Sociedade x Meio Ambiente: discutindo o futuro
Desenvolver o espírito crítico e analítico dos alunos, considerando o uso sustentável dos recursos naturais e a qualidade de vida das pessoas da região. Além disso, promover a interação com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Sem período específico.
Materiais:
- Livros didáticos;
- Computadores;
- WhatsApp;
- Acesso à internet.
CHS - Competência 3;
CNT - Competência 3;
Habilidades trabalhadas:
EM13CHS302; EM13CHS304; EM13CHS306; EM13CNT309
Escola: EEEM Waldemar Maues, Belterra (PA).
O que é:
O desflorestamento da Amazônia, principalmente para o plantio de soja, vem aumentando consideravelmente. Essa ocorrência se estende ao município de Belterra, área de realização do trabalho e situado na parte oeste da Amazônia paraense, onde existe um cultivo muito grande de soja.
Tal atividade representa uma forte ameaça às populações, que ficam expostas aos efeitos dos agroquímicos. Sua utilização provoca a contaminação dos solos, dos recursos hídricos e da fauna e da flora, podendo resultar em efeitos catastróficos para o bioma amazônico e também, por extensão, para todo o planeta.
Nos últimos anos, o uso de agroquímicos em plantios de soja e milho chegou a comunidades rurais e ao centro urbano do município de Belterra.
Na cidade, temos a Escola Estadual de Ensino Médio Waldemar Maués, que, como parte de sua matriz curricular para o Ensino Médio, oferece a disciplina Ecologia, voltada às turmas da 2ª série. Isso se dá porque a escola acredita ser importante trabalhar temas transversais de forma interdisciplinar.
A questão ambiental é cada vez mais destaque no meio científico e na mídia. Crescem também as discussões sobre temas como o equilíbrio entre o desenvolvimento e a qualidade de vida, e os impactos do progresso no planeta.
A partir da década de 1990, o agronegócio ganhou força no país, com ênfase na cultura da soja, que logo se estendeu por toda a Amazônia.
A soja transgênica desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e adaptada ao clima quente e úmido da região contribuiu para o aumento da produtividade agrícola nacional e para que o Brasil se tornasse o 2º maior produtor mundial desse grão.
Nesse contexto, surge o questionamento: "Até que ponto vale a pena desflorestar a Amazônia para a ampliação das fronteiras agrícolas?"
O desenvolvimento de extensas áreas de monocultura na região mais biodiversa do planeta se dá num cenário com uma imensa fauna de insetos.
Essa situação impõe a necessidade de aplicação de mais agroquímicos para as lavouras que se mantenham produtivas. Tal ocorrência afeta, por exemplo, as abelhas, que são essenciais na polinização das espécies vegetais nativas. Os insetos sobreviventes migram para as culturas dos pequenos produtores, causando a eles prejuízos irreparáveis.
Vale destacar também a questão dos dessecantes, que são substâncias químicas capazes de absorver água. Esses agentes, que têm sido utilizados nas plantações de soja e milho, acabam, também, secando e matando plantações dos pequenos produtores da região, comprometendo sua principal fonte de renda.
No que se refere à saúde, devemos mencionar também o aumento do número de casos de leishmaniose. A doença é transmitida pelos carapanãs do gênero Phlebotomus, que têm sido "expulsos" do meio rural para as áreas urbanas por causa da destruição de seu habitat pelo uso intensivo de agroquímicos.
Entretanto, observa-se uma desvalorização de todo o bioma amazônico, com risco real de perda dessa biodiversidade.
No que diz respeito à escola, torna-se fundamental a discussão sobre as questões ambientais ainda no Ensino Médio. Essa temática representa hoje cerca de 40% dos conteúdos de ciências da natureza exigidos pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
Em nosso projeto, a dinamização do conhecimento sobre o tema se deu por meio de participação em palestras, da realização de uma audiência pública, da organização de seminários e oficinas de produção audiovisual e metodologia em pesquisa e do desenvolvimento de pesquisa científica.
A entrevista foi escolhida como ferramenta de coleta de informações. Para tanto, elaboramos um questionário domiciliar com 48 itens, cujas questões abordaram assunto relacionados à investigação sobre aspectos sociais, econômicos e de saúde.
Sempre em equipes, e sob a supervisão da professora coordenadora do projeto, os alunos visitaram residências da cidade para a aplicação da pesquisa. Esse trabalho durou dez meses, entre agosto de 2017 e maio de 2018.
Os resultados foram tabulados e apresentados na escola e à comunidade local.
A escolha das áreas de pesquisa levou em consideração a localização dos plantios de grãos, com prioridade às residências e aos logradouros mais vulneráveis à exposição e à contaminação por agroquímicos.
