"Identidade: eu no mundo"
O objetivo desta prática foi o de criar mecanismos de auxílio ao processo de formação individual social e psicológica de cada criança de modo a atuar diretamente na formação humana dos alunos, ajudando em sua autoestima. Além disso, estabelecer vínculo interacional entre alunos, professor e famílias, considerando que, quando as crianças lidam com seus próprios sentimentos e extravasam frustrações, por meio de atitudes positivas, elas conseguem compreender elas mesmas e os outros.
Língua Portuguesa
Quando:Durante o ano letivo.
Materiais:- livros;
- materiais de artes;
- papel;
- lápis.
EF15LP10; EF35LP01; EF03LP16; EF35LP07
Dayane dos Santos Ferreira.
Escola:Escola Municipal Comandante Fontoura, São José do Xingu (MT).
O que é:
A ideia do projeto surgiu quando percebi uma grande dificuldade em estabelecer o vínculo interacional entre alunos, professor e famílias.
O projeto contou com o suporte da gestão escolar. Houve, por vezes, a colaboração de agentes do Conselho Tutelar no acompanhamento de crianças em situação de risco.
Como em toda escola, vários fatores interferem na alfabetização dos alunos. Um deles é a intensa migração das famílias de acordo com a produção rural das fazendas da região. Outro fator são as ausências de parte considerável de alunos, que, por dependerem de transporte escolar, passam muito tempo sem frequentar a escola.
Há ainda razões como cansaço (envolvimento com a vida rural familiar), convivência em ambiente não letrado, violência doméstica, abandono afetivo e pobreza.
Como consequências dessa realidade, temos constantes práticas de bullying escolar, agressões físicas e verbais e depressão infantil.
Dentro dessa realidade, senti a necessidade de um trabalho de intervenção pedagógica em sala de aula que fosse ao encontro dos anseios dos alunos, de forma contínua, e que trabalhasse as dificuldades de aprendizagem na aquisição da autonomia e da identificação do "Eu".
Então pensei que, se proporcionasse um acompanhamento pedagógico mais particularizado, que interviesse na origem do problema quando surgissem conflitos individuais ou grupais em sala, eu ajudaria no desempenho escolar dos alunos.
Tive a preocupação também em despertar o prazer dos alunos nas atividades e em atender a cada especificidade, apresentando propostas para que as crianças se valorizassem e valorizassem o outro, estimulando potencialidades pela superação de dificuldades de relacionamento.
Por isso, desenvolvi atividades culturais que possibilitaram às famílias apreciar as qualidades de suas crianças.
Percebi que muitos pais não participavam de reuniões, festas e atividades culturais. Eles imaginavam que receberiam, na escola, apenas reclamações sobre os filhos.
Para começar, mudei o discurso. Antes, esses pais ouviam do professor o que a criança fazia de errado. A ênfase estava no que a criança não era. Passei, então, a falar o que elas tinham de potencial.
Como fazer:
As expectativas no início das aulas sempre são as melhores. Ninguém espera encontrar uma turma conflituosa e cheia de situações particulares que interferem no aprendizado. De forma excludente e preconceituosa, uma turma com essas características é, muitas vezes, rotulada como indisciplinada, problemática, desestimulante.
Na turma em questão, havia muita rejeição de alunos em relação a alguns colegas. Não conseguiam aceitar as diferenças individuais. Outros, por sua vez, resguardavam-se para não demonstrarem quem eram.
A maioria das crianças da turma A apresentava insegurança e timidez nas atividades escolares. Quando eu propunha algo, não faziam com entusiasmo, principalmente quando envolvia interação com determinados colegas. Era forte também o comportamento individualista e a rejeição às crianças da turma C.
Os alunos da turma A não gostavam de trabalhar em grupo. Já na turma C, era óbvia a antipatia que os alunos tinham entre si.
Observei ainda que 40% dos alunos não liam com fluência e sequer conseguiam escrever o próprio nome.
