Literatura Infantil: reflexões e práticas

A Literatura Infantil pode ser vista como uma porta de entrada para o universo maravilhoso da leitura. Para entendermos bem a importância dessa literatura na formação do ser humano, faz-se fundamental olhar para a variedade de textos que a compõem: fábulas, contos de fadas, contos maravilhosos, mitos, lendas, adaptações de grandes clássicos da literatura mundial, parlendas, trava-línguas, adivinhas, além de textos autorais narrativos e poéticos. Temos, assim, um rico material repleto de histórias, memórias, diversidade cultural, fantasia, encantamento e valores humanos.

A escola, por seu caráter pedagógico, por vezes direciona ou prioriza a função didática dos textos direcionados à infância. Muitas das atividades pós-leitura propostas no espaço escolar ainda visam apenas uma compreensão mais literal do texto literário. Por exemplo, pergunta-se: quem a Chapeuzinho foi visitar? Que animal ela encontrou na floresta? Como ela foi salva? Essa compreensão textual é válida, mas acaba por resultar em respostas únicas, nada imaginativas. Não devemos esquecer que literatura é antes de tudo arte e, como tal, tem a função de exercitar o nosso pensamento poético – relacionado com o imaginar que é uma outra forma de pensar, sentir, perceber e conhecer o mundo e a nós mesmos. A linguagem artística é plurissignificativa, permitindo diversas interpretações, pois faz um apelo à nossa criatividade e sensibilidade. Algo a ser explorado com perguntas como: além do lobo, que outros animais Chapeuzinho pode ter encontrado na floresta? Se você encontrasse um lobo, o que faria? O que diria a ele? O que você aprendeu com essa história? O que gostou? O que não gostou? O que mudaria?

O primeiro contato das crianças com essa literatura se dá, em geral, intermediado pela narração de um adulto; mas este, nem sempre, permite o contato físico delas com o livro, sobretudo quando são bebês.

Isso acontece mesmo no ambiente escolar; entre os motivos podem estar: não querer que os livros sejam danificados ou julgar que, só a partir dos 2 anos, a criança esteja a apta para usufruir desse contato adequadamente. No entanto, o livro deve ser considerado pelos educadores como um brinquedo a ser oferecido para toda criança. Afinal, ter livros ao alcance das mãos é essencial para incentivar o interesse pela leitura.

Existem livros especialmente produzidos para essa faixa etária do 0 aos 2 anos. Eles são feitos de material como papel cartonado, plástico ou tecido – mais resistentes à manipulação da criança – e possuem texturas, formas e cores que visam estimular o tato e a visão, alguns apresentam recursos sonoros. A proposta desse tipo de obra é estimular os sentidos e a sensibilidade do bebê que começa a realizar suas próprias leituras: olhando, colocando na boca, apertando, sentindo, cheirando, brincando. Entretanto, vale ressaltar que a criança precisa ser inserida no universo das narrativas. Por exemplo: enquanto a professora dá banho no bebê e ele manipula um livro com desenhos de animais, seria ideal que ela lhe contasse uma história ou cantasse uma cantiga associada àquelas ilustrações, que não apenas se focasse no ensino das palavras e na relação destas com figuras, mas já começasse a mostrar para a criança que o livro é um suporte para a narração e a imaginação.

O exemplo e o gesto são grandes educadores. Ler para uma criança, de qualquer idade, é fundamental para despertar sua curiosidade pelo objeto livro e pelas narrativas que ele guardm. Ler com elas também é essencial.

A formação de uma bebeteca na escola, com uma gama variada de tipos de livros e outros materiais de leitura, mostra-se um recurso bastante eficiente por ampliar possibilidades de experiências leitoras nessa fase do desenvolvimento infantil. Esse material de leitura pode ser acondicionado em caixas de madeira ou papelão decoradas, que devem ser colocadas no chão, ao alcance dos bebês, para que eles escolham livremente o que irão ler. É importante não se limitar aos já citados livros para bebês; essas caixas devem oferecer livros infantis também feitos de papel comum, com formas e tamanhos variados; revistas; quadrinhos; álbuns ilustrados; livros só-imagens, entre outros. Adicionar fantoches e bonecos, que possam representar personagens das histórias infantis, nessas caixas também contribui para tornar ainda mais significativo e lúdico o ato da leitura. A mediação nesses momentos não deve ser diretiva, mas o educador precisa estar presente, próximo, e se colocar à disposição das necessidades das crianças nesse momento exploratório e de descobertas.

