Arcanos: o domínio das sombras
Esta prática pretendeu favorecer o protagonismo juvenil, o contato com situações relacionados ao conteúdo curricular e à proposição de soluções criativas baseadas nos conhecimentos construídos, bem como auxiliar os processos de leitura e de escrita por meio do jogo RPG.
Em qualquer momento do ano escolar.
Materiais:- jogo arcanos;
- material de papelaria para confecção dos jogos;
- computadores e/ou tablets.
LGG – Competência 1; Competência 4; Competência 6; Competência 7
Habilidades trabalhadas:EM13LGG104; EM13LGG105; EM13LGG402; EM13LGG403; EM13LGG701; EM13LGG703; EM13LP15; EM13LP18; EM13LP46; EM13LP54
Escola: Escola de Referência em Ensino Médio Capitão Nestor Valgueiro de Carvalho, Floresta (PE)
O que é:
O trabalho foi desenvolvido entre 5 de fevereiro e 2 de abril de 2018 com 234 alunos da 1ª à 3ª série do Ensino Médio de uma escola de educação integral do sertão de Pernambuco.
RPG é a sigla inglesa para Role-Playing Game, que, em português significa Jogo de Interpretação de Personagens. Esse jogo consiste na vivência de um enredo formado por um mestre, jogadores e antagonistas, popularmente difundido em narrativas ficcionais do gênero literatura fantástica. Tais narrativas vêm batendo recordes de bilheteria nos cinemas e despertando o interesse por games do gênero.
Nos jogos dessa modalidade, de modo geral, existe um mestre que tem como funções criar o cenário, a história, introduzir opositores e julgar as ações dos protagonistas. Aos jogadores, cabem a criação e o controle dos seus personagens.
Com base nesse enredo, o presente trabalho buscou descrever como ações voltadas para um jogo de RPG contribuíram para a melhoria do ensino-aprendizagem em nossa escola. Procurou também apresentar uma proposta interdisciplinar de utilização dessa ferramenta, que pode inserir competências de qualquer conteúdo do currículo escolar.
O ponto de partida foi dinamizar a formação em serviço por meio de um método divertido. A escolha recaiu sobre um instrumento que gerasse interação entre os alunos, favorecesse a resolução de situações-problemas das disciplinas curriculares e integrasse as tecnologias digitais.
Pesquisamos, então, como os jogos de RPG poderiam nos ajudar nesse processo, agregando formas de valorizar os conhecimentos dos alunos, estimular o protagonismo juvenil, incitar a criatividade e auxiliar no processo de leitura e escrita. A partir dessas aspirações, surgiu o jogo "Arcanos".
Após pesquisas, elencamos as ferramentas de engajamento: competição, colaboração e participação nas atividades de debate, elaboração coletiva do enredo do jogo, tradução para língua inglesa e espanhola, participação em grupos de estudo e criação dos protagonistas, dos antagonistas e do mapa.
Divididos em duas equipes e subdivididos em 11 grupos (compostos por integrantes da mesma sala), os alunos participaram do jogo com seus personagens.
As atividades consistiram, basicamente, na análise comparativa entre as pontuações obtidas, por meio da resolução de situações e problemas de 13 disciplinas do currículo escolar e do enfrentamento dos desafios existentes em missões escritas em pergaminhos.
Para posterior publicação, analisamos como os alunos se comportaram em grupos colaborativos, como lidaram com os erros e se ocorreram avanços ou retrocessos na aprendizagem.
Além de contar com toda a equipe escolar, o projeto teve a colaboração de ex-alunos e dos estagiários do Instituto Federal do Sertão Pernambucano.
A partir da vivência, percebemos que as investidas contribuíram para o aperfeiçoamento da leitura e da escrita em todas as áreas de aprendizagem.
Isso ampliou a capacidade de tomar decisões, desenvolveu a atenção e a capacidade de concentração, despertou o interesse em formular hipóteses e prever resultados, sistematizou o trabalho em equipe e fortaleceu os vínculos afetivos entre os profissionais da escola, a comunidade e os alunos.
