"A dinâmica social contemporânea nacional e internacional, marcada especialmente pelas rápidas transformações decorrentes do desenvolvimento tecnológico, impõe desafios ao Ensino Médio. Para atender às necessidades de formação geral, indispensáveis ao exercício da cidadania e à inserção no mundo do trabalho, e responder à diversidade de expectativas dos jovens quanto à sua formação, a escola que acolhe as juventudes tem de estar comprometida com a educação integral dos estudantes e com a construção de seu projeto de vida." (BNCC, 2018, p. 464)

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Entrelinhas: uma plataforma socioeducacional

Competência 1 | Competência 3 | Competência 6
Área(s): Linguagens.

O objetivo desta prática foi despertar o interesse pela leitura e desenvolver o “comportamento leitor”, mobilizando os alunos em ações de intervenções na escola e na comunidade.

Quando:

Em qualquer momento do ano letivo.

Materiais:
  • papel colorido;
  • fibra de nylon;
  • livros.
Competências específicas:

LGG - Competência 1; Competência 3; Competência 6

Habilidades trabalhadas:

EM13LP46; EM13LP47; EM13LP53

Professor(a) responsável:

Sergio Furtado Neo.

Escola:

Escola Estadual de Ensino Médio Ronaldo Caminha Barbosa, Cascavel (CE).

O que é:

Por meio da leitura, os indivíduos adquirem conhecimentos, desenvolvem o intelecto, estimulam a criatividade e criam bases para formular críticas e desenvolver o poder de interpretação. Logo, “a leitura é um princípio de cidadania” (Silva, 2003).

Contudo, ela é um hábito ainda distante da grande maioria dos brasileiros. Diante dessa problemática, identificada nas escolas e nas comunidades da região de Cascavel, surgiu o seguinte questionamento: Pode o trabalho por meio de uma plataforma social e educacional de estímulo à leitura na escola e na comunidade (re)significar a relação das pessoas com a leitura e ainda contribuir para o desenvolvimento social, cultural e educacional dos envolvidos?

Como parte da idealização do projeto, realizei diversas entrevistas. O objetivo era mapear a a relação dos alunos e da comunidade com a leitura. Na atividade, detectei que a inexistência do hábito da leitura era reflexo não somente da realidade educacional, mas também de uma questão social.

Isso porque o contexto das comunidades periféricas estudadas é marcado pelo consumo de drogas e pela violência, num ambiente de pouco estímulo para os temas relativos à educação.

Executei metodologias de aproximação da comunidade civil e escolar para desenvolvimento da leitura como ferramenta de transformação social.

Minhas linhas de ação foram o incentivo à leitura e a interação entre a escola e a comunidade, numa perspectiva criativa e inovadora.

Ao longo do projeto, pesquisamos duas vezes a relação dos alunos e de moradores da comunidade com a prática da leitura. Os resultados mostraram evolução positiva importante.

Na fase inicial de pesquisa, 44% dos entrevistados informaram que tinham o hábito de leitura. Ao final do projeto, esse índice havia subido para 61%. Da mesma forma, a reclamação de falta de incentivo em casa caiu de 51% para 33%. Na primeira pesquisa, 29% disseram que não liam por preguiça. No levantamento final, apenas 20% apresentaram a mesma explicação. E, por fim, diminuiu de 27% para 20% o total de pessoas que afirmavam não ler por falta de incentivo. Também houve aumento superior a 20% no rendimento escolar dos estudantes na disciplina de Língua Portuguesa.

Esses dados evidenciaram uma mudança na percepção dos envolvidos, com a transformação das escolas e da comunidade em espaços de leitura e participação social. Os objetivos do projeto foram, portanto, alcançados, com sua metodologia replicada em ONGs e associações comunitárias.

Como fazer:

As ações do projeto foram planejadas de maneira cooperativa, alcançando, inicialmente, as turmas de 3ª série do Ensino Médio.

Posteriormente, os próprios estudantes, auxiliados por monitores, replicaram as ações da plataforma socioeducacional para as demais turmas, envolvendo assim toda a escola, além de oito unidades de Ensino Fundamental e 12 comunidades.

Os alunos que já tinham o hábito da leitura se voluntariaram para ajudar no desenvolvimento das ações com a 3ª série e com as demais turmas e a comunidade. Esses estudantes serão, neste relato, doravante, denominados "monitores do projeto".

Além de entrevistas na EEEM Ronaldo Caminha Barbosa, foram aplicados questionários em escolas locais e na comunidade. O objetivo era verificar se a hipótese da falta do hábito da leitura era também uma realidade em outros espaços da comunidade.

Após o diagnóstico, surgiram as propostas iniciais: a criação de uma cultura leitora na escola, a realização de um trabalho com as competências leitoras e a construção de habilidades sociais nos estudantes vinculados ao projeto.

Foi necessário criar um ambiente lúdico e atrativo na biblioteca escolar, que mais parecia "um depósito de livros". A revitalização do espaço consistiu na catalogação de todo o acervo e no desenvolvimento de intervenções artísticas. Barquinhos de papel colorido foram suspensos no teto por fios de nylon, dando uma cara mágica ao ambiente.

Os estudantes usaram a criatividade e recortaram papéis coloridos em formatos de animais. Na base desses recortes (que foram colocados entre os livros), escreveram frases de incentivo para os colegas, bem como poemas e outros pequenos textos.

Livros foram espalhados por toda a escola. Em cada um, havia uma carta convidando quem o tivessse encontrado a se aventurar no universo da leitura. Em árvores, postes, pontos de ônibus e outros espaços da comunidade, foram afixados poemas e textos produzidos pelos estudantes.

