necessária ao aprendizado daqueles mais complexos.

O trabalho docente precisa se orientar por uma lógica de conhecimentos prévios. Quando trabalha a partir da lógica de pré-requisitos, é fato irrefutável que a escola exclui dos processos educativos os estudantes que “não aprenderam” determinados assuntos.

A mesma preocupação direcionada às atividades de levantamento de conhecimentos prévios, que constituem o início do percurso didático pensado pelo professor, precisa existir em relação às atividades de avaliação da aprendizagem, que representam o fim desse percurso.

De modo geral, no cotidiano escolar, as provas são as atividades de avaliação mais comuns, sob a justificativa de que os estudantes precisam ser preparados para enfrentar o mundo, do qual as provas fazem parte. Mais uma vez, isso é verdadeiro apenas em parte – digamos, um quarto.

Os estudantes se deparam, em suas vidas presentes, com desafios diferentes, cujo enfrentamento não depende apenas de aprender a fazer provas. Em sua vida futura, acontecerá o mesmo.

Os desafios enfrentados por nós, nas diferentes esferas da vida (cotidiana, escolar, mundo do trabalho etc.), exigem a mobilização de diferentes conhecimentos. Por isso, os processos de avaliação da aprendizagem também podem e devem se orientar pela lógica de atenção à natureza dos conteúdos ensinados por meio de diferentes tipos de atividade.

A partir desse ponto de vista, vale destacar que, nem sempre, os momentos de avaliação da aprendizagem contribuem para o cumprimento das finalidades previstas em atividades que têm a intenção explícita de favorecer a aprendizagem de um conteúdo específico. Esquecemos, muitas vezes, que as “provas” são, na verdade, atividades cujo caráter é avaliativo e que, por esse motivo, mantêm uma relação direta com os objetivos didáticos e os conteúdos trabalhados durante algum tempo na sala de aula.

Por isso, para pensar a avaliação da aprendizagem para além das provas, produções individuais, seminários, listas de exercícios, trabalhos em grupos, autoavaliação, conselhos de classe e observação de desempenho (que são as estratégias de avaliação mais comuns e que não precisam, necessariamente, ser abolidas das práticas culturais escolares), é preciso, também, que reconheçamos outros instrumentos como potenciais ferramentas de avaliação da aprendizagem.

Podem ser apontados como exemplos de possíveis instrumentos de avaliação da aprendizagem: portfólio, produção de gêneros orais (slam [ou batalha], debates regrados, saraus, exposições orais em eventos escolares etc.), produção de vídeos e animações em stop motion (quadro a quadro), dramatizações e encenações, montagem de exposições, painéis, linhas do tempo e publicações temáticas, como revistas, cadernos temáticos e livros.

Essas atividades podem ser utilizadas como instrumentos de avaliação, pois, para apresentar os produtos finais exigidos por elas, o estudante precisa mobilizar o que já sabia e o que aprendeu ao longo da construção de tais produtos.

Contudo, quando o uso desses instrumentos tem como finalidade a avaliação da aprendizagem, é necessário que o professor saiba nitidamente quais são os objetivos de aprendizagem em jogo durante o percurso traçado para favorecer a aprendizagem e que registre tal percurso de diferentes formas (e é aqui que os instrumentos consolidados de avaliação, mencionados anteriormente, podem fazer sentido).

[...] é necessário que o professor saiba nitidamente quais são os objetivos de aprendizagem em jogo durante o percurso traçado para favorecer a aprendizagem e que registre tal percurso de diferentes formas [...]

O registro tem uma função essencial quando utilizamos instrumentos de avaliação diferenciados. A título de exemplo, no caso do uso de portfólios, não se pode confundir esse instrumento com uma “pasta de arquivos” na qual se acumulam modelos de atividades oferecidas aos estudantes ou de atividades resolvidas por eles, organizadas cronologicamente. Cada atividade precisa estar acompanhada de um registro reflexivo do professor, com comentários sobre a interação do estudante com a atividade, seus avanços e dificuldades. Essa regra vale para todos os outros instrumentos citados neste texto.

Tendo em vista as dificuldades concernentes à gestão do tempo e as condições de trabalho dos professores, cabe sublinhar que esses registros podem ser feitos de diferentes maneiras (pequenos relatos, bilhetes, lembretes, tabelas etc.), ressaltando-se que formas de registro heterogêneas podem ser muito ricas.

O “fio das missangas” da avaliação – parafraseando o escritor moçambicano Mia Couto –, seja no momento do diagnóstico, seja nos momentos de avaliação da aprendizagem, é o compromisso do professor em esforçar-se por compreender como o estudante pensa quando está em jogo a sua relação com os conhecimentos que já possui e com aqueles que ainda precisa aprender, elencados, atualmente, como objetos de conhecimentos e objetivos de aprendizagem.

Saiba mais

Referências bibliográficas?

AUSUBEL, David. Educational Psychology: Cognitive View. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1968.

BACICH, Lilian; MORAN, José. Metodologias ativas para uma educação inovadora – uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018.

COLL, César (Org.). O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006.

LERNER, Delia. Ler e escrever na escola – o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002.

PERRENOUD, Phillipe. Avaliação – da excelência à regulação das aprendizagens: entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999.

PIAGET, Jean. Problemas de psicologia genética. Petrópolis: Vozes, 1972.

ZABALA, Antoni. A prática educativa – como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.


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