Como fazer:
A primeira etapa consistiu em evidenciar as problemáticas destacadas no planejamento pedagógico do início do ano letivo e no primeiro dia de aula.
Nessas ocasiões, foi possível captar os anseios dos nossos alunos e do quadro docente por uma escola lúdica, dinâmica e que integrasse as tecnologias digitais.
No planejamento foram expostas as dificuldades que os estudantes poderiam enfrentar quando lidassem com determinados conteúdos e também o que precisaria ser feito para a superação dessas adversidades.
Na sequência, iniciamos um pequeno debate, seguido de uma pesquisa sobre métodos ativos de aprendizagem que favorecessem o protagonismo juvenil, valorizassem os conhecimentos dos alunos, auxiliassem na leitura e escrita, estimulassem a resolução das situações-problemas e incitassem a criatividade.
Naquele momento de partilha de saberes, concluímos que os jogos de RPG, se articulados a uma proposta pedagógica bem estruturada, seriam uma excelente ferramenta educacional de estímulo à criatividade, à interatividade e à interdisciplinaridade.
Assim, inspirados em jogos de videogame e no relato de uma experiência, formulamos hipóteses para o aperfeiçoamento da prática e a melhoria da aprendizagem.
A partir daí, fizemos um levantamento de materiais e dos recursos existentes na escola.
Havia a necessidade de um enredo, de um mapa (tabuleiro), de antagonistas e protagonistas, de fichas para as informações sobre os personagens, de um cartaz (para controle e transparência de informações) e de urnas para as questões resolvidas.
Também foi definido que trabalharíamos com todas as seis turmas do Ensino Médio Integral por um dia letivo.
Todos ajudaram, elaborando itens, realizando oficinas, auxiliando no dia do jogo, orientando o estudo em grupo ou tirando dúvidas.
Ficou clara a necessidade de a história do jogo ser criada pelos alunos, com os professores de Língua Portuguesa auxiliando na produção e na correção da história.
Os professores de Língua Inglesa e Língua Espanhola, por sua vez, participaram de traduções e debates. Já os professores das áreas de Exatas ajudaram no planejamento de estratégias para que o jogo fosse mais estimulante, simularam as pontuações e colaboraram na elaboração das regras.
Nessa fase, definimos o número de grupos e de componentes. Os professores ficaram responsáveis por averiguar o desenvolvimento do estudo em horário extraescolar. A escola informou que disponibilizaria um espaço, 12 tablets/PCs e o mapa do jogo.
Por ser uma ferramenta nova e de fácil manipulação, escolhemos o editor de texto coletivo "Meetingwords", plataforma que gera um link de acesso geral e todos podem contribuir.
Para a criação dos personagens, optamos pelo software "Fábrica de Heróis", que apresenta uma vasta gama de recursos para embelezar os personagens. Já para a criação do mapa, escolhemos a plataforma "Inkarnate", também simples e prática.
Definimos, então, que a história retrataria um momento do passado, mas que, a partir de determinado ponto, ela representaria o presente.
Após a marcação da data para a realização do jogo, fizemos um levantamento dos conteúdos curriculares que seriam abordados. Cada professor elaborou questões sobre expectativas de aprendizagem.
A coordenação escolar solicitou recomendações de fontes de estudo para uso pelos alunos nos momentos de socialização.
Dada a possibilidade de criação do enredo do jogo, muitos alunos nos procuraram para relatar suas ideias de escrita do texto.
Mas o trabalho pouco avançou. Vários estudantes confessaram que tinham vergonha de exporem em público suas ideias. Em resposta, pedimos que eles se identificassem apenas pelo nome do personagem criado.
Surgiu, então, a necessidade de mais pessoas engajadas no projeto para ajudar na atualização dos dados das fichas dos personagens. Convidamos ex-alunos e estagiários do Instituto Federal do Sertão Pernambucano.
Iniciamos a elaboração da aventura e também as traduções. O uso da ferramenta de edição não só permitiu acessibilidade ao texto, mas também demandou dos alunos a leitura das situações para que o trabalho tivesse continuidade.
A oficina foi realizada por turma, com duração de uma hora-aula. Foram apresentadas as classes, as raças dos personagens e os aspectos introdutórios de sua criação.
Com a possibilidade de criar e "viver" um personagem num jogo, o projeto ganhou vida, com intensa participação dos alunos, que, frequentemente, eram vistos no intervalo criando avatares, discutindo cores, acessórios etc.
Confeccionamos nove urnas (três para cada ano escolar) e distribuímos as questões sobre as 13 disciplinas curriculares.
Para a identificação de itens pelo corretor da mesa, inserimos o número da questão e, entre parênteses, a disciplina. Foram colocadas 25 questões para cada disciplina, totalizando 975 itens.
Quando o enredo do jogo ficou pronto, fizemos algumas cópias do texto e o distribuímos nas salas. Fizemos ainda o levantamento dos alunos interessados em participar da oficina para a criação do mapa.
Por conta própria, um grupo de alunos da 2ª série começou a fazer personagens para ilustrar a história. De acordo com eles, ilustrações ajudariam na compreensão do texto, já que seria possível associar os nomes às imagens. Assim, acrescentamos as suas versões e pedimos que criassem outros antagonistas para também inserção no jogo.
Tão importante quanto a escolha dos personagens e do enredo do jogo foi a definição sobre a pontuação que cada um obteria para as habilidades e os requisitos postos em jogo e sobre as situações que seriam vividas.
A partir daí, pesquisamos na Internet itens que poderiam ser inseridos no jogo. Discutimos ainda onde estariam localizados esses itens e criamos cinco missões, que foram expostas em dois pergaminhos – um para personagens do tipo mágico e outro para os do tipo guerreiro.
Também definimos os níveis dos antagonistas, as pontuações e como faríamos para saber se uma ação teria efeito positivo ou negativo (derrotar ou não um monstro).
Em seguida, foi feita a elaboração das fichas dos personagens e dos atributos de pontuação para ataque, defesa, mobilidade, moedas, vida e vitória sobre os monstros.
Após as fichas de registro estarem prontas, fizemos o levantamento de custos para a impressão das 22 fichas de personagens. O valor ficou em R$ 1.100,00, pagos por meio de uma campanha de captação de recursos, que incluiu uma rifa e a colaboração dos pais. Para a produção dos demais itens do jogo, utilizamos materiais da escola.
À campanha, seguiu-se o debate sobre as regras do jogo. Após tudo pronto, houve uma reunião com toda a equipe escolar. Nela, foram reforçados os cuidados com os alunos e firmadas as funções dos professores, estagiários e ex-alunos.
Antes do início, foi lida pela gestora uma mensagem de encorajamento, perseverança e de respeito ao próximo.
Em seguida, foi feita a apresentação dos personagens das equipes. Houve ainda, posteriormente, uma rápida revisão das regras complementares.
Chegamos, então, à vivência do jogo, que foi desenvolvida em três períodos. Ao final, as mesas e cadeiras foram retiradas do pátio e recolocadas nas salas. Aproveitamos para somar as pontuações.
Após o retorno à quadra, os alunos fizeram um grande círculo e participaram de uma dinâmica. Em seguida, anunciamos as pontuações individuais e o total geral. Os alunos vibraram e se abraçaram.
O projeto foi bastante elogiado pela contribuição que trouxe para a melhoria da aprendizagem. Graças ao sucesso, resolvemos reaplicar o projeto ao final de cada unidade bimestral.
Dica!
Antes de trabalhar um jogo dessa natureza, a equipe precisa ser sensibilizada para a prática, pois é notável a existência de preconceitos segundo os quais o jogo não contribui para a aprendizagem, sendo apenas um divertimento.
Para o bom andamento do processo de aprendizagem, por meio de grupos colaborativos, é importante que um trabalho diário de investigação das atividades seja feito para que eventuais conflitos sejam superados.
Pode-se elaborar com os alunos um cronograma de estudos e verificar quais estudantes, inclusive de outras turmas, terão condições de dar suporte.
Para a implantação dessa metodologia, a arrecadação de recursos não é um problema, pois pode-se realizar uma rifa e usar recicláveis ou materiais da escola.