"A BNCC do Ensino Fundamental – Anos Iniciais, ao valorizar as situações lúdicas de aprendizagem, aponta para a necessária articulação com as experiências vivenciadas na Educação Infantil. Tal articulação precisa prever tanto a progressiva sistematização dessas experiências quanto o desenvolvimento, pelos alunos, de novas formas de relação com o mundo, novas possibilidades de ler e formular hipóteses sobre os fenômenos, de testá-las, de refutá-las, de elaborar conclusões, em uma atitude ativa na construção de conhecimentos. Nesse período da vida, as crianças estão vivendo mudanças importantes em seu processo de desenvolvimento que repercutem em suas relações consigo mesmas, com os outros e com o mundo." (BNCC, 2018, p. 58)

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Soletrando com as mãos

Área(s): Linguagens.

O objetivo desta prática foi promover a aquisição linguística da primeira língua para comunicação em LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), realizando atividades para motivar os alunos a entenderem os contextos abordados, vivenciando experiências significativas. Além disso, aumentar a fluência dos professores em LIBRAS.

Componente(s): Língua Portuguesa.
Quando: O projeto pode ser executado por trimestre ou em qualquer época do ano letivo.
Materiais:
  • papéis;
  • canetas e lápis diversos.
Habilidades trabalhadas: EF12LP01; EF12LP02; EF01LP04; EF01LP05; EF15LP06; EF15LP07; EF02LP07; EF12LP10.
Escola: EMEF ESP Para Surdos Vitória, Canoas (RS).
Professor(a) responsável: Carmen Cristina Pereira da Silva.

O que é:

O projeto "Soletrando com as mãos" foi uma competição entre as turmas de alunos para a memorização da escrita de cinco palavras-conceitos de cada disciplina e dos sinais correspondentes em LIBRAS.

A cada trimestre, durante o projeto, foram acrescidas mais cinco palavras, totalizando 15 no final, mas com o sorteio, sempre, de apenas cinco.

A dinâmica desenvolvida para o projeto seguiu o seguinte modelo:

No dia marcado para a competição, os professores sortearam as palavras. As turmas tiveram três minutos para discutir entre elas e escolher um representante que seria o responsável pela resposta. Ela seria dada com o aluno fazendo a datilologia da palavra ou soletrando-a com as mãos.

Programada para dezembro, a grande final incluiu a soma das pontuações alcançadas durante o ano. Apenas as três turmas mais bem colocadas receberam destaque. Os alunos pequenos e os de Educação para Jovens e Adultos (EJA) ganharam medalhas de participação.

No decorrer do trimestre, os participantes deveriam sanar as dúvidas sobre os sinais mais utilizados, de acordo com os contextos.

Para tanto, usaram todos os recursos disponíveis (dicionários de LIBRAS, aplicativos de celular, tablets, vídeos, sites e, principalmente, a memória).

Desde que iniciamos a proposta, os alunos demonstraram motivação para memorizar palavras, que é uma habilidade que o surdo precisa desenvolver, já que a audição de fonemas não faz nenhum sentido para ele.

Assim como os alunos, os professores também tiveram a oportunidade de conhecer sinais de outras disciplinas.

A situação-problema, que causou inquietação entre professores e alunos, foi a diversidade de sinais para uma mesma palavra ou significado e a diversidade de palavras para o mesmo sinal ou significado.

Outra particularidade do projeto foi a diversidade de origem dos alunos – geográfica e escolar, com muitos deles vindos do ensino regular, no qual as experiências pedagógicas são sempre pensadas para ouvintes.

Todas essas questões nos fizeram pensar num projeto que motivasse alunos e professores para a aquisição da LIBRAS e da língua portuguesa escrita, envolvendo os vários níveis de conhecimento e de trocas de experiências.

Como fazer:

Uma das características da LIBRAS é a sua variação linguística. Cada estado pode usar sinais diferentes para os mesmos significados. Isso poderia causar dúvidas entre os professores, especialmente entre aqueles com pouca experiência na área da educação de surdos.

No contexto do projeto, os alunos tiveram a oportunidade de discutir sobre os sinais mais apropriados, esclarecendo dúvidas e trocando experiências com os colegas mais velhos. O fundamental era que se chegasse num consenso sobre os sinais mais utilizados pela comunidade surda da região Sul e da região metropolitana de Porto Alegre, onde está localizada Canoas.

Professores e alunos formalizaram suas escolhas. Alguns estudantes foram fotografados sinalizando palavras-conceitos. Tais registros compuseram a apostila que seria distribuída a cada um dos participantes.

Nela, estavam as fotos representando cinco sinais de cada disciplina e a escrita da palavra correspondente.

Nessa etapa do projeto, os professores foram incentivados a observar com cuidado os parâmetros da língua de sinais. Foram eles:

  • Ponto de articulação (onde é feito o sinal).
  • O Movimento (em que direção o sinal é feito).
  • As expressões não-manuais (pode ser feito com a bochecha ou expressões faciais que indicam o significado do sinal).
  • A orientação (os sinais podem ter uma direção ou até uma inversão, podendo indicar um contrário).

A etapa seguinte foi a de confecção de cartazes com as palavras-conceitos. As peças traziam gravuras simbolizando a ideia e os sinais dos alunos.