A situação mais crítica estava com a turma C. Quase metade tinha dificuldades acentuadas de aprendizagem. Eram crianças ríspidas umas com as outras, agressivas, intransigentes e com práticas constantes de bullying. A inimizade entre elas vinha desde os primeiros anos escolares, e nenhum trabalho havia sido realizado para amenizar os problemas.
Sugeri à Coordenação que fizesse um material diferenciado de apoio às crianças com atraso no aprendizado. Embora houvesse o reforço do material auxiliar, as confusões, as discussões, as brigas e as desavenças não deixavam que as turmas fizessem um bom estudo.
Um recurso utilizado foi a eleição dos representantes de turma, para que os alunos tivessem a experiência de uma ação democrática de respeito à escolha da maioria.
Para o momento da "Leitura Deleite", foram selecionadas histórias com valores éticos e morais para incutir nas crianças o sentimento de colaboração e fraternidade. Realizadas essas leituras, os alunos eram estimulados a dar exemplos de boa conduta. As atividades seguiam um horário elaborado pela turma, e eram trabalhadas em grupos quando havia a necessidade de cooperação mútua.
Os lugares dos alunos e os grupos se alternavam: às vezes, a critério das crianças, às vezes, por indicação minha, pois percebia que elas não queriam interagir.
Como complemento a todo esse esforço, propus a realização de um projeto com as atividades.
Aí veio o desafio. Como ensinar se as turmas não estavam predispostas a aprender? Como estabelecer a harmonia entre crianças com feridas abertas havia muito tempo? Como fazer que alunos da turma A aceitassem os alunos da turma C? Como transformar a sala de aula num ambiente de transformação de mentes?
No diagnóstico das turmas, constatei que todos os conflitos e as dificuldades de relacionamento e de aprendizagem tinham raízes na baixa autoestima, na impossibilidade de um se colocar no lugar do outro, na falta de amor ao próximo.
Pensando em promover a interação e a aproximação entre os alunos, controlar a indisciplina e assim poder desenvolver os conteúdos curriculares, elaborei o projeto "Identidade: eu no mundo".
Foi explicado que o propósito do projeto era, principalmente, estabelecer um ambiente favorável à aprendizagem, com crianças felizes e cheias de expectativas. A proposta foi aceita por todos os alunos, que prometeram colaborar para a boa convivência.
Para iniciar o trabalho, fiz um levantamento das datas de aniversário dos alunos para que cada um entendesse que aquela era uma data especial e única.
Quando estavam trabalhando em prol do aniversário do colega, as demais crianças se sentiam sensibilizadas em ajudar, buscando demonstrar tolerância em relação ao outro.
No primeiro bimestre, a festa teve o tema "Aniversário Tradicional", com decoração feita de balões. As brincadeiras escolhidas foram "Pinhata", "Dança da Cadeira e "Coelho Sai da Toca", além de dança de músicas infantis. As comidas foram pipoca, doces, balas, pirulitos e bolo. Ao final, cantávamos parabéns para os aniversariantes.
Logo no início, com foco na disciplina de História, tratei de família, costumes, hábitos e crenças religiosas, profissões dos pais e história dos nomes das crianças. Os relatos dos alunos eram registrados em cadernos de produção de textos individuais. Uma das produções que mais chamou a atenção foi aquela que falava sobre como era ter um irmão.
No decorrer das aulas, fizemos dinâmicas que geraram mais entrosamento e maior apreciação das qualidades dos outros. Os alunos foram estimulados a falar sobre suas melhores qualidades e também a reconhecer seus defeitos.
Em determinados momentos, as produções textuais tiveram como objeto o dia a dia dos alunos. Era uma maneira de verificar como estava o relacionamento familiar.
Certa vez, uma criança relatou que não era aceita pela mãe e pelos familiares, e que, portanto, seria entregue a um abrigo.
A presença de conselheiras tutelares na escola para acompanhar essa criança era constante. Ela não tinha bom comportamento em sala – e boa parte do problema estava na desestrutura familiar. A situação dessa criança afetou muito a turma C. Um dia, ela deixou de ir para a escola, fazendo correr a notícia do abandono.
