"A BNCC do Ensino Fundamental – Anos Iniciais, ao valorizar as situações lúdicas de aprendizagem, aponta para a necessária articulação com as experiências vivenciadas na Educação Infantil. Tal articulação precisa prever tanto a progressiva sistematização dessas experiências quanto o desenvolvimento, pelos alunos, de novas formas de relação com o mundo, novas possibilidades de ler e formular hipóteses sobre os fenômenos, de testá-las, de refutá-las, de elaborar conclusões, em uma atitude ativa na construção de conhecimentos. Nesse período da vida, as crianças estão vivendo mudanças importantes em seu processo de desenvolvimento que repercutem em suas relações consigo mesmas, com os outros e com o mundo." (BNCC, 2018, p. 58)

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Projeto Cidadão Mirim: a vez e a voz da nossa comunidade

Esta prática pretendeu integrar os conhecimentos curriculares previstos para o 2º ano do Ensino Fundamental ao estudo do bairro e da comunidade, a partir das vivências das crianças, para estruturar um trabalho que abordasse esses conhecimentos de forma significativa.

Componente(s) curricular(es) envolvido(s):
Língua Portuguesa.

Quando:
No decorrer do ano letivo.

Materiais:
  • livros;
  • materiais de pesquisa.
Habilidades trabalhadas:
EF15LP01; EF15LP02; EF12LP02; EF12LP11; EF12LP12; EF01LP21; EF02LP18;
Professor(a) responsável:
Alessandra Bremm.

Escola:
EEEF Dr. Silveira Neto, Lagoa Vermelha (RS).

O que é:

Partindo dos temas "Bairro" e "Comunidade", foram realizadas diversas atividades, como passeios, entrevistas, pesquisas, leituras, produções escritas e criação de blog, levando os alunos ao protagonismo da própria aprendizagem, proporcionando a interação entre eles e a autonomia.

O projeto também possibilitou a articulação entre a escola, as famílias e a comunidade.

Como fazer:

O trabalho começou com uma pesquisa, em forma de questionário, que as crianças levaram para casa. Elas deveriam fazer as perguntas para um morador do bairro Rodrigues. As perguntas eram:

Qual a sua idade?

Há quantos anos mora no bairro?

Na sua opinião, quais são os maiores problemas do bairro Rodrigues? (o entrevistado poderia citar até três problemas).

Após alguns dias, os alunos trouxeram os resultados de suas pesquisas, que foram compartilhados na sala de aula.

Naquele momento, precisei ajudar os alunos que ainda não estavam alfabetizados para que fosse feita leitura de seus registros.

Essa atividade promoveu a participação das crianças, que ficavam comparando respostas. Mesmo os alunos que não moravam no bairro da escola fizeram um esforço e conseguiram entrevistar moradores do local.

Em seguida, para visualizar melhor as informações obtidas, falei para a turma que iríamos construir uma tabela e um gráfico.

Primeiramente, fizemos a tabela (cartaz), com as crianças contando quantos "pontos" cada problema recebia. Depois, transformamos a tabela em gráfico. Alguns alunos disseram que já haviam feito isso, e que era igual ao livro de matemática.

Essa atividade foi muito importante, pois evidenciou, visualmente, quais eram os maiores problemas do bairro, na opinião dos moradores.  

O levantamento apresentou os seguintes problemas:

  • Falta de creche para menores de um ano.
  • Falta de espaços adequados para lazer e diversão.
  • Rede de esgoto inadequada.
  • Perturbação do silêncio.
  • Animais abandonados nas ruas.
  • Iluminação pública insuficiente ou lâmpadas quebradas.
  • Problemas com o lixo.
  • Falta de segurança/roubos e situação das ruas.

Os cartazes com o gráfico e a tabela ficaram expostos durante quase todo o período de realização do projeto e, frequentemente, recorremos a eles nas atividades posteriores.

Dando continuidade, perguntei aos alunos se eles gostariam de fazer um passeio pelo bairro, com o objetivo de observar as ruas, as casas e, eventualmente, registrar com fotos as situações relatadas pelos moradores.

As crianças vibraram com a ideia. Organizamos a atividade para a aula seguinte. No passeio, as crianças ficaram atentas aos problemas que haviam aparecido na pesquisa, como o lixo em locais inadequados, animais soltos nas ruas e buracos no calçamento.

Após o passeio, trouxe para a sala de aula o mapa do bairro. Fizemos um círculo no chão, com o mapa no meio, e as crianças localizaram e pintaram suas ruas.

