De quem é este dinheiro
Esta prática se propôs a vincular assuntos das disciplinas de Matemática, História e Língua Portuguesa ao eixo interdisciplinar "Educação Financeira", desenvolvendo nos alunos a consciência do Sistema Monetário Brasileiro, a fim de construir uma atitude de planejamento, observação e interpretação da própria vida financeira.
História, Matemática e Língua Portuguesa.
Quando:
Primeiro ou segundo semestre.
Materiais:
- sala de informática;
- material para confecção de cartazes;
- materiais de uso cotidiano do aluno (lápis, caderno, régua, etc.).
EF04HI01; EF04HI03; EF15LP01; EF15LP02; EF15LP04; EF15LP05; EF15LP06; EF15LP10; EF15LP18; EF04LP09; EF04LP20; EF05LP23; EF05LP24; EF04MA01; EF04MA02; EF04MA25; EF04MA28; EF05MA01;
Monica Raquel Ferreira de Souza.
Escola:
EE Dr. Isidoro Boucault, Mogi das Cruzes (SP).
O que é:
O presente projeto surgiu da necessidade de trabalhar a educação financeira com as crianças do 5º ano A da EM Dr. Isidoro Boucault, da cidade de Mogi das Cruzes. A iniciativa aconteceu no início do 1º semestre de 2018, alcançando os 35 alunos da classe.
A princípio, propus aos alunos pesquisa e estudo sobre o movimento financeiro da escola, para que pudessem analisar dados reais e, por meio dessa experiência matemática, construir e ressignificar os conceitos aprendidos, de maneira cognitiva e social.
Semanalmente, realizamos na disciplina de Língua Portuguesa uma atividade do projeto "Ler e Escrever", que é uma roda de leitura e análise de jornais. Frequentemente, encontrávamos textos sobre o cenário político, e esse assunto despertava o interesse dos alunos, que sempre perguntavam sobre o que é corrupção e o que são impostos e dinheiro público.
Notei que as crianças possuíam grande dificuldade de ler os números incluídos nas matérias, geralmente apresentados na classe dos milhões. Achei necessário fazer uma avaliação diagnóstica da escrita numérica.
Para manter a curiosidade e o interesse em relação às aulas, mudamos o cenário de aprendizagem. Lancei mão da tecnologia, da história da Matemática e dos jogos matemáticos, atribuindo à disciplina importância fundamental para mudanças sociais.
Aprender sobre educação financeira possibilitou às crianças pesquisar, observar, fiscalizar, registrar e, principalmente, superar seus conhecimentos. Essa sequência proporcionou aos alunos a construção de conceitos e a captura dos conteúdos previstos no ano, como a escrita numérica. Possibilitou também a articulação de conceitos relacionads a outras disciplinas, como História e Língua Portuguesa.
Na execução do projeto, buscamos apoio em objetivos específicos, como tabular dados, entrevistar pessoas na busca de informações, organizar e selecionar a escrita numérica necessária para a composição de quantidade, estimar valores monetários e participar de ações sociais.
De acordo com as Matrizes Curriculares de Mogi das Cruzes, em consonância com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e documentos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a educação financeira par o 5º ano deve abordar os seguintes assuntos:
Matemática:
- sistema de numeração decimal;
- composição e decomposição de numerais naturais;
- porcentagem;
- o Sistema Monetário Brasileiro.
História:
- história do dinheiro.
Língua Portuguesa:
- produção textual;
- gênero textual: entrevista.
Tendo em vista essa temática, tratei de fazer alguns recortes conceituais que envolvessem a educação financeira e articulassem princípios básicos da educação fiscal.
Esses recortes poderiam garantir aos alunos vivência escolar nos atributos financeiros, analisando informações coletivamente e proporcionando a experiência necessária para comparações e modificação da realidade familiar e individual.
Para tanto, os alunos trabalharam no laboratório de informática e criaram cartazes.
Como fazer:
A avaliação diagnóstica inicial revelou que 31 dos 35 alunos da classe tinham limitações para traçarem numerais da classe da unidade de milhar em diante. Apresentavam também dificuldades para a realização de operações de cunho monetário. Demonstravam ainda baixa estimativa matemática. Além disso, apenas 45% da sala conseguia interpretar dados gráficos e tabelas.
Como atividade inicial, foi proposta uma avaliação. O objetivo não era que os alunos acumulassem notas, mas, sim, definir um ponto de partida.
Naquele momento, notei que apenas quatro alunos acertaram toda a sequência de números ditados, o que me preocupou bastante. Fiz ainda algumas avaliações sobre composição e decomposição numérica, o que revelou ainda mais a fragilidade conceitual da sala.
Para realizar essas avaliações, apresentei recortes das matérias previamente lidas nas rodas de jornal. Os alunos me questionaram por que estavam utilizando aqueles textos nas aulas de Matemática. Fiquei surpreendida com a distância existente entre a Matemática e seus usos na realidade das crianças.