Como fazer:
O início das atividades se deu com a verificação dos conhecimentos dos alunos sobre como conciliar desenvolvimento, progresso, sustentabilidade, equilíbrio da floresta e qualidade de vida. Para tal, consideramos o atual cenário de depredação antrópica, que beneficia grandes empreendimentos agrícolas e reduz, cada vez, mais as perspectivas dos amazonenses de usufruírem do tal “desenvolvimento”.
O projeto alcançou, inicialmente, 37 alunos, que participaram de palestras, oficinas de iniciação científica e audiovisuais, pesquisa de campo, seminários, rodas de conversa e mesas redondas.
Os primeiros debates serviram para que tivéssemos uma noção dos conhecimentos dos alunos sobre as temáticas em discussão e verificássemos o seu interesse pelos assuntos. Nessa etapa, ficou claro que o nível de informação ainda era baixo.
Como parte do projeto, os jovens foram a campo para a realização de entrevistas em instituições de pesquisa, órgãos federais e com pessoas da comunidade, incluindo lideranças de movimentos sociais.
Na sequência, surgiram como ideias a produção de um jornal audiovisual e o incentivo à pesquisa científica, já que, em Belterra, não havia nenhum dado sobre o uso de agrotóxicos na cultura da soja.
Como a escola, por si só, não teria condições de realizar as atividades propostas, buscamos o apoio de outras instituições, como o Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Oeste do Pará, o Instituto Evandro Chagas, a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, a Embrapa e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Belterra, Mojui dos Campos e Santarém.
Em maio de 2017, participamos, com 30 alunos e quatro professores, da audiência pública de instalação do Fórum Permanente de Combate aos Agrotóxicos e Audiências Públicas sobre os Direitos Territoriais na Região do Baixo Amazonas.
Este foi o nosso primeiro contato com um pesquisador do Instituto Evandro Chagas, que passou a nos ajudar no desenvolvimento da pesquisa com os moradores locais. Esse trabalho se mostraria muito importante, dado o quadro de subnotificações de intoxicações por agrotóxicos, o que revelava desconhecimento da população e dos profissionais da saúde sobre sintomatologia e sobre os problemas no organismo humano causados pela crescente exposição aos agroquímicos.
Ainda em maio, a Câmara Municipal aprovou o desmembramento de 2.600 hectares da Área de Proteção Ambiental (APA) Aramanaí com a finalidade de consolidar ainda mais o agronegócio, com a instalação de portos graneleiros.
Esse fato causou grande descontentamento na população, e foi determinante para que a escola realizasse, em 5 de junho, por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente, uma audiência pública.
O objetivo foi esclarecer a comunidade escolar e a população sobre os impactos socioambientais daquela decisão dos vereadores locais.
Participaram o prefeito, o presidente da Câmara Municipal, a secretária de Meio Ambiente, um representante do Conselho Gestor da APA, um representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), um representante do Ministério Público Estadual, um engenheiro ambiental, um representante do Movimento Tapajós Vivo e uma representante da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional. O evento, que reuniu cerca de 300 pessoas, foi também transmitido pela rádio comunitária local.
Posteriormente, o Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública para que Belterra e o Pará não emitissem e suspendessem qualquer licenciamento ambiental na APA Aramanaí até que fosse implementado o Plano Diretor de Gestão Ambiental para a área.
Na sequência de nosso projeto, realizamos na escola a palestra “Danos Ambientais Amazônicos e suas Consequências na Saúde Humana: desafios para um modelo metodológico para seu enfrentamento”. O evento teve a presença de 242 pessoas.
Organizamos ainda, nas férias de julho, uma oficina formativa audiovisual sobre o uso de tecnologias. A atividade foi importante como preparação para a iniciativa seguinte: o "Jornal Bela Terra", produção audiovisual dos alunos.
A gravação das entrevistas para o audiovisual foi feita com telefones celulares. Os alunos ouviram instituições e órgãos de fiscalização, ensino, pesquisa e saúde pública e agricultores.
O "Jornal Bela Terra" foi finalmente apresentado em classe no final de setembro. A produção também foi divulgada pelo Movimento Tapajós Vivo.
Ainda durante as férias escolares de julho, teve início uma articulação com instituições, órgãos de governo, sindicatos e associações para a realização de um seminário sobre agrotóxicos e suas influências na saúde humana e no bioma amazônico.
O evento aconteceu em agosto, atraindo 188 pessoas. A atividade teve duas mesas redondas: "Agronegócio, Legislação, Saúde e Economia" e "Atual Panorama do Agronegócio na Região e Possíveis Alternativas Econômicas para o Desenvolvimento".
Como consequência da evolução do projeto, ganhou força o interesse pela iniciação científica.
Como exemplo, realizamos a pesquisa “Diagnóstico Socioeconômico e de Saúde das Pessoas Vulneráveis à Contaminação pela Exposição ao uso de Agrotóxicos na Área Urbana e Adjacências no Município de Belterra-PA”.
Nesse trabalho, a escola contou com o apoio do Instituto Evandro Chagas e da Universidade Federal do Oeste do Pará.
A realização da pesquisa foi um grande desafio para os alunos, que tiveram de usar suas horas vagas, muitas delas nos fins de semana, para a aplicação dos questionários domiciliares.
As primeiras entrevistas foram marcadas pela timidez da turma e dos entrevistados. De um lado, os agricultores tinham receio de retaliações por informarem dados que, possivelmente, colocariam grandes produtores em situação desfavorável diante da comunidade. De outro, os jovens estudantes se viam diante de uma atividade diferenciada, que exigia postura de pesquisadores e preparo para absorver reações inesperadas dos entrevistados, dada a delicadeza do tema.
Cada aluno realizou, em média, dez entrevistas. No total, excluídas as famílias que não quiseram, 387 agricultores participaram da pesquisa.
Foi uma experiência fantástica para mim e para os estudantes. Os relatos influenciaram significativamente os alunos, que participaram ativamente, também, da tabulação dos dados.
Além dos problemas causados pelos agroquímicos, a região também se vê sob a ameaça dos metais pesados, em especial o mercúrio, muito utilizado na extração de ouro na região do Rio Tapajós.
Sobre esse tema, houve em setembro, na escola, palestra sobre os efeitos da exposição mercurial para a saúde humana, realizada por pesquisadoras do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Oeste do Pará. Participaram 143 alunos.
Por causa das atividades desenvolvidas, a escola começou a se destacar no cenário local, fato que resultou no estabelecimento de uma parceria com a equipe do documentário norte-americano "Beyond Fordlandia", que cedeu um link na fanpage da produção para a divulgação internacional do nosso projeto.
As ações se sucederam ao longo dos meses. Os alunos participaram, por exemplo, da “1ª Semana Regional de Mobilização e Articulação Contra os Impactos Causados por Agrotóxicos na Região do Baixo Amazonas”, ocorrida na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais.
Em outra ação, no início do ano letivo de 2018, dez alunos participaram, na escola, da roda de conversa “Os Modos de Vida dos Povos do Tapajós Ameaçados pelos Grandes Projetos”, organizada pela Federação de Órgãos para Assistência Social.
O projeto teve como uma de suas vitórias o engajamento dos alunos. Um dos fatores foi a dinamização da metodologia de ensino, ultrapassando os muros da escola para estabelecer relações de integração com a sociedade, aliando também teoria e prática.
Devemos somar a isso todas as atividades realizadas, como as oficinas e a elaboração de pesquisa, que fizeram dos alunos protagonistas do projeto.
Essa particularidade e a própria essência do projeto foram bastante elogiadas por pessoas da comunidade e por representantes e pesquisadores de instituições parceiras.
É possível que esse projeto seja desenvolvido por outras escolas. Entretanto, há fatores essenciais – e que não podem ser esquecidos – para o desenvolvimento de ações mais dinâmicas, entre eles, a existência de recursos financeiros e o envolvimento da gestão, do corpo técnico e dos docentes.
Nosso objetivo inicial foi alcançado. Os alunos aprenderam a buscar informações além daquelas presentes nos conteúdos dos livros didáticos. Ficou evidente que, a partir de novas informações, da pesquisa de campo e do trabalho audiovisual, é possível fazer mais.
Cabe ressaltar a importância do grupo de WhatsApp "Ecologia do WM", utilizado para motivar os alunos e para o compartilhamento de assuntos relacionados ao trabalho.
Mais recentemente, alunos que participaram do projeto se aventuraram também como disseminadores de informações para turmas mais novas. Tornaram-se uma alternativa de orientação, capazes de gerar reflexão com a voz da juventude.
Ao atuarem em uma iniciativa que mudou a dinâmica escolar, tornaram-se sujeitos do processo ensino-aprendizagem.
Saiba mais
Há a proposta para a realização de uma nova edição do "Jornal Bela Terra", assim como para a continuidade das ações de estímulo à produção científica.
Instituições de pesquisa local e regional já manifestaram interesse pelos resultados e por futuras parcerias para a ampliação do projeto.
Mais informações podem ser encontradas em: