"A BNCC do Ensino Fundamental – Anos Iniciais, ao valorizar as situações lúdicas de aprendizagem, aponta para a necessária articulação com as experiências vivenciadas na Educação Infantil. Tal articulação precisa prever tanto a progressiva sistematização dessas experiências quanto o desenvolvimento, pelos alunos, de novas formas de relação com o mundo, novas possibilidades de ler e formular hipóteses sobre os fenômenos, de testá-las, de refutá-las, de elaborar conclusões, em uma atitude ativa na construção de conhecimentos. Nesse período da vida, as crianças estão vivendo mudanças importantes em seu processo de desenvolvimento que repercutem em suas relações consigo mesmas, com os outros e com o mundo." (BNCC, 2018, p. 58)

Podcast

Ouça o podcast sobre os Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

Sala especial: conhecer, compreender e multiplicar

Área(s): Ciências da Natureza; Ciências Humanas; Linguagens.

O objetivo desta prática foi promover a compreensão das deficiências existentes em nossa escola, como a Síndrome de Down, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e a surdez, a fim de sensibilizar os alunos e a comunidade escolar sobre a importância da inclusão dos alunos com necessidades educativas especiais.

Componente(s): Língua Portuguesa.
Quando: Em qualquer momento do ano letivo.
Materiais: Não indicados.
Habilidades trabalhadas: EF03LP24; EF04LP19; EF35LP17; EF05LP24; EF35LP18; EF35LP19.
Escola: Escola Municipal Aquilino da Mota Duarte, Boa Vista (RR).
Professor(a) responsável: Angélica Maria Sampaio Fredo.

O que é:

Este projeto foi desenvolvido com alunos do 4º ano B pela professora da sala de recursos multifuncionais em parceria com a professora de sala de aula regular no turno matutino. A escolha da turma para o desenvolvimento do projeto se deu pela relação cultural existente entre os alunos brasileiros, venezuelanos e indígenas.

O projeto surgiu após uma visita às salas de aula, no início do bimestre. Após um comentário sobre inclusão e deficiência, uma aluna do 3º ano me perguntou sobre um colega com deficiência, questionando o que ele tinha.

A resposta lógica seria dizer que o colega tinha Síndrome de Down. Mas isso não iria satisfazer a curiosidade dela. Seria preciso começar do início, falando sobre o corpo humano,

Porém, para que as explicações gerassem conhecimento, seria necessário desenvolver uma linguagem dinâmica, criativa e cientifica, envolvendo todos os alunos – do 1º ano ao 5º ano. Assim, a partir da compreensão do tema de uma maneira significativa, os alunos teriam condições de multiplicar as informações na comunidade escolar.

Ao longo da execução, porém, os objetivos foram ampliados, transformando o projeto num trabalho interdisciplinar, envolvendo Ciências, História e Geografia.

Em Ciências, abordamos o corpo humano e suas funções. Em História, as datas do descobrimento das deficiências e, em Geografia, os países onde foram descobertas as deficiências.

Com o projeto, os alunos se perceberam mais cidadãos e mais reflexivos, conseguindo ampliar sua visão de mundo de forma transdisciplinar.

Como fazer:

O projeto foi desenvolvido em três etapas ao longo do primeiro semestre de 2018. Abordamos Síndrome de Down, Transtorno do Espectro Autista e surdez.

O estudo com os alunos foi realizado às sextas-feiras, com uma hora de duração.

Para sua execução, foram formados dois grupos de dez alunos e um de nove alunos. Cada grupo trabalhou uma deficiência e, ao final, realizou uma apresentação para a comunidade escolar.

As aulas aconteceram na sala de recursos multifuncionais. Além de apresentar os vídeos, conversamos, tiramos dúvidas e confeccionamos os materiais para apresentação.

Queria fazer algo dinâmico e criativo para que os alunos do 1º ao 5º anos mobilizassem a escola para o projeto.

Então, adquiri, com meus recursos, camisetas azul-escuro, pintadas com a inscrição "Multiplicadores da Inclusão", para uso nas apresentações.

No dia 6 de fevereiro de 2018, fizemos a apresentação do projeto à equipe gestora e aos professores. Escolhemos também a turma do turno matutino que participaria do projeto (4º ano B). Era a classe de maior diversidade.

Dias depois, o projeto foi apresentado à turma. Na sequência, formamos os grupos. Ainda em fevereiro, foi realizado o levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos.

O primeiro contato com a turma foi tranquilo. Apresentei-me e expliquei o que era feito na sala de recursos multifuncionais e falei sobre o desenvolvimento do projeto.

Deixei claro que precisava de alunos estudiosos, que gostassem de aprender. Uma aluna perguntou se todos iriam participar.

Expliquei que sim, mas que, para participar do grupo "Multiplicadores da Inclusão", o aluno teria de ser um exemplo de comportamento e realizar as atividades propostas para a sala de aula. O uso da sala de recursos multifuncionais tinha como objetivo fazer que os estudantes tivessem contato com os materiais utilizados pelos colegas com necessidades educativas especiais. Um garoto perguntou para que tantos brinquedos.

Expliquei que, na verdade, eram recursos e não brinquedos, usados para ajudar os alunos que tinham alguma deficiência.

A terceira etapa, ocorrida em março, começou com o grupo sobre Síndrome de Down, formado por dez alunos. Os alunos falaram sobre o que é uma célula. A turma tinha conhecimento do assunto, pois a professora da sala regular já havia trabalhado esse conceito em classe. Um deles definiu que a célula “é a menor parte de um ser vivo”.

Eu fiquei muito contente e entusiasmada com as respostas. Inspirada pela apresentação mostrei a todos os vídeos sobre células, cromossomo 21 e sobre o que é e como ocorre a Síndrome de Down.

Os alunos fizeram perguntas interessantes como por quê a síndrome tem esse nome, quantos cromossomos existem e como uma mãe sabe se a criança tem síndrome de Down, se ainda durante a gravidez ou depois, etc.

Foi uma aula recheada de descobertas. Dias depois, aprofundamos os conhecimentos e organizamos os materiais para uma nova apresentação, por ocasião do Dia Internacional da Síndrome de Down, em 21 de março.

A apresentação ocorreu no pátio da escola para alunos, pais, professores e funcionários. Eles estavam muito nervosos, porém confiantes. O desempenho foi muito elogiado. Uma arte-educadora parabenizou, dizendo que havia então entendido o que, de fato, é a Síndrome de Down. O projeto não alcançou só os alunos, mas todos da comunidade escolar.

Mas o melhor veio depois, com a repercussão da apresentação dos “Multiplicadores da Inclusão”. Alunos me encontravam na escola e diziam que queriam ser multiplicadores, dizendo que também ajudavam sempre os colegas.

Os pequenos do 1º ano foram os melhores. Deles, recebi muitos abraços e ouvi que agora sabiam o que é um cromossomo.

Muito lindo! Trabalho realizado com sucesso com o grupo da Síndrome de Down.

O segundo grupo abordou o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Em nosso primeiro estudo, em março, falamos sobre o corpo humano e, mais especificamente, sobre o cérebro e os neurônios.

Os alunos fizeram perguntas como: “Professora, é igual à Síndrome de Down? São os cromossomos?”

Ou seja: o estudo sobre os cromossomos foi uma aprendizagem significativa, pois possibilitou aos alunos que fizessem ligações mentais entre um assunto e o outro.

As perguntas foram muito criativas. Quando falei das ligações dos neurônios, as crianças ficaram admiradas. O vídeo apresentado mostrou as sinapses feitas entre os neurônios e como o nosso cérebro processa as informações.

Mais adiante nos estudos sobre TEA, assistimos aos vídeos Coisas Fantásticas Acontecem e Meu Filho era Autista.

Quando falei que as causas do autismo ainda estavam sendo pesquisadas, uma das alunas falou que não havia como não saber, só poderia vir do pai ou da mãe, igual aos cromossomos 21. Outro aluno perguntou o porquê do nome autismo.

Os alunos foram bem criativos nas perguntas. Quando eu não sabia responder, pesquisávamos na internet. Organizamos os materiais para uma apresentação no Dia Internacional do Autismo, em 2 de abril. No evento, entregamos um fôlder sobre TEA.

A tarefa do terceiro grupo, de nove alunos, foi o estudo sobre a surdez, em abril. De início, assistimos ao vídeo O Corpo Humano: os cinco sentidos.

A maioria já conhecia o assunto, por ter sido a surdez um conteúdo trabalhado desde o 1º ano do Ensino Fundamental, em Ciências. Segundo um aluno, todos sabiam o que era visão, audição, tato, olfato e paladar, e isso era muito fácil.

Na apresentação de um vídeo sobre o sistema auditivo, alguns termos soaram engraçados para os alunos: bigorna, martelo, caracol, partes que formam o ouvido. Um aluno questionou se temos um caracol dentro do nosso ouvido!

Aproveitei o momento para tratar de vários assuntos, entre eles, como fazer a limpeza do ouvido sem machucá-lo.

Após a exibição de um vídeo sobre como funciona a audição, uma das alunas fez um relato sobre uma pedrinha que havia entrado em seu ouvido. Ela teve de ir ao hospital porque quase não conseguia ouvir.

Em maio, falamos sobre a história dos surdos, a luta para serem reconhecidos e sobre a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Fizemos o alfabeto completo e pedi que cada um fizesse o seu nome naquela língua.

Visualizamos a história dos três ursos em LIBRAS. Alguns alunos já conheciam a linguagem dos sinais.

Um pouco mais adiante, ainda em maio, estudamos as causas e a prevenção da surdez. Quando falei sobre meningite, que afeta crianças e pode levá-las a perdas auditivas, alguns perguntaram: “Tia, eu ainda posso ter essa doença?”.

Foi preciso acalmar as crianças, dizendo que já existe vacina para a doença.

Na aula, montamos os materiais para apresentação do grupo sobre surdez. Todos estavam entusiasmados, querendo participar, mesmo aqueles de outros grupos. Ao final, a apresentação para a comunidade escolar foi um sucesso.

Durante o desenvolvimento do projeto, alguns obstáculos surgiram, como a falta de tempo, pois os professores de sala regular seguiam um ensino estruturado e um planejamento programado.

Às vezes, quando eu ia pegar o grupo de alunos na sala, a professora pedia para que agendássemos o encontro para outro dia ou outra hora.

O processo inclusivo é difícil, pois temos os que acreditam no processo e os que não acreditam. O profissional que está na sala de recursos multifuncionais precisa organizar ações que dêem visibilidade ao processo inclusivo dos alunos com necessidades educativas especiais, o que não é fácil, pelos obstáculos atitudinais.

É preciso pensar numa abordagem sobre inclusão que inclua respeito, amizade e empatia, e não por que a lei exige que a aula aconteça.

A participação direta dos alunos na disseminação dessas práticas é fundamental. E para que isso ocorra, precisam conhecer e compreender para, aí, sim multiplicar os conhecimentos.

Nós tivemos momentos que serão inesquecíveis, tenho certeza. Um dos mais gratificantes foi quando pais vieram pedir para que seus filhos participassem do grupo "Multiplicadores da Inclusão".

Outro momento importante foi o estudo dos cromossomos. Eu achava que, pelo fato de o tema trazer termos científicos, os alunos não conseguiriam aprender. Mas eles me surpreenderam, deram um show!

Dicas

O projeto é uma boa oportunidade para o trabalho com procedimentos de pesquisa e anotações, já que explora bastante os vídeos como fontes de informação. Isso é algo pouco comum nas escolas, que, geralmente, privilegiam a pesquisa bibliográfica. Paralelamente, é possível a "exploração" de verbetes sobre alguns termos e sobre sua relevância nos textos de divulgação científica.

A proposta cumpre também a função social de estimular a conscientização das crianças. Esse trabalho pode ter como produto textual cartazes sobre os temas pesquisados.