Em outro momento, senti a necessidade de interrogar os alunos sobre o que achavam do ensino da Matemática e seu poder de atuação nas transformações sociais. Quis saber também qual disciplina eles consideravam capaz de fazer mudanças sociais. Fui surpreendida novamente. A que teve mais votos foi História. Ninguém havia optado pela Matemática.
Foquei, então, na aprendizagem da escrita numérica. Trabalhamos com o recurso da malha escalonada. Foi um momento extremamente rico, no qual os alunos descobriram o valor posicional do zero na sobreposição das classes e ordens.
As crianças receberam uma lista de números a compor que seguia uma ordem crescente. Embora essa atividade solucionasse boa parte das dúvidas de composição numérica, percebi que os alunos também precisavam de momentos lúdicos.
Começamos por um jogo disponível na plataforma da revista Nova Escola chamado Que número eu sou?
Durante a aplicação do jogo, circulei pela sala para observar e intervir. A classe foi dividida em trios para houvesse encontros produtivos de conhecimentos variados.
Uma das facetas mais produtivas do jogo foi a diversão, com as dificuldades sendo encaradas como desafios. Foi uma alegria geral na sala. Os alunos ficaram eufóricos. Ficou evidente que as crianças sentiam grande satisfação nas aulas diferenciadas
Como material de apoio, selecionei notícias que apresentavam números de classes altas. Tomei o cuidado para que os números fossem extraídos dos textos e tivessem relação com a realidade, embora soubesse que conceitos como tributos fiscais estavam muito distantes da realidade das crianças.
Foi quando, numa roda de conversa, um aluno perguntou quem paga o salário dos professores e, antes que eu pudesse responder, uma colega respondeu que, “com certeza”, era a diretora.
Percebi a importância daquele diálogo e tratei de fazer intervenções para fomentar as dúvidas, e não para solucioná-las. Com isso, ampliei a base para as discussões.
Produzimos um cartaz das pesquisas sobre dinheiro público (como é extraído e distribuído), levantamos valores de tributos fiscais e abordamos a importância da fiscalização e do acompanhamento desse processo.
O conceito foi trabalhado de maneira superficial, apenas como apoio, já que não era o nosso foco naquele momento.
Na busca por alternativas para fundamentar os estudos sobre números e quantidades, trabalhamos bastante com estimativas. Conduzi a conversa para que os alunos confrontassem conhecimentos prévios e suposições.
A sala foi dividida em grupos, que ficaram responsáveis por entrevistas com a diretora da escola, as merendeiras, a equipe de limpeza e a presidente da Associação de Pais e Mestres (APM).
Essas entrevistas serviriam para que os alunos coletassem informações e pudessem organizá-las sob a forma de dados e gráficos.
Notei que a motivação dos alunos havia aumentado. Ao participarem do processo de levantamento de dados, os alunos também demonstraram interesse em encontrar formas de exposição das informações.
Nesse trabalho, entrevistaram familiares e a comunidade sobre sua participação social nas tomadas de decisões escolares. Perceberam que a imensa maioria das pessoas não achava justa a forma com eram feitos os gastos públicos. Mas, por outro lado, notaram que poucas pessoas se interessavam em participar das reuniões financeiras da escola.
Os alunos buscaram nos arquivos da escola informações sobre o montante de verbas repassado para a escola. Em pesquisas feitas com o auxílio da equipe gestora, perceberam que existe uma regra para o gasto do dinheiro público escolar, e que os números associados ao tema, quase sempre, são expressos por meio de porcentagens.
Para entendermos o conceito da porcentagem, trabalhamos de maneira parecida com a composição e a decomposição de classes, fazendo com que as crianças estabelecessem uma relação entre os conteúdos.
Percebi que a utilização da pesquisa e o tratamento das informações auxiliaram na mudança de enfoque do aprendizado, do qual os alunos se tornaram protagonistas. Essa forma de trabalho também fortaleceu a convicção de que eram capazes de controlar os dados e manipular o conteúdo.
Trabalhamos com a sequência numérica, embora ainda houvesse certa dificuldade principalmente em reconhecer as trocas entre ordens e classes. Como exemplo disso, numa atividade verificadora de conhecimento, percebi que o exercício de decomposição de numerais era mais bem-sucedido quando as ordens apareciam embaralhadas.
Recorri novamente aos jogos matemáticos. Utilizei mais um da plataforma da revista Nova Escola, Jogo com ábaco. Mais uma vez, vi uma grande motivação nos alunos.
Numa roda de conversa, surgiram dúvidas sobre salário e origem da palavra. Os alunos discutiram sobre circulação do dinheiro e levantaram hipóteses de uso diário doméstico. Em alguns grupos, surgiu a ideia do dinheiro “privado”, que, naquele caso, era o pagamento salarial.