Lendas, contos e causos foram reunidos num folheto, que deu origem a um material escrito e ilustrado para uso nas escolas e na comunidade.

Formando pequenos grupos, os alunos também saíram pela comunidade espalhando suas produções. O propósito era envolver a população no projeto e construir uma rede pela leitura e pela transformação social.

Professores, gestores e alunos foram estimulados a doar livros para enriquecer o acervo da biblioteca. Também houve uma campanha de arrecadação nas redes sociais. Foi desenvolvida ainda uma atividade de coleta de histórias, "causos" e contos populares na comunidade, por meio de entrevistas com moradores.

Tivemos também uma atividade de leitura e compartilhamento de contos e "causos" na praia, à luz do luar, em volta de uma fogueira. Os alunos participantes do projeto também leram histórias para pescadores.

Lendas, contos e causos foram reunidos num folheto, que deu origem a um material escrito e ilustrado para uso nas escolas e na comunidade.

Foram desenvolvidas cirandas de leitura com os alunos que não tinham o hábito de ler livros. Nessa atividade, tivemos leituras individuais e coletivas.

De início, nas atividades escolares, selecionamos adaptações de clássicos da literatura nacional e universal, inclusive no formato de quadrinhos. Depois da leitura compartilhada, os alunos eram estimulados a levar os livros para casa. Na aula seguinte, teriam de apresentar a história e suas percepções sobre o livro lido.

Ou seja, trabalhávamos não somente a leitura, mas também o desenvolvimento de habilidades leitoras e de interpretação textual, para que o contato com a leitura fosse prazeroso aos envolvidos.

Com estudantes que já estavam num estágio mais avançado, criamos clubes de leitura, que se tornaram espaços para o debate e a realização de estudos mais aprofundados sobre textos, temáticas e autores.

Instituímos ainda as oficinas de formação de replicadores, com alunos estimulando colegas a ingressarem no universo da leitura.

Na ação "Poesia em Movimento", distribuímos e declamamos poemas a passageiros do transporte público. Além disso, envelopes com poesias e livros foram deixados nos ônibus intermunicipais. Poesias, boa parte delas criadas pelos alunos, foram depositadas nas caixas de correio das famílias atendidas pela escola.

No diagnóstico feito pelo projeto, o uso intensivo das redes sociais apareceu como um empecilho à leitura. A partir dessa informação, decidimos usá-las como ferramentas de incentivo à leitura. Os estudantes criaram no Facebook uma página chamada "Entrelinhas: uma plataforma socioeducacional". Também criaram um perfil no Instagram, um canal no YouTube e um blog.

Esses espaços passaram a receber postagens diárias com poesias, trechos de livros, reflexões, frases de estímulo à leitura e conteúdos.

O projeto ganhou ainda mais força com a ação "Livros na Comunidade". Por meio dela, livros eram deixados em locais públicos para que as pessoas lessem e depois repassassem a amigos e familiares.

A intenção foi fazer com que, após a leitura, os livros fossem novamente deixados em algum lugar público para atrair novos leitores.

Os estudantes também desenvolveram atividades em escolas de Ensino Fundamental, com leituras para as crianças.

Na ação "Amigo Leitor", os aluno e pessoas da comunidade formaram núcleos de compartilhamento de livros e leituras, numa troca de informações sobre as obras e produção de resenhas.

Em nossa "Fábrica de Escritos", trabalhamos a escrita e a leitura de diversos gêneros textuais, como a poesia. Também produzimos conteúdos sobre a comunidade.

Outra ação relevante foi a abertura da biblioteca escolar à comunidade. Essa iniciativa inspirou também a adesão de voluntários ao projeto, resultando, por exemplo, na organização de eventos como o “Café Literário”, realizado ao final de cada progressão leitora (transição da ciranda para os clubes de leitura).

Os estudantes organizaram ainda o "1º Concurso de Poesia", aberto aos colegas de escolas públicas de Cascavel. Nessa atividade, mobilizaram a Secretaria de Educação para a divulgação do concurso. Ao todo, 60 estudantes de mais de 30 escolas enviaram poesias inéditas e autorais. As dez produções mais bem avaliadas foram premiadas num evento em nossa escola.

Já com o trabalho consolidado nas turmas da 3ª série, foram desenvolvidas estratégias de incentivo à leitura em sala. Mensalmente, foram avaliados os índices de empréstimos de livros em todas as turmas e foi feito um estudo detalhado de direcionamento de ações para as turmas menos leitoras. Cada estudante que desenvolveu o hábito foi incumbido da missão de sensibilizar um colega.

Todo o material escrito foi utilizado como ponto de partida para o trabalho com as competências leitoras. Ao final do projeto, os estudantes foram submetidos a avaliações internas e externas.

Os índices de leitura e proficiência foram comparados com os levantados na fase de diagnóstico. Ao concluírem uma etapa, os alunos avaliavam a metodologia executada, por meio de um questionário.

O trabalho tem um valioso potencial interdisciplinar, podendo ser associado a manifestações culturais e artísticas, como saraus, dramatizações e sessões de leitura dramatizada.

Há, ainda, a possibilidade de desenvolvimento da leitura literária relacionada a períodos e momentos históricos nacionais, ação que pode contribuir para um estudo contextualizado dos fatos históricos e pesquisas sobre literatura regional e a chamada literatura marginal ou periférica.

Saiba mais

Para acompanhar o apoio teórico usado pela autora do projeto, o professor poderá fazer a leitura do livro "Letramento Literário: teoria e prática", de Rildo Cosson, especialmente o capítulo "Sequências Didáticas para o Oral e a Escrita: apresentação de um procedimento".