Passado o tempo de pesquisa, da confecção de materiais e dos estudos das apostilas, chegou o dia de início da competição. Para tanto, apresentamos as regras aos alunos, que foram agrupados por turmas (do 6º ao 9º ano).

A primeira experiência com o "Soletrando com as Mãos" saiu um pouco confusa, pois ainda não tínhamos pensado em escolher professores para controlar o tempo das respostas e fazer o registro das pontuações. Na segunda vez que realizamos a atividade, já tivemos o cuidado de delegar as tarefas a dois professores.

Uma das questões foi sobre a premiação dos participantes, depois da entrega do primeiro trimestre, quando homenageamos apenas as três turmas mais bem classificadas. Os professores das séries iniciais, que não concorriam, mas participavam das atividades, solicitaram que os seus alunos também recebessem uma medalha pela atuação, e isso foi aceito.

Outra questão nos preocupou: o tempo que os menores estavam levando para responder as perguntas. Pensamos em estratégias para amenizar, com os alunos maiores querendo a chance de pontuar.

A cada edição, percebemos o crescimento dos alunos e dos professores. Não posso negar que houve momentos em que outras demandas da escola prejudicaram etapas que precediam as competições. Mas, ainda assim, conseguimos respeitar as combinações e as datas, na expectativa de que essa atividade se torne cada vez mais enraizada no calendário de eventos da escola.

A participação do conjunto de professores e o apoio da equipe diretiva foram fundamentais para os bons resultados da proposta. Cada professor incentivou seus alunos, desafiando e motivando as equipes para obter uma boa pontuação.

O fato de o aluno poder pontuar individualmente e com o grupo colaborou para a aquisição da noção de responsabilidade coletiva.

A equipe diretiva da escola, além de apoiar o projeto, esteve sempre presente nos dias das competições, acompanhando e prestigiando os alunos.

As superações demonstradas pelos alunos da EJA, que não competiam, mas participavam e recebiam medalhas, também trouxe muita satisfação. Mesmo tendo aprendido LIBRAS mais tarde, pelo fato de terem ficado anos afastados da escola, esses alunos adultos percorreram o mesmo caminho dos demais colegas, obtendo avanços significativos a cada edição.

Um destaque especial deve ser dado à participação dos alunos das séries iniciais. Tem sido muito instigante ver suas mãozinhas articulando os sinais e soletrando as palavras devagarinho, com atenção, olhando para seus professores para saberem se haviam acertado; e sua felicidade ao serem aplaudidos com as duas palmas balançando no ar (a forma como aplaudimos em LIBRAS).

Aos poucos, as discussões sobre as configurações de mãos foram se tornando mais comuns na escola. Vimos alunos treinando no refeitório, nos corredores da escola, querendo mostrar o que já haviam aprendido.

Foi interessante observar que os professores também estavam conhecendo novos sinais e aprimorando seus conhecimentos, principalmente se considerarmos que a pesquisa sobre os sinais envolve habilidades como conhecer aplicativos, sites e grupos de estudos; trocar experiências com os alunos e colegas de outras disciplinas; observar os parâmetros da língua de sinais; refletir sobre o real entendimento dos alunos em relação ao significado das palavras.

Ao confrontarmos os diferentes sinais encontrados para o mesmo significado, aprofundamos nossos conhecimentos em discussões sobre os contextos de aplicação.

O exercício de soletrar as palavras com as mãos parece ser uma estratégia muito eficaz de aprendizagem para a aquisição da Língua Portuguesa pelo aluno surdo. Percebemos que depois que iniciamos o projeto na escola, os jovens se preocupam mais em memorizar as palavras-chaves das disciplinas.

Nas próximas edições, realizaremos uma experiência nova, agregando mais um desafio. O aluno terá de soletrar as palavras com as mãos e, depois, explicar o seu significado.

Embora os professores tenham ficado receosos quanto às respostas dos alunos, acreditamos que só faz sentido memorizar uma palavra se compreendermos o seu significado e se compreendermos sua importância na comunicação, ou seja, se ela faz sentido no contexto educativo.

Ideias novas têm surgido e novas experiências poderão ser executadas em breve. Pensamos em promover edições voltadas a um tema gerador, como a "Copa do Mundo" ou o aniversário da escola.

Os professores, em suas disciplinas, já têm autonomia para fazer a escolha das palavras-conceitos por temáticas ou unidades de ensino.

Sabemos que estão sempre procurando realizar atividades diferenciadas para envolver os alunos e motivá-los a estudar mais. Acreditamos que o projeto pode ajudar nessas expectativas.

Estamos pensando ainda em convidar uma ou mais escolas para participar do "Soletrando com as mãos".

Um momento ideal seria em setembro, mês das comemorações do Dia do Surdo. Outra forma para divulgar nosso trabalho seria a participação em seminários de educação bilíngue para surdos e movimentos surdos.

Quem sabe, no futuro, essa atividade possa evoluir para níveis mais altos de exigência, como a comunicação de ideias, mensagens ou frases?

Quem sabe possamos realizar uma competição entre as escolas de surdos? Quem sabe possamos divulgar o projeto para a Secretaria de Educação de nossa cidade?

Pensamos nessas possibilidades porque acreditamos que, além de se tratar de uma prática que estimula crianças e adolescentes à escrita da palavra, o projeto é mais uma ferramenta para a pedagogia bilíngue de surdos.

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