Deixei que explorassem o material. Fiquei surpreso ao ver que muitos alunos usavam como referência a rua de um colega para achar a sua, demonstrando que estavam refletindo a respeito do espaço geográfico e sua representação.

Na aula posterior, retomei o tema do projeto e perguntei se poderíamos fazer algo para transformar o bairro num lugar melhor para viver. Os estudantes disseram que sim. 

A maioria deu como exemplo a questão do lixo, relatando que, em suas casas, não costumavam depositar lixo em terrenos baldios, mas os vizinhos o faziam. Então, lancei a proposta do projeto, falando no nome que pensei: "Cidadão Mirim".

Escrevi o nome no quadro, perguntando o que pensavam a respeito do título, se tinham outra sugestão. Como a turma foi receptiva ao nome, assim ele ficou. Questionei se sabiam o que significava a palavra "cidadão". Um aluno disse que era quem morava na cidade. Respondi que sim, a origem da palavra era aquela, mas que havia um significado maior, relacionado aos direitos e deveres das pessoas que vivem em uma comunidade/sociedade.

Definido o nome do projeto e a razão da escolha, continuamos com as atividades. Pensando em aproveitar as atividades para trabalhar a alfabetização, imprimi as fotos tiradas durante o passeio pelo bairro e agrupei os alunos em duplas, considerando o nível de aprendizagem de cada um (pré-silábico, silábico, alfabético), de forma que todos conseguissem produzir legendas de acordo com as imagens.

No meio tempo, criei o blog do projeto e o apresentei às crianças, que mais tarde ajudaram a atualizar as postagens, digitando as legendas criadas para as fotos.

Prosseguindo, questionei a turma em relação aos problemas do bairro. Quais deles eram causados ou agravados pelos próprios moradores? Para minha surpresa, as crianças identificaram facilmente três deles: a questão do lixo, dos animais abandonados ou soltos nas ruas e o barulho excessivo causado por alguns moradores.

Lancei a proposta de criarmos um folheto informativo para conscientizar as pessoas a respeito desses problemas. Os alunos adoraram a ideia, mas queriam saber como faríamos isso. Expliquei que, primeiro, precisávamos estudar um pouco cada item.

Essa etapa do projeto foi importante também por retomar um trabalho feito pela escola em anos anteriores, chamado "Lixo que não é Lixo", no qual os alunos cuidavam da limpeza do pátio da escola e precisavam observar a separação de lixo seco e orgânico nas lixeiras apropriadas.

Assim, nas aulas seguintes, lemos textos sobre coleta seletiva e reciclagem do lixo, realizamos a leitura de um livro sobre a temática estudada, acessamos o portal do município para descobrir os dias da coleta no bairro, conversamos e lemos sobre a responsabilidade de ter um bichinho de estimação e os cuidados que ele demanda e, finalmente, discutimos sobre a vida em comunidade e o respeito necessário com os vizinhos, principalmente em relação ao barulho que pode incomodar os outros.

Além das leituras, conversas e debates, também usei alguns jogos dos computadores da escola e de sites educativos como "Escola Games". Após termos aprendido um pouco mais sobre os assuntos que estariam nos folhetos, pedi ideias para a escrita e as registrei no quadro. Posteriormente, ampliei essas ideias, construindo o texto dos folhetos com base nelas.

Por fim, cada criança fez uma ilustração e finalizei o material. A turma ficou maravilhada com os folhetos, lendo-os, comentando sobre as ilustrações dos colegas. Cada aluno levou um exemplar para casa, para compartilhar com a família. Também distribuímos para as demais turmas da escola. Voltamos ao bairro e entregamos cerca de 60 folhetos aos moradores.

Essa atividade promoveu a autonomia e a iniciativa das crianças, além da oralidade, pois elas precisaram abordar as pessoas e explicar do que se tratava o material.

Naquele ponto, o blog do projeto já tinha algumas publicações. Criei ainda uma página no Facebook para ajudar na divulgação. Assim, houve maior interação com as famílias e a comunidade, que acessaram, curtiram e compartilharam o conteúdo. Isso gerou grande interesse por parte da turma, que viu o seu trabalho valorizado.

No entanto, ainda havia os problemas citados pelos moradores. Por exemplo, alguns citaram que a rede de esgoto do bairro era inadequada, mas durante as visitas ao bairro não conseguimos identificar isso.

O ideal seria voltar ao bairro e tentar registrar essas situações. Convidei uma liderança do bairro para ser entrevistada pelos alunos. A atividade já estava prevista no planejamento inicial, mas ganhou ainda mais importância, pois a entrevistada poderia esclarecer pontos sobre os quais ainda tínhamos dúvidas.

Como tarefa de casa, cada aluno registrou uma pergunta que gostaria de fazer à entrevistada, podendo pedir sugestões para a família.

No dia da entrevista, muitos alunos demonstraram desenvoltura, questionando a entrevistada com segurança. Outros, um pouco tímidos e inseguros, esqueceram o que iam dizer, e eu precisei auxiliar nesse momento.

O objetivo principal, que era buscar mais informações a respeito dos problemas do bairro, foi alcançado. A convidada reforçou algo que era objetivo do projeto: contemplar a participação, o engajamento dos alunos, que serão os futuros moradores do local, na solução de problemas e na busca do bem comum.

Ela relatou que poucas pessoas participam das reuniões que ela organiza e que muitas situações poderiam ser resolvidas com a união dos moradores. Durante a entrevista, nossa convidada enfatizou a responsabilidade da administração municipal em resolver alguns problemas do bairro.

Retomei essa questão com os alunos nas aulas subsequentes, sugerindo que escrevêssemos uma carta aos vereadores, contando sobre o nosso projeto e os problemas que havíamos estudado.

Os alunos nunca haviam escrito ou lido uma carta. Esse foi o primeiro contato deles com esse tipo de texto e forma de comunicação.

Não foi uma simples atividade, foi um evento. Escrevi a carta no quadro, com a participação de todos, atuando como escriba, orientando sobre as características do texto que eles desconheciam. Durante esse processo, usando a letra cursiva, as crianças ficaram atentas ao uso da letra maiúscula no início das frases, nos substantivos próprios.

Todos assinaram a carta, depois de revisada e digitada por mim. Foi a primeira vez que as crianças assinaram seus nomes completos, usando letra cursiva, algo que considero muito simbólico.

A carta foi entregue à Câmara Municipal e todos os alunos receberam uma cópia para levar para casa e ler com seus familiares.

Assim que divulgamos a carta no blog e na página do Facebook, recebemos retorno: uma vereadora comentou sobre o projeto e se colocou à disposição para ajudar. O presidente da Câmara Municipal pediu para ir até a escola e falar com os alunos, o que foi muito importante, pois valorizou ainda mais o trabalho desenvolvido. 

A carta também foi lida, posteriormente, por outro vereador, numa sessão da Câmara, e as crianças puderam conferir isso em vídeo.

Ao final do projeto, realizei uma avaliação escrita com os alunos, na qual eles demonstraram, por meio de desenhos e palavras, o que havia sido mais significativo durante o processo.

Uma das maiores aprendizagens da turma foi a busca por informações em diferentes fontes. Isso rompeu com a ideia de que o professor é a única referência na sala de aula, a única fonte de informação.

Outro fator de avanços na aprendizagem foram as atividades de produção escrita, nas criações de legendas para fotos, nas postagens do blog, na elaboração do folheto informativo, na escrita da carta.

Em todos os momentos, os alunos foram capazes de criar, interagir e produzir textos contextualizados, individualmente e coletivamente, o que contemplou os diversos níveis de aprendizagem.

A escrita da carta exemplificou para as crianças o uso da letra cursiva, bem no momento em que estava sendo feita a transição da letra caixa alta para cursiva.

Acredito que a aproximação e a articulação entre escola, família e comunidade, que perpassou todo o projeto, serviram para a importância do estudo, da pesquisa e da divulgação do conhecimento, que partiu de uma problemática real.

Quanto aos meios utilizados para avaliar os alunos, penso que o acompanhamento diário durante o processo e a observação constante do envolvimento da turma nas atividades foram suficientes para considerar o resultado satisfatório.

Desenvolver um projeto é diferente de planejar, aplicar e avaliar uma aula tradicional, "normal" ou necessariamente expositiva. A aula tradicional acontece, com o aluno participando ou não, pois está centrada na ação do professor.

O projeto, por sua vez, não pode ser realizado sem o engajamento e a participação direta dos alunos. Então, se for possível realizar o projeto, desenvolvendo as atividades propostas com a colaboração dos alunos, isso já denota o sucesso do trabalho.





Dica!

O professor poderá produzir, com os alunos, um álbum imagético dos problemas, utilizando, por exemplo, recortes de revista, e organizando uma espécie de "antes e depois" dos problemas e suas soluções.