No combate ao bullying, apresentamos filmes, desenvolvemos trabalhos em grupos, realizamos conversas com a diretora e a coordenadora e promovemos reuniões com os pais, além de organizar várias atividades de prevenção.
Atividades voltadas para a arte levaram os alunos a organizarem, a cada bimestre, as decorações das festas de aniversário. Para isso, pesquisavam temas de interesse comum. A partir do consenso, executavam as tarefas.
Nas atividades de Matemática, houve pesquisas sobre comidas típicas para cada tipo de festa. As crianças faziam os cálculos da quantidade necessária de ingredientes de acordo com o número de alunos. Para determinadas receitas, reuniam-se em grupo na casa de um colega. Ao final do ano letivo, os alunos elaboraram dois cadernos de receitas, que foram entregues no final do ano às cozinheiras da escola.
No início de cada bimestre, realizávamos rodas de conversas para avaliar os rendimentos e diagnosticar as necessidades de aprendizagem.
Naqueles momentos, os alunos eram colocados como corresponsáveis pela própria aprendizagem. Além disso, os pais de alunos eram convidados a comparecer para saberem do desenvolvimento infantil e do trabalho pedagógico.
O sentimento de afeto entre professora e aluno, aluno e aluno, aluno e pais e pais e professora foi sendo cada vez mais intenso. Muitos comportamentos julgados, por vezes, como transgressores foram superados, uma vez que as famílias passaram a ter mais curiosidade em relação ao que acontecia em sala.
A cada dia, a frequência dos pais aumentava. Quando da culminância do bimestre, com as festas de aniversário, as famílias eram convidadas a participar.
Durante o segundo bimestre além das atividades de relacionamento, foram trabalhadas noções de alimentação saudável e prática de esporte.
Nesse período, o tema da festa de aniversário foi um piquenique repleto de alimentos saudáveis (frutas, sucos, pães, biscoitos), além, é claro, do bolo de aniversário.
No dia, na minha chácara, foram realizadas duas partidas de futebol para meninos e meninas, com as duas turmas juntas. Além disso, as crianças andaram a cavalo e conversaram. Foi um um prazer ver que as duas turmas, que antes se rejeitavam, agora compartilhavam experiências.
No terceiro bimestre, os alunos optaram por festas diferentes. A turma A escolheu como tema "Festa do Pijama", com direito à exibição de um filme. Encerramos com bolo de aniversário e refrigerante.
A turma C, por sua vez, escolheu o tema "Halloween". As próprias crianças prepararam as fantasias, as brincadeiras, as comidas e as bebidas. Todos se divertiram muito.
Para o quarto bimestre o tema foi escolha minha. Como surpresa, decorei a festa com o tema "Natal" e cobri a mesa de doces. Uma das propostas do projeto era premiar os alunos que se destacassem nas avaliações. Assim, a cada festa, eram premiados (numa premiação simbólica) os três primeiros alunos do bimestre.
Em nenhum momento do trabalho houve brigas ou desentendimentos. A felicidade em cada criança era visível, e os pais passaram a confraternizar conosco. Ao final, os alunos falaram sobre as experiências vividas uns com os outros. Os conflitos e as atitudes de indisciplina foram deixando de existir.
A avaliação tem ocupado um lugar central no conjunto de preocupações dos professores no cotidiano das escolas brasileiras. Por meio dela, conseguimos analisar diferentes aspectos educacionais, em diversos âmbitos: currículo, planejamento, ensino e aprendizagem.
A avaliação foi, portanto, de grande importância no decorrer de todo o processo, auxiliando na verificação dos progressos obtidos, diagnosticando os resultados das atividades curriculares e das metodologias utilizadas na prática pedagógica.
A primeira preocupação com os trabalhos foi propiciar um ambiente agradável de aprendizagem e eliminar as divergências.