Utilizando a disciplina de História, buscamos compreender o sistema de trocas e o escambo. Como ele era comum e importante no desenvolvimento das civilizações, compreendemos os produtos importantes da época e como as trocas sofriam influência de acordo com o período, os governos e as necessidades de compra.
Descobrimos a origem da palavra “salário” e a necessidade da circulação do dinheiro “moeda” para facilitar e promover o comércio. Pesquisamos informações como o nome das moedas, a diferença das valorizações, a influência da economia, a lei de oferta e procura e todo o conteúdo histórico sobre os planos econômicos brasileiros.
O clima das aulas ficou tão envolvente que aumentou para quase 100% a frequência escolar nos dias do projeto. Houve também melhora gradativa e significativa no desempenho dos alunos.
Chegou, então, a hora da aplicação dos conhecimentos. Solicitei aos alunos que verificassem os gastos feitos pela escola, fiscalizando o uso do dinheiro.
Perceberam que o uso do dinheiro é dividido em gastar, poupar e investir, e que esse processo também acontecia na escola. Notaram também que o êxito nesse processo dependia de conhecimento matemático, da consciência histórica sobre seu poder de uso e, principalmente, de consciência social na administração dos valores que pertenciam à escola.
Nos estudos sobre as verbas da escola, conheceram o Conselho Escolar e a Associação de Pais e Metres (APM), bem como suas funções em relação ao uso das verbas. Os alunos começaram a questionar e a querer participar das tomadas de decisões.
Foi explicado a eles o que era a APM e por que as escolas públicas faziam ações sociais para a arrecadação de dinheiro. Numa das discussões, surgiu a pergunta sobre de quem era esse dinheiro.
Os alunos analisaram os gastos do ano anterior e, fiscalizando-os, perceberam a dificuldade financeira da escola e a necessidade da participação deles para diminuí-la, e como os conceitos da matemática financeira poderiam transformar a realidade em que vivem.
Utilizamos os computadores da escola como ferramenta para a organização e a apresentação dos dados. Construímos tabelas e gráficos com as informações das entrevistas.
Após um estudo sobre a eficiência matemática voltada ao mundo financeiro, levamos as informações da escola para a casa das crianças. Por meio de entrevistas, pesquisa e exercícios coletivos, conversamos sobre autonomia financeira das famílias e como os conceitos aprendidos poderiam ser utilizados na administração do lar.
Durante as aulas sobre a história do dinheiro, muitas crianças trouxeram moedas e cédulas antigas ou de outros países. Pesquisamos o material, a gravura, o ano de fabricação, entre outros aspectos.
Como esses momentos eram apreciados pelos alunos, propus a criação da "Feira da Matemática".
Os alunos prepararam uma apresentação sobre os conceitos aprendidos para os colegas da escola.
A turma também fez uma apresentação para os funcionários, preparou cartazes explicando termos e significados e criou um quiz para envolver a plateia.
Elaboramos um jogo matemático de equipes, com os alunos divididos em duas equipes. Os grupos receberam uma lista de numerais para organização por ordens.
Na "Feira de Matemática", apresentamos o dinheiro com legendas sobre o lugar e o ano de circulação. As crianças explicaram aos visitantes a importância do dinheiro e a influência da economia na vida das pessoas, bem como a importância da matemática na construção da vivência e da melhoria social. Um grupo de alunos ofereceu aos pais dicas sobre organização e consciência financeira.
Com o apoio da Prefeitura, visitamos, na sequência, uma escola vizinha para expor nossos conhecimentos. Um pouco nervosos, mas com bastante vontade, os alunos encantaram uma plateia mais velha e bem numerosa. Foram aplaudidos e elogiados.
Uma nova avaliação foi feita. Ela revelou que 98% dos alunos tinham melhorado a escrita numérica, avançando pelo menos duas classes numéricas em comparação com as produções iniciais. Também foi revelada boa capacidade de estimativa monetária e uma significativa compreensão de cédulas e moedas, do uso de porcentagens e da tabulação de dados.
Utilizando o recurso dos jogos matemáticos para estabelecer uma relação harmoniosa, efetiva e concreta com o cenário educacional, colocamos em ação os conhecimentos aprendidos, incutindo nos alunos uma nova visão do aprendizado.
Por fim, este projeto dialogou com outras matérias, tornando-se ponto de partida para novas aprendizagens, devolvendo o ensino à sua essência integral e interdisciplinar, facilitando relação com o que se aprende na escola e o que se aplica na vida.
Outras ideias:
A produção de gráficos e infográficos possibilitou também a interdisciplinaridade com Arte e Linguagens.
A prática do projeto é bastante flexível, possibilitando adaptações para a realidade de cada escola, com uso ou não de tecnologias digitais.
O projeto levou em conta o protagonismo dos alunos nas decisões, o que tornou a aprendizagem bem mais significativa.
Saiba mais
Os sites a seguir contribuíram na elaboração deste projeto: