"A BNCC do Ensino Fundamental – Anos Iniciais, ao valorizar as situações lúdicas de aprendizagem, aponta para a necessária articulação com as experiências vivenciadas na Educação Infantil. Tal articulação precisa prever tanto a progressiva sistematização dessas experiências quanto o desenvolvimento, pelos alunos, de novas formas de relação com o mundo, novas possibilidades de ler e formular hipóteses sobre os fenômenos, de testá-las, de refutá-las, de elaborar conclusões, em uma atitude ativa na construção de conhecimentos. Nesse período da vida, as crianças estão vivendo mudanças importantes em seu processo de desenvolvimento que repercutem em suas relações consigo mesmas, com os outros e com o mundo." (BNCC, 2018, p. 58)

Podcast

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Pequenos contadores de histórias

Área(s): Linguagens.

Esta prática se propôs a recuperar a prática de contação de história nas famílias. Além disso, formar leitores literários e contadores de histórias.

Componente(s): Língua Portuguesa.
Quando: Em qualquer momento do ano letivo
Materiais:
  • livros de literatura infantil;
  • maleta ou pasta para enviar o material à casa de um aluno.

Habilidades trabalhadas: EF02LP26; EF35LP01; EF35LP02; EF35LP21; EF35LP26.
Escola: EE. Coronel João Pessoa de Ensino Fundamental e EJA Doutor Severiano (RN).
Professor(a) responsável: Sonia Maria de Oliveira.

O que é:

O projeto foi fundamentado nas proposições do processo de formação leitora. Teve como propósito despertar a paixão por livros impressos e resgatar a contação de histórias para dormir. Atendeu a crianças do 1º ano, com idades entre 6 e 7 anos.

O diagnóstico inicial apontou que a maioria das crianças não tinha contato com livros em casa, que os pais não tinham tempo de ler para os filhos e que a tradição de contar histórias pra dormir havia sido substituída por vídeos e jogos no celular.

Eu desejava que as crianças se apaixonassem pelos livros. Acredito que a mágica de ouvir histórias, tocar no livro, sentir seu cheiro, ver as imagens e as cores e viajar na imaginação é o começo para o desejo de querer ler.

Para isso, utilizei o celular como ferramenta e ponte de diálogo para motivar pais e filhos. As crianças foram além das expectativas do projeto. Não só se apaixonaram pelos livros, como resolveram ser contadoras de histórias para apaixonar outras crianças.

Elas desenvolveram a expressão oral e as técnicas de contação de histórias. E, com ajuda da professora, deram visibilidade ao projeto pelas mídias. Uma página foi criada no Facebook para o compartilhamento de dicas de livros com outras crianças, bem como para a contação de histórias para crianças sem livros.

O trabalho contagiou todo o turno matutino, com o surgimento de 165 alunos contadores de histórias.

A intervenção se fez à luz das contribuições de Maria Helena Martins, autora do livro O que é Leitura.

Foi uma experiência relevante, na qual interagiram as famílias e a escola visando ao resgate da contação de histórias para as crianças dormirem e à leitura em família, como oportunidade para a formação de leitores apaixonados por livros.

Como fazer:

Novamente, mostrei o título e as páginas para que as crianças imaginassem. Depois, perguntei: “Para que serve um livro?”. Algumas crianças diziam que era para ler, para contar histórias e para aprender.

Deixei que todas se expressassem. Depois, li o livro e conversamos: chegamos à conclusão de que ele serve para divertir, encantar, emocionar e apaixonar.

Então, buscando um diagnóstico sobre o contato com livros em casa, indaguei: “Onde vocês costumam ler livros?”. Eles responderam que na escola e na creche.

Os alunos diziam que jogavam e assistiam a filmesno celular e no tablet, e que viam desenhos animados nos celulares dos pais.

Cinco alunos levantaram a mão e disseram que liam com os pais, quando eles não estavam cansados do trabalho. Três crianças relataram que os pais liam no celular. E os demais disseram não ter livros, e que os pais também não contavam histórias para dormir.

Então, perguntei: “E o que vocês fazem antes de dormir?”. Recebi diversas respostas. Os alunos diziam que jogavam e assistiam a filmes no celular e no tablete, e que viam desenhos animados nos celulares dos pais.  

Perguntei às crianças se os pais acompanhavam o que elas assistiam. Algumas responderam que pegavam o celular escondido. E outras disseram que dormiam com o celular.

Após a conversa, mandei para casa uma ficha para que fosse preenchida com informações sobre as crianças, inclusive sobre livros, histórias preferidas e contação de histórias para dormir.

Algumas mães disseram que as crianças adoravam livros, mas não souberam dizer quais as obras e as histórias preferidas. E algumas mães pediram: “Faça uma atividade que tire minha filha do celular”.

Entendi aquilo como um pedido de socorro, mas fiquei preocupada com a transferência de ações, que deveriam ser dos pais.

Então, pensei num projeto que estabelecesse uma ponte entre família e escola para a formação de alunos apaixonados por livros e contação de histórias.

O celular seria a ferramenta de diálogo da professora com os pais, por meio de um grupo de WhatsApp. Serviria também para gravação de vídeos de contação de histórias feita pelos pais. Queria que as crianças compreendessem a função comunicativa do celular, mas que o objeto de desejo fosse o livro impresso.

Comecei definindo atividades permanentes de leitura, trabalhando a leitura sensorial. Lia com os cinco sentidos, buscando todos os elementos possíveis propostos pelos textos para que as crianças imaginassem e sentissem a história.

Li, por exemplo, Chapeuzinho Vermelho, querendo que as crianças imaginassem a floresta, o cheiro das flores, sentissem água na boca dos doces suculentos da cesta da vovó e o arrepio do medo por causa do lobo.

Claro que, depois, eu defendia o lobo da floresta como um ser indefeso e em perigo de extinção. Explicava também que o autor havia usado o lobo para alertar as crianças do perigo das pessoas estranhas.

Li também Chapeuzinho Amarelo, para compará-lo com o outro livro e mostrar como a personagem havia perdido o medo. E as crianças amaram. Queriam levar os livros para casa.

O objetivo de causar encantamento nas crianças para que desenvolvessem paixão por livros e tivessem prazer ao ouvir histórias foi alcançado com essa atividade. Para alunos não acostumados com a participação em atos de leitura “[...] ver alguém seduzido pelo que faz pode despertar o desejo de fazer também”. (PCN de Língua Portuguesa).

Defini também a roda de leitura como atividade permanente. Colocava à disposição das crianças livros do universo infantil para que folheassem, sentissem, lessem as imagens e contassem a história à sua maneira.

Depois que cada criança escolhia um livro, eu colocava a caixa musical e passava um saquinho de balas, como na brincadeira da "batata quente". Quando a música parava, a criança ia até a caixa, pegava a figura de um dos personagens das cantigas de tradição oral e cantava, com o uso do microfone de brinquedo. Nessa atividade, tinha a ajuda dos colegas. Em seguida, contava a história à sua maneira.

O objetivo dessa roda de leitura foi melhorar a expressão oral e a habilidade de contar histórias lidas. E isso foi alcançado. No início, algumas crianças não queriam participar. Ficavam tímidas ou jogavam o saquinho de balinhas querendo se livrar dele, mas, depois, queriam participar.

Para estabelecer uma ponte entre a casa e a escola, criei uma mala de leitura para toda a família. Ela continha três livros de literatura: um para a criança ler para os pais, outro para o pai ler para a criança e outro para a mãe.

Como havia criança órfã de mãe, tive o cuidado de falar que a leitura em família poderia ser com qualquer pessoa: avôs, madrinha, pai, tia.

As crianças amaram a ideia e queriam logo começar a atividade.

Antes de começar, porém, eu precisava conversar com as famílias.

Apresentei o projeto aos pais numa reunião bem aconchegante, com livros e mala de leitura. Conversei sobre a importância de cada um ser um modelo e incentivador da leitura. Também falei sobre a importância de os pais comprarem livros para as crianças e sobre o cuidado no uso do celular.

Abordei ainda a ideia de criação de um grupo de WhatsApp para troca de informações, postagens de vídeos e fotos daqueles momentos mágicos em família.

Mostrei o livro de registo da atividade com espaço para avaliação dos pais sobre a leitura em família e recolhi a assinatura do termo de uso gratuito de imagem das crianças.

O objetivo de integrar família e escola para despertar a paixão pelos livros também foi alcançado. O próximo passo, tão esperado, seria o primeiro sorteio da mala de leitura. As crianças torciam para serem sorteadas.

Foi feito o sorteio e a criança escolhida vibrou de alegria. Imediatamente, registrei a cena e enviei a imagem da sorteada no grupo de WhatsApp.

A volta, no outro dia, foi uma emoção. A criança mostrou os livros lidos pelos pais e contou, à sua maneira, a história da obra escolhida. Depois, apresentou a atividade para os colegas e mostrou, toda orgulhosa, o registro escrito pela mãe, que foi lido por mim para toda a turma.

Fotografei o momento na sala, a avaliação escrita pela mãe e postei tudo no grupo. A mãe retribuiu com emojis de coração. Os demais pais sinalizaram com muitas palmas e, na sequência da semana, cada família teve o cuidado de, ao participar da leitura, também postar no grupo.

Assim, cada postagem feita era um convite para uma outra família participar. O objetivo de motivar e sensibilizar os outros pais na formação de leitores e resgatar a contação de história em família havia sido alcançado.

Aquelas crianças que contavam histórias na sala, agora, desejavam fazer isso "fora da caixinha", para mais gente.

Dia após dia, os pais foram cumprindo a parceria e as crianças se tornaram cada vez mais motivadas. Então, elas decidiram que seriam contadoras de histórias. Aquelas crianças que contavam histórias na sala, agora, desejavam fazer isso "fora da caixinha", para mais gente. Elas queriam fazer uma apresentação para sensibilizar mais crianças e os professores das outras turmas.

Elas mesmas escolheram histórias contadas pelos pais: Chapeuzinho Vermelho, A Pequena Sereia, e João e o Pé de Feijão. Também selecionaram livros de poesia, entre eles, As Borboletas e O Pato, de Vinicius de Moraes; de cantigas, como Ciranda Cirandinha, Alecrim Dourado e Atirei o Pau no Gato.

A apresentação foi gravada e fotografada para postagem no grupo dos pais, que ficaram orgulhosos. De sua parte, a escola ficou encantada.

As professoras e os alunos das outras três turmas convidadas ficaram motivados e expressaram o desejo de participar das apresentações, já na sexta-feira seguinte.

Para uma avaliação do projeto com as crianças, preparei os vídeos e imagens da apresentação. Foi um momento mágico. Seus olhos brilhavam. Na avaliação dos pequenos, o projeto estava sendo maravilhoso. As crianças perceberam que a mágica estava acontecendo.

As crianças ficaram tão felizes quando se viram na tela, que pediram para colocar as imagens no Facebook. Então, decidimos criar a página "Quer ouvir uma história?" Ela serviria para postar as apresentações, dar dicas de títulos de livros para outras crianças e contar as histórias preferidas para aquelas que não tinham livros.

Como a avaliação inicial apontou que os pais não contavam histórias para as crianças dormirem, lancei o desafio para os pais postarem, pelo WhatsApp, vídeos contando histórias para os filhos e incentivarem outras famílias a fazerem o mesmo.

No início, disseram estar envergonhados, mas, depois, começaram a enviar imagens e vídeos de momentos de leitura, bem como de acervo de livros que haviam comprado para os filhos.

Resgatar esse momento tão prazeroso da história para dormir encantou também os pais. Um deles relatou: “Minha filha gosta tanto dos livros que quer contar histórias para eu dormir”.

Como de costume, preparamos mais uma apresentação dos pequenos contadores de histórias que, agora, tinham se multiplicado: antes, era uma turma, agora, eram quatro.

Dessa vez, apresentamos uma aluna como cerimonialista. Ela dirigiu toda a apresentação.

Em seguida, convidou um aluno leitor para que recitasse o poema Caixa Mágica de Surpresa. A apresentação teve a participação de todas as crianças, caracterizadas com elementos típicos dos livros: bruxas, fadas, princesas, borboletas, passarinhos, piratas, bichinhos de jardim.

Em seguida, a aluna convidou algumas crianças para apresentarem os livros preferidos da semana: Beijo de Bicho; Pipoca, um Carneirinho e um Tambor; A Pequena Sereia; A Bela e a Fera e Que bicho fez esse buraco?.

A contação de histórias foi encantadora e todos riram da forma como as crianças contavam, usando todos os recursos de que o texto dispunha.

Após a apresentação, as crianças sentavam e ficavam, como espectadoras atentas, à espera de ouvirem os contadores de histórias das demais turmas.

Outras três turmas aderiram à ideia. Agora, já tínhamos sete classes participando.

O projeto se estendeu para além dos objetivos propostos. Não só a turminha desenvolveu a paixão pelos livros, como apaixonou todo o turno. Inspiradas, outras professoras prepararam malas de leituras para suas crianças.

Com a continuidade do projeto, os pais desenvolveram o hábito de contar histórias. Também já estavam apaixonados pelos livros.

A mala continuava sendo objeto de desejo das crianças. Uma mãe, inclusive, relatou que seria necessária uma maleta para cada criança. As apresentações continuaram de duas a três vezes por semana, porque eram muitas turmas interessadas.

Em resumo, as crianças trocaram o celular pelos livros, estavam a cada dia mais apaixonadas e passaram a usar aquela ferramenta, antes viciante, para assistir aos seus próprios vídeos, ver imagens da turma e fazer a divulgação do projeto, com sugestões de livros, contação de histórias.

E os pais, antes tímidos, agora contam histórias para dormir e pedem para postar nas redes sociais e incentivar outros pais.

Os objetivos de despertar a paixão por livros e resgatar a cultura da contação de histórias para a criança dormir foram alcançados. Porém, algumas atividades continuarão, pois, como disseram as crianças: “A gente não pode mais parar!”

O projeto teve um impacto muito grande na comunidade porque foi contagiando todas as crianças. E os pais, agora, contam, espontaneamente, histórias para seus filhos e para outras crianças, que adoram a experiência e pedem aos pais para fazerem o mesmo, num ciclo virtuoso contagiante.

Acredito que essa experiência pode ser desenvolvida com alunos de outros lugares, já que é função da escola criar uma rotina para o trabalho com a leitura pelo simples fato de que a atividade diverte, encanta e desenvolve a imaginação.

As contações em classe favoreceram o uso de recursos expressivos, que foram se refinando ao longo do projeto, a ponto de as crianças desejarem ser contadoras de histórias.

O projeto aumentou o contato das crianças com a literatura na escola e em casa e reduziu as horas de contato com o celular sem a supervisão de adultos.

Para enriquecer os recursos, pode-se apresentar vídeos de contadores profissionais, observando os recursos sonoros, visuais e gestuais que eles utilizam para enriquecimento do momento literário.

Há programas televisivos brasileiros atuais e mais antigos, disponíveis na internet, que trazem bons modelos de contação de histórias.