O projeto foi tomando forma de acordo com as atividades realizadas e as avaliações. Começamos pelo trabalho individual. De início, os alunos explicaram como queriam ser vistos e apresentaram suas expectativas e repúdios em relação à escola e aos colegas. Houve algumas resistências por parte dos muito tímidos.
Posteriormente, vieram os trabalhos em grupos, nos quais os alunos teriam de aprender a discutir suas ideias, expor pontos de vista e questionar opiniões.
Essas atividades não foram fáceis, pois, na menor distração, as crianças desviavam os assuntos das conversas para tratarem de temas diferentes dos que estava sendo trabalhados. Além disso, alguns não concordavam em trabalhar com colegas que não eram do seu ciclo de amizade.
A interação com os alunos do contraturno (turma A e turma C) não foi fácil no início. Mas ao realizarem o piquenique, os alunos apreciaram a companhia uns dos outros criando laços de uma amizade que permaneceu mesmo depois.
As crianças reforçaram sua formação afetiva, despertando o gosto e o interesse por si mesmas e pela família. Durante as conversas com professor, as famílias falavam de suas dificuldades em educar os filhos e de suas experiências. Quando necessário, sugeríamos a busca por apoio psicológico ou de assistência social.
Houve casos, porém, de difícil intervenção da escola, ficando o problema sob a responsabilidade do Conselho Tutelar, sempre com intenção de garantir os direitos das crianças.
Lembro-me do caso de um aluno que faltava com frequência. Descobriu-se, depois, que a mãe deixava o filho no portão da escola, mas ele saia para rua e se escondia até a hora de voltar para casa.
O trabalho com os representantes de turma foi muito gratificante, pois eles aprenderam a ter espírito de liderança e a liderar com democracia e responsabilidade.
As atividades direcionadas ao projeto em artes eram realizadas às sextas-feiras. A maior dificuldade era a falta de material. Por vezes, comprei itens para que as decorações fossem realizadas.
Em relação às produções textuais, percebi que as crianças fizeram o melhor que podiam. Notei numa aluna com necessidades educacionais especiais a dificuldade de transpor o que pensava para o papel. Com o auxílio dos colegas, ela conseguiu escrever.
Naquele momento, vi que as crianças haviam criado laços afetivos que antes não existiam. A própria aluna que, no início, sentia-se excluída, agora, estava à vontade. Quanto aos alunos especiais, houve uma demora inicial para que entendessem que eles eram diferentes e, ao mesmo tempo, iguais.
Nas atividades de Matemática, quando tinham de elaborar cardápios das festas e fazer os cálculos por pessoas, os alunos mostraram habilidade para interpretar dados e informações e calcular, de forma precisa, para que não faltasse nada na festa.
Percebi o interesse de colegas professores e, acima de tudo, de alunos de outras turmas nas atividades que realizávamos.
Num determinado momento, ouvi a coordenadora dizer que "tudo que é bom precisa ser copiado". Isso fez com que me sentisse feliz por estar contribuindo com algo que ía além da sala de aula.
Ao elaborarem os cadernos de receitas, as crianças demonstraram muito entusiasmo. Era uma retribuição delas ao que haviam recebido das cozinheiras ao longo do tempo.
Cada culminância, ao final do bimestre, enchia-me de orgulho. Muitas vezes, refiz os planos para que se enquadrassem numa proposta educativa. Com apoio e dedicação, minhas expectativas foram superadas.
Certa vez, um pai me disse que não gostava daquelas "conversas de escola", que tudo era perda de tempo. Mas, ao ver o filho entusiasmado com as atividades em sala, resolveu observar se tudo era, realmente, o que a criança dizia.
Então, passou a acompanhar até a porta da sala a criança, que antes era deixada no portão.
Meu objetivo, ao final da carreira, é ser lembrada como uma professora que fez a diferença na vida dos alunos.
Ensino não só para a academia, procuro ensinar para a vida.
Saiba mais
Para que um projeto como esse aconteça, é preciso que o professor tenha um planejamento claro e objetivo e perseverança nas ações.
As avaliações professor e professor/alunos são fundamentais, assim como o apoio da gestão da escola.