O exemplo e o gesto são grandes educadores. Ler para uma criança, de qualquer idade, é fundamental para despertar sua curiosidade pelo objeto livro e pelas narrativas que ele guarda. Ler com elas também é essencial. Lembrem-se: as ilustrações podem ser lidas pelas crianças. Portanto, a leitura pode começar pela capa, quando o professor a mostra para a turma e, juntos, eles a leem e imaginam como será essa narrativa. Vamos supor que nessa capa há a ilustração de dois meninos. O professor pode, então, suscitar as primeiras inferências com questionamentos como quem são, qual a idade deles, são irmãos ou amigos, por que vocês acham que são irmãos... Logo no início da narração, podemos fazer inferências a partir do título da obra e levantar hipóteses sobre o que vai acontecer aos personagens. Podemos também parar a narração no meio e tentar adivinhar o final, para depois verificarmos se conseguimos ou não acertar – ou conversarmos sobre o final imaginado pelos alunos, se este era mais ou menos interessante que aquele dado pelo autor e por quê. Inferência e levantamento de hipóteses são técnicas de compreensão, usadas ao longo da leitura de um livro para que essa atividade seja construída coletivamente, tornando-a dinâmica, envolvente e prazerosa.

Porém, ler ou contar histórias vai muito além do que simplesmente dizer as palavras de um texto escrito ou oral. A narração, seja ela feita de memória ou lida, precisa mostrar que quem narra entende que uma história não é feita apenas de palavras escritas, mas de imagens articuladas numa narrativa capazes de nos transportar para outros mundos. Essas palavras precisam soar, pois o componente sonoro da narração é fundamental – é necessário ter cadência e fluência. Para isso, devemos sempre nos preparar para uma narração: primeiro leia o livro ou ensaie a história em voz alta. Gravar-se e ouvir-se, antes dessa partilha com os alunos, pode ajudar muito. Incentivar que os alunos depois façam o mesmo para se apresentarem para a sala, num sarau ou roda de leitura, também pode mostrar para eles o quanto ler e contar são habilidades que precisam ser exercitadas como qualquer outra.

É fundamental considerarmos também que contar histórias não é só para quem ainda não é leitor fluente. Ouvir e contar histórias, sem o suporte de um livro, é uma arte sem idade. Uma atividade ancestral, uma herança milenar de nossa humanidade. Colocar-se em roda, sentando-se confortavelmente para partilhar histórias, é algo que pode estar presente na escola desde o ensino infantil até o médio.

Tanto para a apresentação em saraus, como em rodas de leitura ou rodas de contação de histórias, a preparação prévia do narrador é imprescindível. Ela implica não só os ensaios, mas também o planejamento da ação narrativa. Como foi dito, as palavras precisam soar, ganhar vida na voz de quem as lê ou conta. Para isso, deve-se estudar o texto e encontrar momentos que possibilitem variações na voz durante a narração: há trechos em que podemos falar mais alto; outros, mais baixo ou até sussurrar, de acordo com o clima da história.

Há partes que pedem para ser oralizadas com alegria e vivacidade; outras, com comedimento ou um tom mais triste. Para identificá-las, o narrador deverá usar sua sensibilidade para perceber e recriar esses climas durante sua performance. Caso sinta-se à vontade, poderá fazer vozes diferentes nas falas dos personagens e incluir sons e onomatopeias em determinados pontos como: “de repente, escutou-se um barulho... toc-toc-toc-toc...” Esse som, especificado ou não no texto original, poderá ser reproduzido, enquanto se narra, utilizando-se duas cascas de coco seco, batidas uma contra a outra, ou um agogô de castanhas. Apitos que imitam sons de pássaros, paus-de-chuva, tambores, carrilhão de chaves, bem como outros instrumentos e objetos sonoros são elementos que tornam a narração ainda mais lúdica e encantadora. No entanto, deve-se utilizá-los de modo complementar à narrativa, ou seja, eles não devem se sobrepor à história. Os exageros no uso de recursos externos à narrativa podem distrair o ouvinte, em vez de levá-lo a se aprofundar na experiência de escuta. Esse conselho sobre não exagerar nos estímulos para os ouvintes, de qualquer idade, estende-se para o uso de gestos, expressões faciais e objetos como lenços, bonecos... Saber dosar é o segredo, e o aprendemos na medida em que praticamos e observamos a nós mesmos e a outros narradores. Sugere-se que todas as ações que serão realizadas durante a narração sejam anotadas em forma de roteiro para facilitar os ensaios e garantir uma boa performance.

Tanto para a apresentação em saraus, como em rodas de leitura ou rodas de contação de histórias, a preparação prévia do narrador é imprescindível. Ela implica não só os ensaios, mas também o planejamento da ação narrativa.

Se o educador quiser ampliar ainda mais o leque de possibilidades de recursos lúdicos para narrar histórias poderá pesquisar sobre o uso e confecção de aventais ou tapetes para contação; teatro de sombras, de fantoches, de marionetes e de dedoches. Propor para os alunos que eles próprios recontem as histórias escutadas nas rodas em forma de teatro – seja o clássico com cenários, falas memorizadas e figurinos ou estes últimos aqui citados – permite que as crianças, já a partir dos 3 anos de idade, se apropriem, de maneira crítica e imaginativa, dos conteúdos históricos, sociais e culturais presentes nos textos literários.

A literatura nos coloca em contato com aqueles que vieram antes de nós. Ela nos permite criar laços com os que estão ao nosso redor. É nutrição, socialização e, sobretudo, humanização. Quando bem trabalhada no espaço escolar, revela-se um verdadeiro tesouro na preparação de nossas crianças para a vida.


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